Ricardo Petraglia critica não pagamento de direitos por reexibição de novela e milita pela descriminalização da maconha


Ricardo Petraglia é um dos nomes de destaque de “História de Amor”, novela que está no Globoplay e será exibida no canal Viva. Das tramas mais antigas da plataforma é a que obtém resultados mais expressivos na audiência. Aposentado há alguns anos, Ricardo vê criticamente o fato de não estar recebendo pela hospedagem da trama na plataforma da Globo e ainda não haver sido contactado para ter seus ganhos pela exibição na TV por assinatura. Hoje, ele Ricardo dedica-se à causa em favor da liberação da maconha, além do uso medicinal da erva e tem um habeas corpus para plantar a cannabis. E afirma sobre a decisão de não voltar à TV: “Eu não tenho mais saco de ir para TV escutar diretor que não sabe o que esta fazendo e que grava a mesma coisa 10 vezes”

*por Vítor Antunes

Recuperando-se de uma cirurgia de câncer na bexiga, Ricardo Petraglia revela sua incorformidade ao saber que “História de Amor“, novela na qual viveu o desempregado bonachão Sinval Xavier, não apenas está sendo exibida no Globoplay com sucesso, como será levada ao ar em nova reprise pelo Viva, numa homenagem ao autor, Manoel Carlos. “Eles não reprisam mais na Globo, então a gente não recebe direitos de imagem”, reclama. Ricardo porém, revela-se grato ao novelista: “Adoro o Maneco. Dos autores é o mais profissional”. Em alta voltagem, o ator é contundente a respeito de atuar na TV. Ricardo está aposentado desde 2015 da TV e, desde 2018, dos palcos e solta o verbo sobre a razão que o afastou. “Eu não tenho mais saco de ir para TV escutar diretor que não sabe o que esta fazendo e que grava a mesma coisa 10 vezes, mantendo um close no pé do ator e sob o ponto de vista da câmera observando a unha esquerda. Esses caras são uns chatos!”. Ainda que esteja aposentado da cena artística, Ricardo pretende lançar um livro em breve contando sua história e celebra a entrada de seu neto, João Pedro, no Tablado.

Militante em defesa da liberação da maconha, Ricardo Petraglia atribui ao preconceito como uma das razões que fazem proibir a erva para fins recreativos: “A proibição, ela mata através da violência policial e do crime organizado. A maconha nunca matou ninguém na história do planeta. Já a proibição, sim. E milhares de pessoas. A cada proibição [de uma droga] inventa-se [um derivado] pior. Desde 2002, Ricardo tem licença para plantar cannabis e utilizá-la. Para tal, tem um habeas corpus que o possibilita fazê-lo. Alvo de preconceito por utilizar-se da maconha desde quando tinha 18 anos, o ator acredita que o “Movimento Canábico” poderia aprender junto com o Movimento LGBT e instituir o Dia do Orgulho Maconheiro. Ainda que não tenha uma data estabelecida para celebrar, o lema ele já tem: “Sai do armário, usuário“.

Bia Nunnes e Ricardo Petraglia em “História de Amor”. Conflitos de pessoas comuns em “História de Amor” (Foto: Bazilio Calazans/Globo)

ESCULHAMBER

A maconha da mamãe é mais gostosa! A maconha da mamãe é a mais gostosa!”. Foi gritando esse slogan – título da peça de Dario Fo – em cima de uma Kombi e em plena ditadura, que Ricardo Petraglia e o elenco da montagem teatral foram detidos pela “dura”. Diziam os militares que eles estavam incitando o consumo de drogas. Aposentado da carreira artística há alguns anos, hoje ele trabalha com o fabrico de substratos biológicos para hortas e plantas medicinais. E intitula-se como um digital influencer às avessas, ou um “esculhamber”, em suas palavras. Em seu Instagram, @mobydickshow, o ator propõe um debate profundo sobre a liberação da maconha e seu uso recreativo: “Não é um papo de doidão. A maconha ainda gera discussões por que as pessoas não conseguem entender que ela é apenas uma planta. A proibição não se dá por questões de saúde, mas de controle. E é essa proibição que acaba por matar as pessoas. Elas morrem através da violência policial e do crime organizado”.

A maconha nunca matou ninguém na História do planeta. A proibição dela sim. A cada proibição inventa-se uma coisa [derivada] que é pior. Quando o álcool foi vetado nos Estados Unidos, fez nascer as destilarias domésticas onde as pessoas bebiam e quase morriam. A proibição da cocaína fez nascer o crack e a da maconha as drogas K  – Ricardo Petraglia

“O Brasil foi o primeiro país a proibir a maconha, em 1831 [sic], com a Lei do Pito do Pango. E de lá pra cá continua-se crendo que um baseado na mão de uma pessoa preta do Morro do Alemão a configura como traficante, ao passo que 500g de erva no carro de “uma rapaziada indo para Búzios” é para uso próprio. Historicamente, a maconha no Brasil era conhecida como “fumo de Angola”. A forma como era consumida pelos negros daquela época, em cachimbos de barro, levou a maconha a ser chamada de “Pito do Pango”, e originou, também a expressão/verbo “panguar”, ou seja, estar desatento. Por sua vez, também nomeou a Lei anteriormente citada.

