Renata Castro Barbosa sonha fazer vilã, relembra ter sofrido Burnout e ter sido atriz mirim: “Não perdi muita coisa”


A atriz desde muito menina está na TV e sabe o que é sofrer um Burnout na adolescência. Hoje, às vésperas dos 50 anos, ela olha para o futuro com mais leveza. Com a tranquilidade de quem conversa com um velho amigo, revisita a vida – e olha para ela com generosidade – nesta entrevista. Fala sobre os novos projetos, como a série “A Magia de Aruna”, do Disney Plus. A atriz fala sobre ser curadora de um festival de humor que acontecerá no Rio de Janeiro em janeiro e que ambiciona devolver a cidade as comédias de verão, coisa que não acontecia desde a época do teatro Besteirol, dos anos 1980. “O Rio está desvalorizado em cultura. Eu quero mostrar que não somos só praia e nos propusemos a fazer estes espetáculos de verão, não só restritos ao stand-up”

*por Vítor Antunes

Seguramente, 2024 se avizinha trazendo muitas novidades para Renata Castro Barbosa. No Ano Novo não apenas ela estreia como curadora do festival “O Humor Contra Ataca” como também celebra 40 anos de carreira. Não obstante, estará estreando, no penúltimo dia de 2023 uma nova série para o Disney Plus, “A Magia de Aruna“. Segundo Renata, quando ela havia recém chegando à vida adulta, via com estranheza as mulheres que naturalizavam a maturidade. Hoje, ela entende e acredita que é assim que deve ser. “Eu via muitas mulheres falando que esta é a melhor fase da vida. Fui trabalhando a cabeça e agradeço muito à Andrea Beltrão, Ingrid Guimarães, Talita Rebouças que levantaram a bandeira da maturidade e que nos ajudaram a compreender que isso é natural e que não é preciso esconder a idade que se tem”.

Em “A Magia de Aruna“, próximo trabalho de Renata no audiovisual, ela será a mãe de uma bruxa. Porém, anos atrás, em 1996, ela própria foi uma, em ‘Caça Talentos“, sua experiência mais próxima a de ser uma vilã. Coisa que ela sonha mais hoje em fazer profissionalmente. “No ‘Caça’  eu entrei para ficar um mês ou dois e a Artemísia foi a primeira vez que fiz vilã. Sou doida para fazer uma outra, assim do perfil da Maria de Fátima [vilã de “Vale Tudo]. Mesmo Artemísia sendo malvada as pessoas gostavam dela”.

Contudo, Renata compartilha que, durante as gravações de “Mico Preto” (1990), quando tinha 17 anos, estava, além da novela, fazendo provas e ensaiando uma peça. “Tive um Burnout e fiquei mal. Tive que dosar as coisas, mas fui levando. Não perdi muita coisa [por trabalhar desde nova], amadureci mais cedo, vivi o que podia de namoricos, festas e tudo o mais, tal como minhas amigas viveram e aproveitei a vida de uma outra maneira”.

Eu, quando cheguei aos 48, 49 me assustei. Não por me sentir mais velha, mas por ter a consciência do número. Não me sinto diferente em razão do amadurecimento, mas acho esquisito dizer ter 50 anos. Sou de uma geração que ainda tinha incutido que estar aos 50 era próximo do fim da vida – Renata Castro Barbosa

Em se tratando de “Vale Tudo“, esta foi a primeira novela de Renata, na qual trabalhou aos 15 anos. Conta-nos ela que não sentia que “estava abrindo mão da juventude. “Eu amava o que fazia desde nova e as novelas foram seguindo. Jamais desisti do colégios e a Globo tinha um grande cuidado com relação a isso, com relação às notas. Tanto que eu ia estudar na sala dos atores. Além de tudo o colégio entendia a minha realidade e não fazia cobranças como aos outros alunos. Foi lá onde comecei a fazer teatro, inclusive”.

Renata Castro Barbosa pondera sobre trabalho como atriz mirim. Ainda que não sinta haver perdido momentos importantes dessa fase da vida, relembra ter tido Burnout (Foto: Sérgio Santoian)

No início do ano vindouro, Renata estará à frente da curadoria do festival “O Humor Contra Ataca” no Qualistage, Bara da Tijuca, Rio. Coube a ela não apenas selecionar os artistas, mas ajustar-lhes à agenda do espetáculo e promover uma equidade de gêneros, dentro do possível. Somado a tudo isso, a intencional coincidência de ser verão no Rio.

“Ralei por conta de querer trazer os maiores nomes possíveis do humor. Além disto, é importante o fato de ser verão. O Rio está desvalorizado em cultura. Eu quero mostrar que não somos só praia e o Qualistage abriu as portas para isso. São três mil lugares que a casa dispõe e nos propusemos a fazer estes espetáculos de verão, não só restritos ao stand-up. Teremos o Rafael Portugal, o Yuri Marçal, o Igor Guimarães, o Fábio Rabin. Além de mulheres como Flávia Reis, a Dadá Coelho, a Babu Carreira. Gostaria de ter mais mulhees, mas é difícil. Ainda é uma luta. Parece que, por vezes, temos que pedir licença para sermos notadas”.

