*por Vítor Antunes
Em “Travessia”, Renata Tobelem vive Dina, governanta da casa de Guerra (Humberto Martins). Por estar no mesmo núcleo que Jade Picon, a atriz vivenciou a energia e a dureza das críticas destinadas à artista iniciante. Professora de Teatro do Tablado, Rio, Tobelem destaca a dedicação e o interesse de Picon a fim de realizar um bom trabalho na trama e desfaz a crença elaborada na Internet de que a ex-BBB tem privilégios na casa. Renata também lastima o fato de, em qualquer entrevista, ter de falar sobre Jade ou sobre Cássia Kis, atrizes que foram alvo de críticas ferozes na web. “Parece que estamos de castigo e sendo punidos pelas atitudes pessoais da Cássia que não dizem respeito à trama”. Sobre seu personagem, Tobelem celebra o fato de cada vez mais estar ganhando destaque, além de ter reconhecida a sua generosidade.
Um dos temas tratados na novela, a nomofobia – medo de estar desconectado – também foi comentado pela atriz. De acordo com Tobelem, esse mundo altamente conectado traz ônus e bônus. E, em sua perspectiva, as pessoas acabam tornando-se reféns da tecnologia. Destaca, porém, que a praticidade do mundo online não deve ser descartada. Segundo pesquisas publicadas pelo Instituto Digital Turbine, a nomofobia já atinge grande parte da população brasileira: 39% das pessoas contactadas não consegue ficar longe do celular por uma hora e 20% não aguenta meia hora longe do aparelho. E quatro a cada dez pessoas não consegue ficar longe da rede.
Outro assunto debatido por Renata, que participou de diversos programas humorísticos, é a mudança do perfil da mulher no humor: Elas deixaram de ocupar os espaços hiperssexualizados ou subalternos da comédia, para brilhar como protagonistas: “Graças a Deus houve essa mudança do entendimento da mulher enquanto um objeto sexual burro ou com dramaturgia frágil”, diz.
TRAVESSIA E SEU SONHO FEITO DE “BRISA”
Decididamente, Travessia não possui uma boa média de audiência. A novela de Glória Perez, ainda que esteja num momento de discreta ascendência, pontua abaixo de sua antecessora, “Pantanal”, que atingia 30 pontos de maneira recorrente. Além dos índices, a novela tem tido pouca ou má repercussão na Internet, o que, via de regra, acaba gerando discussões entre a autora da trama e os twitteiros. E talvez seja nesta rede social o mais intenso hate à trama – desde a história proposta, à escalação de Jade Picon, passando por protestos ao espectro político de Cássia Kis. Sobre esta onda de hate”, Renata comenta: “Reduziram o elenco da novela à Cassia Kis e à Jade Picon, de modo que parece que estamos de castigo, sendo punidos por atitudes pessoais tomadas pela Cássia que não dizem respeito à trama. Quanto à escalação da Jade, posso dizer que ela é uma das pessoas mais batalhadoras que eu conheço, e é uma das mais dedicadas. Obviamente, precisa continuar dedicando-se caso queira permanecer na profissão, mas ela é profundamente disciplinada, determinada, estudiosa. E, sobretudo, forte. Ela só tem 20 anos e é sacanagem fazerem com ela o que fazem. Ela é apenas uma menina. E foi chamada à trama, ora!”, constata.
O elenco, que é bárbaro, está sendo eclipsado, penalizado por conta disso – Renata Tobelem
E Tobelem prossegue: “Jade vai ter que tentar, fazer, aprender, direcionar-se. E, às vezes, a carreira é que nos escolhe. O próprio Chay Suede é um exemplo. Giovanna Antonelli, outro”, exemplifica. Com efeito, ambos os artistas citados desempenhavam outras profissões antes de dedicarem-se à atuação. Chay, tal como Picon, veio de um reality show. Ele, do “Ídolos”, da RecordTV. Ela, do “Big Brother“. Giovanna, antes de fazer sua primeira novela, “Tropicaliente”, era assistente de palco do “Clube da Criança“, programa de Angélica na extinta TV Manchete. Sobre os colegas que compõem “Travessia”, Renata destaca justamente o intérprete de Ari: “Chay está dando um show. Fazendo o personagem com unhas e dentes, com todo o afinco”.
