A minissérie “Justiça” terminou semana passada e deixou um gosto de “quero mais” após conquistar os telespectadores de todo o Brasil ao unir quatro histórias de personagens polêmicos e um elenco de peso com nomes como Adriana Esteves, Debora Bloch, Drica Moraes, Cauã Reymond e outros. O site HT encontrou com Walter Carvalho, que dirigiu a fotografia da trama, em Miami, onde o cineasta e diretor comentou sobre uma outra produção, o longa “Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície”, durante a 20ª edição do Brazilian Film Festival of Miami e ele nos contou como foi o trabalho cuidadoso na minissérie que prendeu o público nas últimas cinco semanas. “Começamos com a equipe preparando a ideia do que seria a imagem da série. Depois que estava azeitado e já tínhamos a escrita da imagem, aí abrem-se as frentes e viro diretor, mas sem perder de vista o que está sendo feito com a imagem e isso tudo só é possível por causa da enorme parceria entre eu e o José Luíz Villamarim, que é diretor artístico”, endossou.
Aliás, as parcerias foram essenciais para o sucesso da trama. “O texto é curiosíssimo porque esse esquema narrativo não é desconhecido, ele acontece na narrativa do cinema, que é contar histórias que se entrelaçam. Em ‘Justiça’ foi muito particular, porque, além disso, alguns personagens passam a fazer parte da história do outro. Isso tem complicação do ponto de vista estrutural e deu muito trabalho. Como contar uma história que só tem continuação na semana seguinte? Essas quatro histórias, ao longo de cinco semanas, se cruzaram e os personagens passam a habitar a vida do outro. Isso requer planejamento, pensamento narrativo, não só preocupação visual mas literária”. Para Walter, aliás, Manuela Dias o fez brilhantemente: “É uma jovem muito talentosa”.
Pois bem… falando no tema central da série: qual será a opinião de Walter – um homem que já foi preso e torturado na ditadura militar – sobre a justiça brasileira? “Não existe. O país, infelizmente, é injustiçado. Quem não tem recursos ou acesso a informação não tem justiça”, lamentou ele, que foi além: “Um país onde o cara que comanda um impeachment não tem legalidade, idoneidade perante a justiça para comandar aquilo. No entanto é feito o impeachment e logo depois ele é condenado. É trágico. Sou pai de dois filhos, de 38 e 26. Quando eles eram pequenos e me faziam perguntas sobre a realidade brasileira eu não sabia responder, porque como explicar isso? Para uma criança? Como explicar a diferença entre a justiça americana, suíça, inglesa, alemã… e a brasileira? É uma pena, porque é um país lindo, poético, musical…. mas esse Congresso Nacional, o poder judiciário, o executivo, o legislativo. Tem que desmanchar tudo e começar do zero. O que aparece hoje são xerifes querendo resolver as coisas de forma arbitrária e imediatista”, declarou. “Apesar de ter esperança no Brasil e lutar por ela, eu fico muito triste. Temos que acordar mais cedo e dormir mais tarde em busca da esperança”, disse.
Não à toa, Walter nunca desiste de discussões. Tanto é que ele promoveu um debate em plena New York Film Academy para jovens. “Acho interessante que o festival tenha me convidado para falar sobre meu trabalho em uma academia de cinema. É legal formular o pensamento através das conversas da plateia”, analisou.
E, como um profissional que está há 45 anos no meio, Walter tem opiniões fortes sobre o cinema brasileiro: “Acho que está à nível da arquitetura, literatura, música, pintura do país. A grandeza do nosso cinema é proporcional ao que o Brasil tem de melhor e, inclusive, talvez seja, hoje, o maior cartão de visitas do país. Ele faz sucesso no mundo todo, de público e crítica”, disse ele, que vive de cinema desde 1972. “O primeiro filme que eu fiz, como assistente, foi em 72 e desde então vivo disso, tenho dois filhos, um já casado, sou avô. Tenho apartamento, casa na serra… não é nada, mas tudo é fruto de trabalho e dedicação de uma pessoa que acorda cedo e dorme tarde”, endossou ele, que, apesar disso, tem críticas fortes à cultura cinematográfica brasileira. “Eu era garoto quando entrei nisso e desde então só se fala de política de incentivo e distribuição e é sempre aquém do que o cinema merece, entra governo, sai governo, e continua igual. Não entendo. Eu sobrevivo do cinema brasileiro como assalariado, mas no nível dos grandes projetos não sei como funciona. Não sei como eu e meus colegas conseguimos viver. O cinema é uma atividade cara. As novas tecnologias podem ter barateado, mas continua cara”, explicou.
E ele tem exemplos claros: “A Tizuka (Yamasaki), por exemplo, é uma pessoa que teria que fazer um filme há cada dois anos, porque tem talento, provou isso, sabe filmar e se comunicar com seu público, mas ela leva quatro, cinco, seis anos para rodar um filme. E se verificar outros cineastas é uma população de gente que sabe fazer e não consegue viabilizar. O que se faz no Brasil com relação a distribuição é um crime”, protestou.
Apesar disso, Walter jogou “a vida nisso”. “E continuo jogando e acreditando. Hoje faço televisão por questões de parceria, encontrei o Villamarim, fui fazer uma microssérie, ‘O canto da sereia’, que duraria sete semanas e estou há quase três anos e meio”, contou ele, que acumula sucessos como “Amores roubados”, “Rebu” e está prestes a lançar “Nada será como antes”. “E nesse meio tempo ainda fiz filme dele. O José é um grande parceiro, poeta, narrador, apaixonado pela narrativa. Agora estreamos dia 27 o ‘Nada será como antes’, que tem como pano de fundo a história da televisão brasileira”, adiantou.
Pensa que acabou? Pois Walter já tem diversos outros planos. “Tem três filmes para estrear: o ‘Redemoinho’, do José Luiz Villamarim, outro dirigido pelo Selton Mello que estreia em abril do ano que vem e ‘O beijo‘, baseado no Nelson Rodrigues, e o primeiro filme como diretor do Murilo Benício. Curiosamente os três são baseados em romances, de três autores brasileiros, com fotografia minha”, disse.
E engana-se quem pensa que ele assina somente direções fotográficas. “Estou batalhando o lançamento de ‘Um filme de cinema’, uma reflexão minha sobre a sétima arte. Será lançado no ano que vem”, adiantou ele, que lamenta: “Fiz um filme, o Raul – o início, o fim e o meio, que estava na curva ascendente de público e foi retirado de cartaz, porque tinham dois filmes estrangeiros para estrear. Isso é desleal. Eu fico até tímido de falar, porque desde que comecei no cinema isso se repete. Desisti disso, prefiro criar condições culturais e artísticas com o cinema do que me preocupar se vou ou não exibir meu filme. Isso são outros quinhentos. Jogo no universo, porque quero ser feliz. Eu não filmo para sofrer, é opção de vida. Filmo para ser feliz”.
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