Reynaldo Gonzaga: 60 anos de carreira e fora da TV há 11, ator critica sua última novela e sociedade moderna


Celebrando 60 anos de carreira, o ator e compositor Reynaldo Gonzaga dividirá a comemoração da data com um retorno à música, gênero do qual estivera sempre presente, porém de forma pouco incisiva, além de uma montagem teatral. Decididamente um dos grandes galãs de sua geração, Reynaldo atribui a sua ausência das TV’s pelo fato de ser uma pessoa opinativa e pontua: “Tem gente aí que nunca pisou no teatro. Os atores jovens não têm assinatura artística. Atualmente, acho que as atrizes estão melhores que eles”

*por Vítor Antunes

Uma voz marcante, de um grave profundo. A definição poderia exemplificar a sonoridade do ator Reynaldo Gonzaga. Nascido na terra da garoa e criado na Ilha do Governador (Rio), Gonzaga, filho do também famoso ator Castro Gonzaga (1918-2007), ele está morando em São Paulo desde 2019. Com uma carreira longeva e estabelecida, aos 74 anos, Reynaldo está afastado das telas há 11 anos. De opiniões tão marcantes como sua vocalização, o artista critica as novelas atuais. Segundo ele, “as pessoas são apaixonadas pelas novelas antigas, porque elas têm um texto mais elaborado, uma dramaturgia mais sólida, consistente. A contrário de hoje quando parecem todas iguais”, e afirma que os jovens atores preocupam-se com a superficialidade em vez de dedicarem-se à profissão: “Antigamente, os galãs não precisavam estar bombadinhos, malhados. Os galãs da minha geração não tinham frescura, vinham do teatro. Tem gente aí que nunca pisou no teatro. Os atores jovens não têm assinatura artística. Atualmente, acho que as atrizes estão melhores que eles”. Além disto, afirma não acompanhar televisão, nem mesmo tê-la em casa e não saber que dois trabalhos seus – “Anjo Mau” (1976) e “Selva de Pedra” (1986), estão no Globoplay. Mesmo o streaming não faz parte de seu cotidiano: “Quanto à TV, sinto falta apenas de futebol”.

Como forma de celebrar os 60 anos de sua profissão dedicando-se com mais afinco a um talento que sempre tivera, o musical, para 2023 Reynaldo estará participando do show “Ela é Jazz – Música Brasileira e Jazz”, no qual coloca-se como cantor e compositor, trazendo músicas autorais e outras já consagradas do cancioneiro popular. O EP com as canções que compõem o show estará disponível nas plataformas digitais em janeiro de 2023. Desde o tempo em que ficara off das telas, Reynaldo dedicou-se às locuções – “gravei muito nesse período” – e segue fazendo narrações institucionais e cinematográficas. Um de seus últimos trabalhos foi o filme “Nem Tudo se desfaz”, documentário que aborda o cenário político brasileiro após protestos de 2013 e os movimentos que propiciaram a eleição de Bolsonaro em 2018. O ator também se posiciona contrário à abordagem na última novela a qual trabalhara, “Amor e Revolução”, exibida pelo SBT em 2011, na qual vivera um general irascível. Relata também acreditar haver um aparelhamento na produção cultural contemporânea, e, ainda que se mostre esperançoso, nota haver no mundo um momento contundente de transformação: “Já passamos pelo Armagedon. Hoje estamos no Apocalipse”.

Reynaldo Gonzaga diz não ver televisão e não sabia da reexibição das novelas que trabalhou na Globoplay (Foto: Sal Ricardo)

A HISTÓRIA É UMA ‘ISTÓRIA’

O título da peça de Millôr Fernandes (1923-2012) “A História é uma Istória” – assim, com a letra i – questiona a história humana oficial e não satisfeita em fazê-lo, debate até a ortografia, tratando-a sem o “tradicional” H. Oportunamente citada, Reynaldo Gonzaga compôs o elenco desta montagem, nos anos 1990, substituindo o ator Paulette (1952-1993). Tal como a peça contestava o status quo, o artista, diante de sua maturidade e carreira sexagenária, também o faz. Em parceria com o jornalista Guilherme Fiuza, ele está preparando um monólogo, cujo nome provisório é “O Esquema”, no qual contesta aquilo que atribui como sendo um limite à liberdade de expressão no tempo atual: “O monólogo conta a história de um cara que vai parar num manicômio sem saber a razão que o leva até lá”. Segundo o ator, o roteiro traduz a limitação da vida contemporânea. “Na vida do personagem, tudo é pontuadinho de acordo com protocolos. Trata-se de um cidadão que está escravizado e é punido em cada vez que ‘pisa na bola’. A peça critica o politicamente correto. Tanto a visão do autor como a minha e de toda a equipe, traduz um olhar mais realista e abrangente, nos quais vemos os lados múltiplos da História. Afinal, todos nós, unanimemente, somos a favor da liberdade”, explica.