A atriz observa a acidez das redes sociais e diz perceber “muita gente falando mal e que parece estar torcendo contra a novela. Certa vez entrei no Twitter e me flagrei com pessoas obcecadas com os índices do Ibope. É algo surreal. Parece que estão torcendo pela baixa audiência”. Tobelem compara a crueza da Internet às críticas ferinas de Barbara Heliodora (1923- 2015): “Se ela não gostasse de uma peça, com uma crítica acabava com a temporada inteira, em face da dureza de suas palavras. Houve quem ficasse até deprimido com suas falas. Parece que nós, de “Travessia”, viramos bode expiatório. Temos um elenco maravilhoso, que não é citado, bem como a direção. Se viraliza uma crítica ruim, como dizendo que a trama não é boa, já era. Inclusive, os meus amigos não têm coragem de me elogiar publicamente. Fazem-no de maneira reservada por que se sentem constrangidos de fazê-lo em público. A novela faz muito sucesso fora das redes e as pessoas vêm falar comigo de forma muito carinhosa, diferente da agressividade das redes sociais. Há liberdade para se gostar ou não da novela, mas na web o clima é beligerante”.
Segundo a intérprete de Dina, Renata Tobelem, o público das redes sociais “promove uma “sabotagem virtual à novela, o que dialoga com o cancelamento. E parece que a novela é a bola da vez. De fato ela não é unânime, há quem tenha as suas críticas, o que é compreensível, já que ela teve um curto tempo de implantação e de estreia. A premissa do ‘vamos todos malhar tal coisa, que é a bola da vez’, se faz presente. E é interessante por que os que não malham são questionados, fazem os que querem elogiar sentirem-se intimidados, por conta dessa onda de cancelamento”.
A internet virou um pouco terra de ninguém. Todo mundo se sente artista, influenciador é jornalista, é opinativo, e daí começamos a ver pessoas sem responsabilidade que destroem uma vida ou um trabalho de alguém, diante da forma pela qual fala – Renata Tobelem
Em razão dos duros comentários que a trama vem recebendo junto à crítica especializada e ao público telespectador, especialmente oriunda das redes sociais, perguntamos à atriz o que ela destacaria de positivo na obra, qual o “grande barato” da novela de Glória Perez. “A meu ver, o que a autora traz de melhor, e com sabedoria, é o debate de temas atuais. De se comunicar, sem didatismos, de forma natural. Como no retrato da personagem cadeirante, Juliana (Tábata Contri), que enfrenta problemas de acessibilidade. Outro tema muito presente é o da alienação parental. É muito interessante quando a gente assiste e entende a ocorrência disto de maneira mais nítida. Antigamente essa prática acontecia de forma mais deliberada e passava em brancas nuvens”. O tema destacado por Renata decorre especialmente no que tange à guarda do personagem Tonho (Vicente Alvite). Brisa (Lucy Alves) e Ari (Chay Suede) desmoralizam-se mutuamente no afã de conseguir a guarda do menino. E isto acaba por configurar a prática da alienação parental. Outro elemento presente na trama das 21h, do qual a atriz acredita que o público não tenha aderido muito fortemente, é o fato de não haver maniqueísmo. “Ninguém é 100% bom ou mau”.
Quanto à sua personagem, Dina, ela é mito querida pelo público. Segundo a atriz, “Até hoje eu ouvi poucos comentários ruins sobre ela. Via de regra as pessoas são muito carinhosas. E é algo dificílimo fazer um personagem como ela, que é uma mulher justa. Estamos vivendo um momento em que as pessoas não são legais. É mais fácil alguém pegar o seu troco, ludibriar ou provocar uma intriga. Dina é justa, honesta, leal. Então é muito prazeroso vivê-la, pois ela mostra o lado bom do ser humano”. Bem humorada, a atriz relata que em razão de estar trabalhando em uma obra aberta, tudo pode acontecer na trajetória do personagem. “Novela é uma obra viva. É algo como estar num Mestrado, num Doutorado, por que os atores estão o tempo todo em construção. É possível fazer a mesma coisa o tempo todo ou ir se descobrindo, se testando, para trazer novas camadas ao personagem, especialmente em um como este, que já chega até mim mais arredondado. É um exercício brilhante de quebra da vaidade, de renunciar o que está sendo construído, receber um novo bloco de capítulos e em alguns casos ter que abrir mão daquilo que inicialmente foi elaborado pelo ator. É preciso estar o tempo todo ativo, criativo e disponível para aquela obra”, analisa.
