Reprise de “Força De Um Desejo” tem mais audiência que TV aberta. Autor nega voltar às novelas: “Nunca Mais!”


Novela de 1999/2000 exibida desde outubro, no Canal Viva, surpreende a emissora e pontua melhor que a exibição de “Caminho das Índias”. A audiência da novela de Gilberto Braga (1945-2021) e Alcides Nogueira é tão surpreendente que ultrapassa, no mesmo horário, programas da TV aberta. Alcides Nogueira falou com exclusividade ao Site Heloisa Tolipan e celebrou a trajetória bem sucedida da novela, além de relembrar sua parceria com Gilberto Braga e Sérgio Marques. Ele também descarta a possibilidade de voltar aos folhetins de TV: “Não quero! É uma estiva, terrível. É sempre muito, muito trabalho. Tenho outros interesses agora. Escrever obras mais curtas, como “O Astro” (64 capítulos), por exemplo. Quero ter uma qualidade de vida. Eu não quero mais ficar isolado, isso é terrível! Um ano e tanto que você para de viver e eu não quero mais isso”

*por Vítor Antunes

Força de um… Sucesso! A trama de Gilberto Braga (1945-2021) e Alcides Nogueira, “Força de um desejo” exibida pelo Canal Viva, da TV por assinatura, têm atingido índices satisfatórios de audiência, registrando 0,45 pontos. Outra trama, o carro chefe do canal, a novela “Caminho das Índias”, tem atingido 0,37. Tomando por base o dia 12/12, a Rede TV! marcou, no horário da exibição da trama global o índice de 0,1 pontos, quatro vezes menos que aquele da novela protagonizada por Malu Mader e Fábio Assunção. A média-dia da emissora aberta naquela ocasião foi de 0,3 pontos, menor que a média de “Força de Um Desejo”. De audiência mediana em sua exibição original – ou medíocre, para Gilberto Braga – em todas as reexibições, o folhetim noventista alcançou marcas positivas. Na de 2006 obteve índice superior à meta esperada pelo horário e na atual reexibição revela-se uma grata surpresa. Alcides Nogueira, coautor da trama, revela tratar-se de um trabalho do qual gostara de realizar, bem como exalta sua parceria com Gilberto Braga e Sérgio Marques. Tendo exibido sua última novela em 2017, “Tempo de Amar”, Nogueira descarta a possibilidade de voltar ao formato: “Nunca mais!”

Ester Delamare e Inácio Cabral são os protagonistas de “Força de Um Desejo”. Trama do Viva atinge índices maiores que canais de Tv aberta (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

TEMPO DE RESPIRAR

Depois de anos trabalhando como autor de telenovelas na Globo, sendo a sua primeira, como colaborador de Walter Negrão, em “Livre para voar” (1984), e logo depois, escrevendo a controversa “De Quina Pra Lua” (1985), Nogueira seguiu emendando trabalhos na televisão, quer como colaborador, coautor ou titular, “Tide” teve exibido seu último trabalho em 2017, “Tempo de Amar”, protagonizada por Bruno Cabrerizo e Vitória Strada. Desde maio deste ano, 2022, Alcides não é mais contratado da casa. Talvez seja este o seu primeiro momento em não estar sob o guarda-chuva de um contrato, mas também um dos primeiros nos quais não está escrevendo. Optou por um ano de descanso. “Recebi um convite bem tentador, mas eu me dei de presente um ano sabático. Foram muitos os anos de Rede Globo, de trabalho árduo, de estiva. Fiz uma pequena retrospectiva de minha carreira e dei-me conta de que produzi muito. Destinei este tempo para descansar mesmo, para dar uma relaxada, recuperar uma série de coisas que tinha deixado de lado como minha relação com minha família e amigos, leitura de livros, filmes, música e viagens. Até 31 de maio de 2023 eu não tenho planejamento de nada”.

A única coisa que eu tenho certeza é que novela, nunca mais! Não quero! É uma estiva, terrível. É sempre muito, muito trabalho. Qualquer pessoa que escreve se envolve tanto com a produção que a gente tira forças sabe lá de onde para realiza-la. Tenho outros interesses agora. Escrever obras mais curtas, como “O Astro” (64 capítulos), por exemplo. Quero ter uma qualidade de vida. Eu não quero mais ficar isolado, isso é terrível! Um ano e tanto que você para de viver e eu não quero mais isso. Acredito que é chegado o tempo em que posso escolher o que quero fazer – Alcides Nogueira

O autor não nega voltar à escrita, mas à extenuante produção de telenovelas. Quer voltar ao teatro para o qual não escreve há 10 anos – e local onde tudo começou. Para os tablados, “Tide” escreveu “A Farsa da Noiva Bombardeada”, nos anos 1970, e no início da década seguinte seu primeiro sucesso inconteste: “Lua de Cetim”, que lhe rendeu ao menos 16 prêmios. Segundo o autor, o teatro “é o meus espaço no mundo”. Para além desta plataforma, quer dedicar-se a uma outra, a qual fora ainda mais bissexto, o cinema, por mais que seja cinéfilo. “Só participei da elaboração de um roteiro cinematográfico e nunca mais. Tenho vontade de fazer, ainda que o cinema seja uma obra do diretor, fundamentalmente. Teria que ser com algum diretor com quem eu tenha afinidade”.