Renata faz menção ao fato de ainda serem poucas as mulheres humoristas. Por vezes o humor se pautou em cima da beleza delas, ou da ausência de beleza, ou ainda da falta de inteligência como recurso cômico. Algo que vem mudando com o tempo. “Há muito mais em nós que apenas a graça em cima de um corpo tido como gostoso. Há muitas pessoas comuns que encontramos no metrô e que fazem stand-ups incríveis. Temos porta aberta para escancarar ainda. E por mais que tenhamos dado grandes passos, nós mulheres, temos que assistir a nós fazendo humor, indicar outras… Ser mulher no País que a gente vive é dificil, de modo que saber como se colocar e onde ceder, também.  Diferente do lugar do homem, que fala tudo de forma mais escrachada, as mulheres abordam uma janela de assuntos diferentes. Acho que os homens humoristas de antigamente deveriam nos colocar mais no humor para aprender como somos. As mulheres são engraçadas em sua essência”.

Renata Castro Barbosa vive um 2024 prolífico (Foto: Sérgio Santoian)

MAIS QUE MULHER

Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro (…) estas mãos sem força, tão paradas e frias (…) Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida a minha face?“. Quem lê esse poema de Cecília Meirelles (1901-1963) é capaz de afirmar categoricamente que ela o escreveu já próxima ao fim da vida. Mas não. Foi escrito aos 38 anos. Mesmo o cancioneiro popular, como na música de Sérgio Reis, que ao dizer que uma mulher já é coroa, aponta que ela “é madura, já tem mais de trinta anos”. Era assim que até algum tempo atrás compreendia-se a maturidade da mulher –  considerando que a música de Sérgio Reis é de 1983 e o poema de Cecília, de 1939. Hoje, a beleza e plenitude estão nos 50, ou na idade que for. Renata Castro Barbosa que o diga. À beira dos 50 anos e dos 40 de carreira mostra o outro lado dos contos de fadas de quem bebeu o passado, tragou o presente e tornou-se valente pra sobreviver: “Cheguei aos meus 50 e à menopausa e eu tenho plano de saúde para cuidar de mim. São muitas as mulheres que não têm. E passar por essa fase é algo muito desagradável. Sou grata por ter essa possibilidade e ajudo a quem precisa o quanto possível”.

Eu sou privilegiada e tenho que olhar para isso com justiça. Injusto seria lamentar, quando há quem morreu ou que passa por mais dificuldades que eu. Claro que olho para meu corpo e minha cara e vejo mudanças, ou percebo que meu peito não é mais o mesmo, mas tudo bem. Estou feliz assim. A única coisa que tento hoje é fazer um detox alimentar – Renata Castro Barbosa

Renata nos conta que outro ensinamento que o tempo lhe trouxe foi o de não pintar o cabelo com assiduidade. Sua vontade era, inclusive, assumir os fios brancos, mas não o faz por causa do trabalho. “Acaba limitando os personagens. Eu não tenho mais o desespero de pintar de dez em dez dias e sempre tive cabelo branco. Mas ainda farei isso, num outro momento da vida. Não acho que cabelo branco envelheça, pelo contrário. O que envelhece é um cabelo mal cuidado. O desleixo, sim, envelhece”.

Na década passada, Renata e Luciana Fregolente estiveram num projeto que era pioneiro. Trazia duas mulheres protagonistas e que fazia um humor muito fora do status quo dedicado à mulher. Elas eram mulheres normais, que questionavam o corpo sim, mas criticando o padrão de beleza imposto. Ou que faziam graça do sexo sob a ótica e a prerrogativa feminina. “O ‘Alucinadas’ foi pensado por mim e pela Luciana e víamos nos quadros espaço para discutir sobre as mulheres que se sentiam acima do peso e tinham questões com isso não eram zoadas por esta razão, mas elas próprias questionavam ser impossivel atingir a esse corpo idealizado de magreza. Ou ainda por outros ideais de perfeição”. Alucinadas foi peça de teatro e série no Multishow.

A nós, mulheres, temos que ser perfeitas em tudo: Gostosas, boas, transarmos todas as noites, falar bem, ser divertida… E acabamos reféns dessas exigências, esquecendo que não precisamos ser nada além do nosso melhor. A única exigência que faço a mim é ser uma boa mãe. Rir de nós mesmas é como nos dar conta que estamos distantes desse ideal de perfeição – Renata Castro Barbosa

Para exemplificar e trazer a um contexto atual, a atriz disse que para dois trabalhos foi recusada especificamente por causa do seu corpo: “Para um deles, me disseram que eu estava acima do peso. Para outro, eu estava abaixo”.

 

“Alucinadas” foi peça e série no Multishow. Renata Castro Barbosa estava no elenco com Luciana Fregolente (Foto: Divulgação)

PLANOS E SONHOS

Na primeira quinzena de janeiro, mais especificamente no dia 10, Renata estará vendo um dos seus projetos estrear. Trata-se do festival “O Humor Contra Ataca“. O projeto retoma não apenas a comédia à capital do Rio, mas também as comédias ao verão do Rio. Expediente do qual, nos anos 1980, o Besteirol lançou mão e fez seu nome. “Sei que o Rio tem alguns problemas, como a desunião da classe artística, mas o que há de vantagem aqui é a de que o Rio tem uma facilidade de se reinventar. A minha intenção com o Festival é trazer gente de fora também e fazer apresentação para escolas, para pessoas que não têm condições de ir ao teatro, por exemplo”.