Na montagem teatral escrita por Guilherme Fiuza, há o questionamento sobre a(s) liberdade(s) no pós redemocratização (Foto: Sal Ricardo)

“Já estamos com o texto aqui e buscando uma direção para fazer o trabalho. Teremos a Suzy Scherb e o Ricardo Peixoto como os produtores executivos”. O ator relata que este é apenas um dos braços da celebração de sua carreira. O outro é um show musical – “Ela é Jazz – Música Brasileira e Jazz” – onde investe num segmento menos explorado em seu fazer artístico, que é o da música. No show, canções escritas por ele, bem como sucessos extemporâneos da MPB estarão presentes. O nome que batiza o projeto é uma homenagem e um trocadilho com o nome da filha de um amigo, o músico Marcos Vianna, que se chama Jasmine Blue. E o ator/cantor afirma que o show não é “de jazz, intrinsecamente”.

Por mais que tenha se dedicado com mais afinco à sua carreira de ator, Reynaldo também marcou presença como compositor. Teve músicas gravadas por Angélica, no álbum de 1991 da cantora/apresentadora, e pelo cantor Luís Antônio (1945-2001) – componente do duo queer Les Étoiles. O artista era amigo de juventude de Gonzaguinha (1945-1991), que dava aulas de violão para sua irmã. Conheceu Elis Regina (1945-1982) e seu pai, Castro Gonzaga, tinha o sonho que o filho investisse nesse segmento. Aos 74 anos de idade, Reynaldo iniciou muito cedo na carreira. Sua primeira novela foi em 1970, “A Próxima Atração”, de Walter Negrão. Depois, esteve em dois trabalhos icônicos com Regina Duarte: “Minha doce Namorada” (1971) e no primeiro “Caso Especial”, programa de episódios únicos, exibido também naquele ano.

Reynaldo Gonzaga e Regina Duarte no primeiro “Caso Especial” (Foto: Reprodução/TV Globo)

Um dos últimos trabalhos de Reynaldo Gonzaga na televisão foi a novela “Amor e Revolução”, exibida em 2011 pelo SBT, que tinha como plot o governo militar e pautava-se na história de amor entre uma militante de esquerda, Maria Paixão (Graziella Schmitt) e um militar de direita, Major Guerra (Cláudio Lins). Na trama de Tiago Santiago, Gonzaga vivia o General Guerra. Segundo o ator, a novela possuía um olhar unidirecionado: “Guerra era um general com um instinto violento. Era como se esses militares fossem pessoas frias, que não têm alma e querem matar, torturar, fazer e acontecer (…)”, afirma.

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Ele prossegue: “Quando você fica mais velho e experiente, mais vivido e com uma consciência mais ampliada, você começa a perceber onde as coisas se fragilizaram e entramos numa retórica que não reflete a verdade. Assim, começamos a reformular opiniões. Eu sou cristão, patriota, creio em Deus e acredito no Brasil como o coração do mundo e a Pátria do Evangelho, como foi previsto pelo Chico Xavier (1910-2002)”.

Evidentemente, na novela, se fossemos conversar tête-à-tête sobre aquela estrutura eu iria discordar de muita coisa, mas ali eu era um personagem” – Reynaldo Gonzaga

Ainda sob esta ótica, o artista fala sobre haver narrado o longa documental “Como nem tudo se desfaz”, lançado no final de 2021, e que trata justamente sobre os reflexos dos movimentos revoltosos que resultaram no impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e na eleição de Jair Bolsonaro em 2018. O longa destaca, também, o poder da Internet na eleição do atual presidente, além desta como um veículo de comunicação independente quando comparada à mídia tradicional. “Nos grandes veículos as informações são censuradas internamente. Hoje em dia há uma mídia alternativa. Inclusive, a expressão “mídia alternativa” eu questiono, porque os profissionais são formados em jornalismo como todos os outros. Há caminhos diferentes na informação. Qual deles é o verdadeiro? Qual o mais honesto?”.