Selton Mello e Sônia Braga viram em “Força de Um Desejo” uma da suas raras aparições em TV. Selton voltaria em 2020, Sônia em 2006 (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

 

“A JUNTENTUDE”, “OS INOCENTES”, E A FORÇA DO DESEJO DE UMA NOVELA QUE QUERIA IR AO AR

Em sua primeira exibição, “Força de Um Desejo” fez 30 pontos de média, segundo o Ibope. “Pecado Capital”, sua antecessora imediata assinalou 27/28. Abaixo da meta da ocasião, que era 35/45. Segundo um dos autores da trama, Gilberto Braga, a audiência era “medíocre” – o que, convenhamos, não era tão longe do esperado. A contrário, elevou em quase três pontos uma audiência que estava em baixa. Segundo o outro autor, Alcides, a meta “era muito elevada e a Globo investiu muito na trama, que era cara do ponto de vista de produção. Porém, se comparada com a audiência de hoje, seria algo absurdo. Ainda que não tenha sido a contento na época, foi um número estável. Em nenhum momento a Globo reclamou ou pediu ajustes na trama em decorrência do Ibope”, relembra.

Por mais que a novela tenha tido uma audiência abaixo do objetivo, repercutiu bem à época. Sete anos depois a trama foi reexibida no “Vale a Pena Ver de Novo” e verteu-se num grande sucesso no horário vespertino, tal como agora. O que surpreendeu o guionista. “Nem eu esperava essa repercussão grande. Sabia tratar-se de uma novela esperada, pedida, mas trata-se de algo que me surpreende. Como eu não tenho rede social, acabei sabendo por amigos do sucesso da trama”. Segundo conta-nos o autor, a emissora estava temerosa sobre como repercutiria o fato de a novela ter um núcleo de escravizados “ainda que esta seja uma novela antirracista e que tenhamos tido o cuidado ao abordar esse assunto. A família Sobral – dos protagonistas – é totalmente antirracista e abolicionista, bem como vários outros personagens, além de ter um grande protagonismo negro na trama, através de atrizes como Ana Carbatti, Isabel Fillardis, Alexandre Moreno e Sérgio Menezes. 23 anos depois, eu assisto a novela com um prazer imenso e noto que ela não envelheceu. É muito lindo vê-la com os olhos de hoje”, constata.

Louise Cardoso, Sérgio Menezes e Malu Mader. Destaques de “Força de Um Desejo” (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

A grande sofisticação da trama, bem como a abordagem de temas delicados como a prostituição, faz com que o autor considere haver uma inadequação do horário da exibição original dela, às 18h: “Tenho a impressão que ela poderia facilmente ser exibida às 21h, e Sérgio Marques também acreditava nisso. Gilberto Braga, a contrário, tinha suas dúvidas. Segundo ele, o público que consome o horário das 21h espera ver novelas urbanas, contemporâneas”. Sérgio Marques, citado por Alcides, era inicialmente um colaborador e, com o avançar da trama, foi alçado a coautor.

Nesta entrevista, Nogueira relata-nos a saga de “Força de Um Desejo”, que teve diversos nomes, e por muito pouco não foi exibida em 1988. A novela, aliás, de alguma forma tem a ver com “Fera Radical”, sucesso daquele ano. “Eu havia sido chamado a apresentar uma sinopse, que foi aprovada, e seria dirigida pelo Gonzaga Blota (1929-2017). Ele chegou iniciar a montagem de elenco, contratações e locações, mas o Daniel Filho, achando-a parecida com “Direito de Amar”, exibida no ano anterior, desmobilizou a equipe e convocou o Walter Negrão para escrever uma sinopse a toque de caixa. Negrão teve que aproveitar boa parte do elenco e das locações da então novela, que já havia sido mobilizado. Alguns atores já haviam sido contratados, inclusive”.

Malu Mader foi a cortesã Ester Delamare em “Força de Um Desejo” (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

Àquela época, o que viria a ser “Força de Um Desejo”, era atendida por “Amor Perfeito”, e já trazia elementos de um livro do Romantismo brasileiro, que é “A Mocidade de Trajano”, escrita pelo Visconde de Taunay (1843-1899). “Eu fiquei muito impressionado com o plot principal da história, que era o de pai e filho apaixonados pela mesma mulher”. Anos mais tarde me foi solicitada uma outra sinopse e nesta havia elementos de “Amor Perfeito”, bem como de outros livros de Taunay, como “Inocência” e “A Retirada de Laguna”. Entreguei a Paulo Ubiratan (1947-1998) a sinopse da novela, que nessa época chamava-se “A Juventude”. Nesse meio tempo, Ubiratan faleceu e a novela tornou a ser engavetada.  Quando a assistente de Ubiratan, Oneida, foi para o núcleo de Marcos Paulo (1951-2012), este tomou conhecimento de “A Juventude”, e gostou”.