CONECTADOS/DESCONECTADOS
Professora do Tablado, uma das últimas montagens feitas por Renata junto os seus alunos chamou-se “Desconectados”. Ou seja, tinha como tema tudo o que estava às expensas da conectividade, do online. Fato que coincide com o tema principal de “Travessia”. A novela das 21h fala sobre invasão hacker, deep fake, a dependência digital (nomofobia) e a falta de diálogo interposta pela Internet. Sob a perspectiva da atriz, a presença de um mundo ainda mais conectado revela-se “com um ônus e um bônus. A parte ruim, é justamente aquela que está sendo abordada na novela, e que estará ainda mais presente na trama, que é a dependência digital gravíssima. Enquanto professora de uma turma cuja idade varia entre 14 e 20 anos, percebemos que essas pessoas estão completamente reféns da tecnologia. Há muitas que não sabem como se relacionar, como ter vida social. O que é bem sério. E nas redes sociais há quem ofenda gratuitamente. É como se entrassem na sua casa, ofendessem e fossem embora. Em contrapartida, temos, de fato, maior praticidade, rapidez para tudo, para uma pesquisa, para a comunicação. Considero, contudo, que as pessoas são muito reféns da facilidade tecnológica.”
Ela prossegue: “A atual geração, quando fica desconectada por cinco minutos já fica ansiosa achando-se incomunicável. Não sabem lidar com a espera. Eu peguei a internet discada ainda. Há uma pessoa próxima que restringiu o uso da internet da filha a duas horas diárias em razão da menina haver se tornado muito tímida e com dificuldades em lidar com sua vida social”. O temor desta amiga de Renata sob algum aspecto, poderia ser explicado através da nomofobia. Mal contemporâneo que compete às pessoas que sofrem de abstinência tecnológica. Há um segmento de estudiosos de saúde mental que pede, inclusive, que a nomofobia seja incluída como um dos distúrbios psicológicos, relacionando-o ao uso de tecnologia. O Instituto Digital Turbine mostra que uma parcela importante dos brasileiros é incapaz de ver a si sem o celular: 39% não consegue ficar sem ele por uma hora. 20% não aguenta meia hora sem o objeto. E 4 a 10 brasileiros não consegue ficar longe do telemóvel. Esta questão norteia um dos personagens de Travessia, Theo (Ricardo Silva), que passa por problemas relacionados à nomofobia.
Hoje em dia, exige-se muito que os atores estejam ligados nas redes sociais, que tenham perfis ativos e atualizados a todo tempo. Renata dosa muito o que expõe ou não em seu perfil, segundo diz. Tanto que passou por cirurgias que sequer tornou públicas, “a contrário daqueles que, ao visitarem o hospital, publicam a fitinha da internação”. Ela prossegue dizendo ter “maior preocupação com o que publica. Vejo haver pessoas que têm problemas com carência e necessidade de receber elogios. Fora aqueles que não entendem que a vida no Insta é diferente daquela que há na vida real. Houve um momento em que até mesmo eu questionei esse mundo digital e cheguei a pensar que eu era infeliz, por não viver algo instagramável: Não trabalhava tanto, não viajava tanto… De modo que começou a haver em mim essa cobrança de que eu queria viver uma vida que é inatingível”.
Quanto às minhas redes sociais entendo assim: Quem quiser seguir, segue. Quem não quiser, tudo bem. Não vou ser refém delas. Agora quem me segue e se comunica comigo eu respondo com prazer. Pois sei que esta pessoa procurou por mim naturalmente, espontaneamente, por gostar de mim ou do meu trabalho. Eu não ligo pra essa questão do engajamento nas redes – Renata Tobelem
NOVAS GERAÇÕES DE ATORES E OS DESAFIOS DA MULHER ATRIZ
Quando Renata estreou na novela “Amor à Vida”, em 2012/2013, ela estava acima do peso. Veículos de comunicação da época diziam que a moça estava tentando emagrecer e que a emissora proibiu-a. O que seria uma contradição, já que os corpos plus-size eram um dos temas discutidos na trama. Tobelem disse ser oportuno poder debater este tema, mesmo que dez anos depois de ocorrido, pois, segundo ela, essa proibição nunca existiu: “Eu sempre fui magra. Depois que minha filha nasceu eu fiquei acima do peso, e foi nessa época que fui chamada a fazer a novela e minha personagem era uma gordinha engraçada. Ou seja, fui chamada à trama justamente por ter aquele corpo. Algum tempo depois, quando fui convocada a fazer “Espelho da Vida” (2019) eu estava ainda mais acima do peso. Só agora comecei a emagrecer de fato e já perdi 10kg. Ou seja, fui escolhida por estar naquela forma física. Essa cobrança oriunda da emissora jamais existiu. Até por que a gente recebe uma ficha perguntando se topamos mudar o corpo para um papel tal”.