O CENÁRIO MUSICAL

Reynaldo Gonzaga conviveu com grandes nomes artísticos em sua casa, como Paulo Gracindo (1911-1995). Não apenas este tipo de convivência colaborou para seu bojo criativo. Foi amigo de juventude de Ângela Leal, Bemvindo Sequeira e Gonzaguinha (1945-1991). O fato de ter tido forte ligação com músicos e ser um, inclusive, faz com que ele tenha uma ótico especial para o formato. Segundo ele, não há uma renovação robusta em qualidade no segmento musical: “A música reflete muito o contexto cultural do momento. Quem faz coisas boas hoje fica sem espaço. O malfeito é o que hoje está valendo. Houve um aparelhamento para emburrecer. Parece haver mecanismos e estruturas bem pensadas para que isso ocorra. Há intérpretes medíocres e repertórios horrorosos. O que eu não gosto é de música ruim. O que me interessa é a harmonia, o produto final. Se eu gosto do som, ‘vambora’. Hoje há uma mudança cultural, um aparelhamento para colocar o medíocre em voga”.

VIDA, OBRA, OPINIÃO

Um dos projetos de sucesso na cinematografia de Reynaldo Gonzaga foi o longa “O caso Cláudia”, filme de 1979 que retrata um true-crime, dramaturgia baseada em crimes verdadeiros, tão em voga nos dias atuais. O longa de Miguel Borges (1937-2013) retratava a morte de Cláudia Lessin Rodrigues (1956-1977), num caso policial de grande repercussão em 1977. Na fita lançada em 1979, Gonzaga fez uma participação interpretando um caminhoneiro. A única cena na qual o ator participa é a de sexo gravada no baú de um caminhão frigorífico, com a protagonista, a atriz Kátia D’Ângelo. “Foi uma cena difícil, num calor infernal, em que gravamos junto a peças de carne e dentro do baú do veículo”. Segundo ele, o filme repercutiu por tratar-se de “um caso muito violento e que ocupou as páginas policiais”. Aparentemente, “Caso Cláudia” é um dos precursores brasileiros do segmento true-crime. No tempo presente, as séries documentais sobre o Caso Daniella Perez (1970-1992) e os dois documentários – no Amazon Prime e na Globoplay – que trazem a pastora Flordelis como protagonista em razão do crime que cometera, repercutem fortemente na mídia diante do sucesso do gênero.

Reynaldo Gonzaga e Kátia D’Ângelo em “O Caso Cláudia” (Foto: Reprodução)

Ainda que tivesse um dos pioneiros do rádio e da televisão em casa, o ator Castro Gonzaga, Reynaldo e seu pai trabalharam muito poucas vezes juntos na televisão. Uma delas foi em “Saramandaia”, 1976, quando Reynaldo viveu o filho de Zico Rosado, interpretado por Castro. Em “Dona Xepa”, de 1977, Reynaldo interpretava um dos personagens principais, Edson. Seu pai fez uma participação na trama de Gilberto Braga (1945-2021), reproduzindo o mesmo grau de parentesco da vida real.

Reynaldo e Castro Gonzaga em cena de “Dona Xepa” (Foto: Arquivo Pessoal)

Reynaldo esteve na Globo desde o início dos anos 1970, emissora onde permaneceu até 1983 contratado como funcionário da casa. Ele diz que saiu da TV em razão de ser muito opinativo: “Poderia ter ficado de boa calado, e feito o meu trabalho. Hoje, eu tenho essa consciência, mas só fui tê-la mais tarde. Quando a gente é jovem, vive a armadilha do ego de achar que podemos falar o que quisermos, do jeito que quisermos e que todos têm que aceitar isso de boa. Por essa razão, eu fui convidado a me retirar da emissora. Eu podia ter continuado lá, talvez trabalhando até hoje, conquistando o meu espaço e fazendo o meu trabalho como sempre. Eu era de muita opinião. Teve gente que diz que eu fiz certo [por ser opinativo]. Não, eu não fiz certo. Errei sim”.