A saga da novela não seria encerrada aí. Na mesma época, a diretora-geral da Globo, Marluce Dias da Silva, queria que Gilberto Braga produzisse para as 18h o remake de “Dancin’ Days” (1978), o que foi negado por ele. Como era a vez de Braga escrever para o horário vespertino, Marluce propôs que Alcides e Gilberto escrevessem a nova trama do horário em parceria, o que foi aceito por ambos, por mais que “Tide” ainda estivesse escrevendo, junto a Sílvio de Abreu, “Torre de Babel” (1998). Com a escrita em parceria, novos elementos foram inseridos à trama, bem como outro título provisório: “Os Inocentes”, proposto por Gilberto. Por fim, o nome definitivo foi uma determinação de Daniel Filho – e inicialmente não agradava a nenhum dos autores.

O fato de ter dois escritores conhecidos pela sofisticação acabou tendo impacto na produção da trama. “Trata-se de uma novela com carpintaria muito sofisticada. Inicialmente era escrita em ‘tu’ e ‘vós’, mas depois optamos por fazê-la minimamente coloquial para que os atores pudessem falar com mais naturalidade. “Força” é um folhetim clássico e seguimos o bê-á-bá de Balzac (1799-1850) e Flaubert (1821-1880). Eu e Gilberto tínhamos um universo muito parecido, o “mesmo baú” e essa afinidade tornou o trabalho fácil, gostoso e fluiu muito bem. Há cenas que eu não sei quem escreveu se fui eu ou ele.

Com todo o vai-e-vem para a montagem do que viria a ser “Força de Um Desejo”, Nogueira confidencia-nos que uma parte – pequena, diga-se – do universo da trama foi aproveitada em “O Amor está no Ar”, de 1997. Nesta última, mãe e filha apaixonam-se pelo mesmo rapaz. Na trama escrita em parceria com Gilberto Braga, pai e filho apaixonam-se pela mesma moça.

Nathalia Lage, Rodrigo Santoro e Betty Lago. Triângulo amoroso de “O Amor Está no Ar” (Foto: Divulgação/TV Globo)

PÁGINAS

Famoso por suas vilãs iconoclásticas, a Gilberto Braga costuma ser atribuída a autoria de Idalina (Nathalia Timberg). Mulher hipócrita e falso-moralista que se esconde atrás da religião para cometer as maiores atrocidades. A malvada, porém, já constava numa das inúmeras sinopses que deram origem à trama de sucesso do Canal Viva. Perguntamos a Nogueira se personalidades como a de Idalina seriam facilmente identificáveis na sociedade moderna. Ele diz que sim. “Hoje em dia há milhões de Idalinas, especialmente na política. Tal como ela, evocam os supostos valores da família e da religião e são capazes dos maiores absurdos. E são pessoas que não tem nem o mesmo verniz que o da personagem, que disfarça suas maldades com a educação, a erudição… O que mostra que ambas não formam caráter”. Nogueira destaca também, entre as personagens, aquela vivida por Denise Del Vecchio, Bárbara, que foi humilhada por vários capítulos pelo marido, Higino. “Bárbara é muito fiel às suas raízes. Mesmo depois que ela revela-se uma assassina, é possível entender a sua motivação”

Gilberto Braga e eu gostamos de vilãs sofisticadas. Idalina faz este jogo através da hipocrisia, diferente de Odete Roitman, que não fazia concessões e falava o que bem pensava – Alcides Nogueira

Idalina foi a malvada em “Força de Um Desejo” (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

Depois de quase 40 anos escrevendo novelas, o que falta às tramas atuais? “Coragem de assumir a estrutura do folhetim. Creio que falta isso. Quando pegamos os bons momentos das novelas hoje, são justamente aqueles mais folhetinescos. Também não acredito muito nos núcleos segmentados – de humor, de amor, de ação. Creio que isso tudo pode acontecer de maneira diluída, misturada. Naturalmente, não há formula para as novelas, tanto que, se houvesse, ninguém escreveria fracassos. A gente nunca sabe como o público vai reagir, como vai aceitar. E isso não é um problema dos autores, mas determinações da casa”. Dentre aquelas que estão sendo exibidas, Nogueira destaca “Mar do Sertão”: “Tem amor, humor, folhetim, num texto bonito, bem feito”.

Alcides Nogueira é o coautor de “Força de Um Desejo” (Foto: Estevam Avellar/TV Globo)

Alcides Nogueira é um autor iridescente. Reúne todas as coloraturas que conquistou durante a vida e as imprime em suas obras. Faz com que uma novela, que cita grandes autores e cineastas tidos como eruditos, torne-se um grande sucesso popular. A cada uma das tantas mil páginas que compõem uma novela – cerca de quarenta cada capítulo – parece remeter a Fernando Pessoa. O lisboeta dizia que “Tudo que escrevo eu sinto com a imaginação”. Dono de tantos amores que estão no ar, as palavras residem todas em um só coração: O seu.