*Por Brunna Condini
Quem olha para Renata Gaspar não vê nada do visual de Stephany, personagem de ‘Um Lugar ao Sol‘, novela das 21h, no ar, na TV Globo. Depois de fazer sua estreia na trama de Lícia Manzo como uma manicure do subúrbio carioca, que vive a dualidade de ser uma pessoa de bem com a vida e, ao mesmo tempo, ser oprimida pela violência praticada pelo marido Roney (Danilo Granghéia), a atriz mudou completamente o visual. Deixou a peruca castanha da personagem para trás, cortou o cabelo bem curto e platinou. O que Renata faz questão de não deixar para trás é o tema que Stephany coloca na roda: a violência contra a mulher.
“Na época que fui gravar a novela estava em alta a história do DJ Ivis espancando a mulher. Foi e é assustador ver cenas como aquela e como é importante serem expostas! É horrível ver aquilo e as cenas da Stephany que ainda virão, mas é a realidade que vivemos e ela precisa vir à tona. Me senti com um papel realmente importante para ajudar qualquer mulher. Parece que é algo tão antigo e cultural que é bizarro ainda ser considerado ‘normal’ no Brasil que vivemos”, lamenta.
E fala da própria experiência: “Tive duas relações bem abusivas e muito parecidas e com muita violência vinda de ambas as partes. Cara, lembro que quando terminei pensava que não queria mais aquilo, não merecia aquilo. Estudo autoconhecimento há 16 anos e mergulhei nisso com tudo. Fui me descobrir, conhecer as armadilhas da minha mente e o mais importante: me amar, me ver importante no mundo. Inclusive foi a fase em que mais decolei profissionalmente. Tinham coisas que eu pensava sobre mim que eram mentiras e fui trocando por verdades conscientemente. A gente se vê muito errado, tem muita culpa na mente. Mas o que somos é tão leve, tão puro. Qualquer um que entre mais em contato com isso fica mais longe da violência. A violência parte da mente”.
Em defesa da personagem e de tantas outras mulheres que passam pelo mesmo e não conseguem enxergar o quão nocivo é ou tomar uma atitude, a atriz analisa: “A Stephany não está vendo de fora nada disso, e quem está dentro de um relacionamento abusivo não vê o óbvio. Não tem nada de óbvio lá. Tem um ciclo de violência que é difícil de sair e ela não tem forças o suficiente para isso. E minha função é entrar na cabeça dela sem julgamentos e encontrar todas as motivações e contradições daquela mente. Simples não é porque tem um dado muito parecido: somos mulheres e temos um histórico com violência e abusos. Não tem como não se identificar”.
Renata conta ainda que tem recebido relatos comoventes nas redes sociais: “Sempre antes de entrar em cena eu pensava nelas, em todas as mulheres que estavam vivendo aquilo naquele segundo, e isso era o que mais me motivava. Ler esses depoimentos me emociona demais. Sensação de dever absolutamente cumprido, ainda mais quando me escrevem que viveram uma cena igual aquela em que o Roney se fragiliza para minha personagem continuar com ele. A pessoa disse que para ela foi muito didático e não era óbvio identificar que era o cara fazendo um jogo, seja consciente ou não, para ela continuar com ele. Daí tenho só gratidão pela Lícia Manzo de ter podido ajudar”.
O que é para ser tem força
A paulista de 35 anos trabalha desde os 17 sem parar. Começou no teatro e antes da novela das 21h, foi vista em trabalhos na linha do humor, como ‘Tá no Ar: a TV na TV’, o ‘Fora de Hora‘, e as séries ‘Descolados‘ e ‘Chapa Quente‘. E pensar que o papel que está projetando a atriz para o grande público tinha sido destinado à Maria Flor. “Acredito que o que é pra ser é pra ser. Quando não pego um papel em algum teste e vejo quem pegou, sempre penso: ah sim, era dela! Não tem como brigar com isso, é quântico. E esse papel acho que também foi assim, Maria Flor tinha que viver a maternidade agora e eu entrar às pressas (risos). Estrear em uma novela boa, bem escrita, bem dirigida e com atores que você é extremamente fã, é um presente!”.
Para ela vai tudo bem na arte e na vida pessoal. Casada com Bebel Luz, dona da empresa Teu Chocolates, Renata fala da relação: “Já éramos amigas, mas ficamos próximas mesmo em uma época em que a Bebel estava passando por um momento difícil. E daí rolou. Estamos juntas há quatro anos”.
Em quais das siglas LGBTQIA+ você se reconhece e por que acha que a sexualidade e o amor alheio ainda incomodam tanto algumas pessoas? “Sou bissexual. Acho que o mundo ainda é muito reprimido. Até eu, que me estudo bastante e tento me compreender cada vez mais, encontro um bocado de repressão escondida, imagina as pessoas que não têm acesso a isso ou não fazem questão disso. Há uma cultura machista gigante, ela está aí e a galera sente muita raiva. O dado que comprova isso é: Brasil, o país que mais mata homossexuais, transgêneros e etc, é o que mais consome pornografia com esses temas! É tão óbvio que parece mentira”.
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