Após haver sido desvinculado daquela casa, o ator fez “Selva de Pedra” (1986) e outros trabalhos pontuais: “Fera Radical” (1988), “Pedra Sobre Pedra” (1992), “Irmãos Coragem” (1995) e “Senhora do Destino” (2004). Se chamassem-no para fazer novelas de televisão, ainda que seja crítico a elas e às emissoras, ele diz: “Faço, mas sem deixar de ter a minha opinião”. Reynaldo diz que não apenas não acompanha TV, como não a tem em casa, e não vê nem mesmo o streaming. “Estou morando sozinho. No silêncio você tem mais tempo para se alimentar. Meu tempo eu uso para outras coisas”. A contrário do que se atribui a ele, o ator nunca fez “Império” (2014). Outra negativa do ator é a que de que seja dublador :“Eu nunca fui dublador. Só fiz uma ou duas dublagens, ainda antes de entrar para o teatro”.

Diante da ascensão do streaming, Reynaldo salienta que a atual geração não “acompanha mais novela. As pessoas dos 20, 30 anos não veem mais os folhetins, tanto que elas não têm a mesma audiência que tinham antigamente”.

As pessoas são apaixonadas pelas novelas antigas, porque elas têm um texto mais elaborado, uma dramaturgia mais sólida, consistente. A contrário de hoje quando as novelas parecem todas iguais. Antigamente, os galãs não precisavam estar bombadinhos, malhados. Os galãs da minha geração não tinham frescura, vinham do teatro. Tem gente aí que nunca pisou no teatro. Atualmente, acho que as atrizes estão melhores que os atores – Reynaldo Gonzaga

Reynaldo Gonzaga em “Chega Mais”, novela da Globo de 1980. Um dos galãs jovens da trama de Carlos Eduardo Novaes (Foto: Acervo/Globo)

Sobre influenciadores que viram atores, ele dispara: “Creio tratar-se de uma mudança cultural grande, um aparelhamento. Aquilo que tem realmente valor é esquecido, ao passo que o que não tem valor é bem recebido e com várias portas abertas. É uma questão cultural. Estamos vivendo o momento da inversão de valores (…)”. E prossegue, contextualizando com a época dos festivais de música jovem. “Eu vivi a época dos Festivais da Canção, dos cantores maravilhosos. Acho que a música boa é atemporal. (…) Temos que resgatar o que foi feito, resgatar os artistas que não estão em voga. Tem muita coisa boa para a qual não há mais espaço. O ator/locutor também é crítico às vozes comerciais presentes no mercado atualmente “Não ouvimos mais vozes que passem credibilidade. Hoje se ouve qualquer coisa sonora”.

Reynaldo comenta sobre a fala que dera numa antiga entrevista ao Gshow, em 2018, na qual disse que a nova geração não o conhece. “Evidentemente, quando se fala isso num determinado momento da vida é sinal de que o seu ego é quem está falando. Eu penso assim. (…) Que movimento eu fiz para estar de outra forma? Às vezes, você pode pegar um ator que é talentosíssimo, mas se ele não sabe fazer o nome, se ele politicamente não se insere naquele contexto ele vai sair perdendo – não que digo que foi isso especificamente, mas faço um mea-culpa sobre coisas que disse, num momento errado. Não é o meu perfil ser arrogante ou o dono da verdade, mas a gente tem que fazer uma autoanálise”, pondera

O que sempre me deu aval benéfico foi o público. É ele quem dirige isso, que sabe quem tem qualidade quem não tem, quem tem valor, mas a mídia e os diretores, sem entrar em detalhes, têm outros contextos envolvidos e estes são vários – Reynaldo Gonzaga

O ator também cita sua parceria com o falecido diretor Walter Avancini (1935-2001) e diz que foi uma das passagens de melhor aprendizado na carreira. Embora o falecido artista seja de temperamento austero, Gonzaga não tem más recordações com ele, pelo contrário. É com Avancini um dos trabalhos que mais trazem boas recordações ao ator, como na novela “Xica da Silva” (TV Manchete, 1996).

Reynaldo Gonzaga em Xica da Silva, como o contratador Felisberto Caldeira Brant (Foto: reprodução/TV Manchete)

Diante de uma carreira solidamente construída, perguntamos a Reynaldo Gonzaga que ensinamentos o tempo lhe deu: “Humildade, disciplina, observação e entrega. Humildade para saber que os papeis mais difíceis são aqueles de meio-termo, aqueles que ficam num não-lugar, os médicos, advogados, sem história, que retém energia”.