Por mais que não entendam a importância da arte e dos artistas, que vejam o nosso trabalho como entretenimento de luxo, como se arte fosse algo menor e cultura não contasse, vimos na pandemia que é impossível sobreviver sem alguma obra de arte acontecendo – Renata Castro Barbosa

Um dos trabalhos de Renata mais marcados pela nostalgia, especialmente da geração que foi criança nos Anos 1990 é a participação dela na novelinha “Caça Talentos“. “Ficou marcado para muita gente e são muitos os que têm carinho por essa obra. Eu acho que foi um diferencial. Era uma coisa mais infantojuvenil, uma proposta mais jovem, além de a Angélica ser muito questionada como atriz, antes da novela estrear. Só que ela arrebentou e, ouso dizer, que ela usa pouco desse recurso. Ela tem um grande potencial. Era muito gostoso, um elenco muito divertido, o Eduardo Galvão (1962-2020) virou um amigo-irmão, e foi a primeira vez que trabalhei com a Claudia Rodrigues e com a Helena Fernandes. A gente se divertia muito. Na ocasião eu fazia uma bruxa, e agora faço a mãe de uma bruxa, em “A Magia de Aruna“, do Disney Plus”.

Em “Caça Talentos”, Renata Castro Barbosa era a malvada Artemísia “(Foto: Divulgação)

 

DINASTIA(S)

Há alguns meses fizemos uma matéria sobre novelas nas quais os atores tiveram seus nomes creditados errados. Renata se divertiu em lembrar que na abertura de “Tieta” ela virou… homem! “Tive muitos nomes. E antigamente era dificil mudar o nome na abetura. Além de Renato Castro Barbosa, já fui  Renato – e Renata – Castilho, e por ter nome grande, já editaram sem me consultar, de modo que fui Renata Castro ou Renata Barbosa”. O sobrenome extenso foi uma sugestão de Paulo Ubiratan (1947-1998), falecido diretor, que não sabia do parentesco de Renata com o radialista Castro Barbosa, mas que sugeriu que ela adotasse o sobrenome, justamente em razão de ele ser “um super humorista da era do rádio”. Aliás, nem mesmo Renata sabia desse parentesco. “Ele era irmão do meu avô, só que eles não se falavam. Mais tarde fui tendo acesso a isso, e o Chico Anysio (1931-2012) – que era meu sogro – falou muito dele pra mim. Como essa questão artística mexia com meus familiares, meu avô me assistia escondido para não reconhecer que eu havia virado artista, ainda na época da novela ‘Vale Tudo'”. A atriz, então, brinca: “Deve ser um carma eu não só ser atriz mas trabalhar com o humor, gênero que não foi uma escolha minha”.

Junto com Lauro Borges, Castro Gonzaga apresentou um dos programas de rádio mais importantes do humor no Brasil: O PRK30, da Rádio Mayrink Veiga (Foto: Wikimedia)

Ex-mulher de Bruno Mazzeo – e consequentemente ex-nora de Chico Anysio – Renata é sobrinha neta do já citado Castro Barbosa. Uma dinastia de artistas. Perguntamos à atriz se o filho dela com Bruno, João, tem inclinações artísticas e ela disse que sim, mas para “escrever e dirigir. Não é muito voltado para o humor, mas pro drama, pras questões humanas e sociais. Ele tem olhar interessante para a sociedade”. Atualmente, a atriz namora com o também comediante Léo Castro. Como é conviver com tantos humoristas a todo tempo? “Normalmente o humorista é mau humorado. Chico Anysio estava longe e ser uma pessoa bem humorada, mas era inteligente, com tiradas inteligentes. O olhar do humorista ele é mais crítico”.

Bom humor não tem a ver com a comédia. Eu mesma não sei contar piada, eu sou péssima, talvez o Ary Toledo saiba, eu não. E é muito chato você estar no aeroporto, cansado, e alguém chegar e pedir para contar uma piada.Ter tiradas boas e sarcásticas não significa que você é hilário o tempo todo, mas apenas que tem um olhar diferente pro mundo – Renata Castro Barbosa

Renata Castro Barbosa e Léo Castro são namorados (foto: Reprodução)

A todo tempo falamos sobre humor, comédias… O que emociona Renata? “Pequenos atos de bondade, que são raros hoje. Gente que cuida do outro. Meu filho cuidando da própria estrada, tendo compaixão… Isso me emociona. Assim como a luta das pessoas e a vitória delas”. O que a faz rir são os ” improvisos da vida, meus erros… E rir! Rir me faz rir ficar atenta para saber parar de rir. tenho 50 anos sem problemas de dizer ter 50 anos. É isso que me faz manter a minha criança viva”. Renata mostra que o lado quente do ser é aquele que canta mais docemente.