Modernamente há uma tendência à aceitação de corpos gordos, especialmente nas redes sociais. Uma ressignificação na leitura e uma melhor aceitação para medidas “para além do 36”. Renata, que está gradualmente voltando ao seu manequim original, diz que esse entendimento ainda está sendo elaborado por ela. “Estar acima do peso é difícil para mim. Embora admire, não tenho esse desapego, essa liberdade que as meninas da nova geração têm com relação aos seus corpos, já que sempre fui magra. Esse retorno às minhas medidas chega a mim num momento de reencontro comigo mesma”
A cobrança em cima da mulher é muito cruel. O coroa barrigudinho está gato para a sociedade, enquanto a mulher barrigudinha é interpretada como uma descuidada. E a mulher atriz vai perdendo perdendo espaço. É muito louco isso. É como se o homem pudesse envelhecer continuando a ter bons papéis a contrário das mulheres – Renata Tobelem
Renata Tobelem fez vários trabalhos no humor. Um deles foi o “Zorra” (2015-2020). Outro, o “SOS Emergência”. Atualmente não há nenhum programa cômico na grade da Globo. Segundo a atriz, “faltam bons programas de humor na TV aberta e tem muita gente que não tem acesso à TV a cabo e essas pessoas também precisam se divertir. O Brasil faz muitos bons programas humorísticos e eu me orgulho muito de haver participado de alguns deles. O “Zorra” e o “Tá no Ar” foram os últimos. Agora ficamos divididos entre o humor muito escrachado e o que vai ao ar nos canais fechados”.
Com o fim do “Zorra Total“, em 2015, entrou em desuso e passou a ser problematizada a posição da mulher nos programas de humor. Com recorrência, e especialmente neste programa, a mulher ou era objetificada, ou a piada. Quer por sua beleza, pela ausdência dela, ou por uma suposta falta de inteligência. Renata diz que “graças a outras mulheres humoristas, como a Claudia Rodrigues, a Heloisa Périssé, e a Mônica Martelli, conseguimos sair dos papéis da “secretária engraçada”. Essa galera abriu as portas para a gente. Brigaram para que pudéssemos ser atrizes, comediantes, respeitadas e que não fossem direcionadas a nós piadas machistas enquanto estamos de biquíni. Graças a Deus houve essa mudança do entendimento da mulher enquanto um objeto sexual burro ou de dramaturgia frágil”
Hoje todas podem ser gatas. É uma luta que estamos traçando para tudo. As artistas já eram julgadas, no passado, por serem quem eram. Agora estamos na luta para conseguir papéis dignos, do jeito que a gente quiser pegar ou no papel que a gente quiser fazer – Renata Tobelem
Por ser professora do Tablado, a atriz tem acesso às novas gerações de atores. Observa-os de uma forma particular. “São atores com uma outra pegada: Há aqueles que são extremamente cultos. Há os que são dedicados a estudar para terem retorno e voltam-se ao brilho, ao destaque, bem como há os que estão ali, no meio do caminho, sem saber o que farão da vida. Há atores que não conhecem os colegas de profissão, de outras gerações. Desconhecem artistas como Malu Mader e Cláudia Abreu. Estamos vivendo um momento pobre culturalmente falando”, dispara.
Fernando Pessoa (1888- 1935) dizia que “o artista como artista sente menos do que os outros homens, porque produz ao mesmo tempo que sente”. Já que o fazer artístico implica em estar num estado de poesia, o que faz Tobelem olhar o mundo de forma poética? “A maternidade. É muito difícil ser mãe, educar, tudo é dificultoso. Mas há poesia nisso. Há magia, rima, beleza. Eu vejo poesia no amor ao próximo e isso me emociona. O abraço que recebi do Chay Suede na preparação da novela, após eu haver aberto o coração por uma experiência vivida também é poesia”. Se é possível dizer algo sobre essa definição de poesia, cabe aqui apenas a menor palavra da língua portuguesa e a mais repleta de significado: É.
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