É proibida a venda e o uso do “Pito do Pango”, bem como a conservação dele em casas públicas. os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia.” – Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 04/10/1830

Ernesto Piccolo em “A Maconha da Mamãe é Mais Gostosa” (1985). Elenco foi detido. (Foto: Reprodução/Facebook)

Outra crítica a qual Ricardo se debruça é sobre a maconha medicinal. “Não por sua capacidade curativa, mas pela desigualdade. Há discriminação às pessoas comuns. Agora a classe médica resolveu se apossar, colocar gravata borboleta e terno para fazê-la respeitável com o nome de maconha medicinal. Enquanto a maconha não for produzida aqui, teremos que importar o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) da maconha medicinal. A evolução na política no que diz respeito a isso é porque está havendo discussão. A involução é porque as Leis – Como o Projeto de Lei 399 e a Lei 89/2023 – são elitistas, quando permitem que as indústrias laboratoriais plantem e vendam, enquanto as pessoas da favela são detidas por fazerem a mesma coisa. Por qual motivo uns podem e outros não? A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu a importação de maconha in natura, porque o uso fumado e aspirado não é medicinal. Parece que falta-lhes o preparo científico [para definir isso]. É perverso haver lucro com maconha importada sob o nome de maconha medicinal, quando há sangue de pobre e de preto na rua por proibição. O Governo precisa mudar isso”, observa ele, que tem licença para plantar cannabis desde 2002.

Qual a diferença do traficante da biqueira da Rocinha para um da Redwood se eles vendem a mesma coisa? Aqui a diferença está na classe social e na cor da pele das pessoas. Para o rico a maconha nunca foi proibida. Ele importa e usa – Ricardo Petraglia

Ricardo Petraglia. Ator acredita que há desigualdade no que tange à lieração da maconha (Foto: Miguel Ângelo/RecordTV)

Conta-nos Ricardo que ele é julgado desde os 18 anos por ser usuário da erva. “As pessoas me botavam de lado, me chamavam de doidão, de maconheiro. O que me salvou foi meu profissionalismo. Eu nunca deixei de decorar meu texto e fazer meu trabalho, a contrario de muita gente careta. Depois que eu me aposentei, com liberdade, mando às favas quem me julga”.

A indústria do tabaco e do álcool está aí. Café é droga. Tabaco é droga. Álcool é droga. Maconha é uma planta. Assim como há médicos pilantras, religiosos maus caracteres, há também maconheiros maus. É preciso tirar esse estigma. Quero instituir o Dia do Orgulho Maconheiro e sob o lema: “Sai do armário, usuário” – Ricardo Petraglia

Ricardo Petraglia: Dia do Orgulho Maconheiro (Foto: Miguel Ângelo/RecordTV)

HISTÓRIA DE AMOR – E DE TRANSGRESSÃO 

Desde o início do mês passado, “História de Amor” está no Globoplay. A partir do mês que vem entrará em cartaz no Viva. A novela vem sendo bem recebida na plataforma de streaming da Globo, e nesta trama Petraglia vive Xavier, um homem encostado, desempregado e bonachão que fez muito sucesso. “Manoel Carlos me recolocou no mapa. Adoro ele, assim como ter feito a novela. Acho que a minha carreira teve a estrutura que teve por causa do autor. Dos autores ele é o mais profissa”, elogia. E continua: “As pessoas adotaram o personagem. Ele era muito querido, porque era fraco. As pessoas tinham pena dele. Maneco deu uma dimensão legal ao personagem e não mostrou um lado só dele”. Sobre a trama de 1995, Ricardo tem apenas uma queixa. Não está recebendo nada por ela: “A gente não ganha direitos conexos. Não recebemos nada por elas quando estão no Globoplay. E até agora não pingou nada”.

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Sobre voltar às novelas ele nega peremptoriamente: “Estou aposentado. Não quero mais. Não acho graça em ver aqueles idiotas me mandando ir para a esquerda ou para a direita, ou para eu falar mais baixo ou mais alto. Cansei disso. Comecei com 17 anos e parei com 65. Já deu”, afirma. E celebra o fato de seu neto João Pedro estar fazendo Tablado junto a Ernesto Piccolo, seu amigo de longa data.

Ainda que tenha se retirado da profissão, não a vê com amargor ou aspereza. Não tem críticas ao teatro: “Acho muito legal. Eu só não tenho mais saco de ir para a TV escutar diretor que não sabe o que esta fazendo”, dispara. Além disto, Ricardo diz estar com um livro quase pronto sobre sua trajetória artística e recupera-se de um câncer na bexiga. Depois de viver várias histórias, ele está decidido em viver a sua e despertar pensamentos. Artista em desconstrução para a reconstrução.