Renata Castro Barbosa opina sobre a falta de humorísticos na TV aberta e desvalorização do gênero: “Pensei em desistir”


Comemorando 40 anos de carreira, ela está em ‘Mallandro, o errado que deu certo’, e acaba de filmar ‘O Rei da feira’, longa com Leandro Hassum. Renata também é curadora e produtora do Festival Humor Contra Ataca. Nesta entrevista, a atriz revisita sua carreira, diz que já pensou em desistir da carreira de humorista, fala das aspirações artísticas de João, seu filho com Bruno Mazzeo, e reflete sobre maturidade e os rumos do humor. “Pouca gente quer correr o risco de falar o que quiser e ser ‘cancelado’. E o que pode ser dito? Acho que isso atrasa bastante as novas criações. Os streamings, que pensei que viessem derrubar paradigmas, estão parados na questão. Acho que também com um pouco de receio do que podem colocar no ar. Acredito que a falta de projetos de humor hoje na TV, nos streamings, é uma junção de um país que está rindo menos, mas também de um medo geral do que falar, como falar. O humor é uma lente de aumento nos problemas da sociedade. Existe para transgredir, é por si só uma transgressão”

*Por Brunna Condini

Celebrando seus 40 anos de carreira, Renata Castro Barbosa fez do humor seu espaço de revolução na arte. “Na verdade o humor fez uma revolução na minha vida. Quando eu vi estava irremediavelmente nele”, reflete. Não à toa, os projetos em que está envolvida no momento são do gênero. A atriz está no filme ‘Mallandro, o errado que deu certo’, que estreia nos cinemas em 13 de junho, e acabou de filmar ‘O Rei da feira‘, longa com Leandro Hassum. Ao relembrar a própria trajetória, Renata avalia: “O que mais me orgulho foi de não ter desistido. porque é uma carreira complexa, desafiadora. Em um país onde valorizam tão pouco a cultura, você conseguir se sustentar do seu trabalho, já é um privilégio. Mantive os meus valores e acreditei que podia dar certo mesmo nas horas mais difíceis. Minha persistência é um dos meus maiores orgulhos. Já pensei em desistir algumas vezes, mas não sei se eu conseguiria ser feliz longe dos palcos, da TV ou do cinema”. Ela destaca que acha um desperdício a TV aberta brasileira não ter quase nenhum humorístico no ar hoje, termômetro de um país que está rindo menos ou a desvalorização do humor.

A atriz aponta ainda que “as pessoas têm confundido essa transgressão com crime. O que é crime, não é humor, claro. Mas temos que ter o direito de falar o que quisermos, sem censura. Estamos vivendo em um mundo onde tudo é julgado o tempo todo. Acho uma pena, porque vivemos melhor quando podemos rir de nós mesmos. A risada é um ato de resistência, como diria Paulo Gustavo (1978-2021), e precisamos dele”.

Além das novas empreitadas no audiovisual, ela é produtora e curadora do Festival Humor Contra Ataca, que, apesar dele ser feito por grandes nomes da comédia, nas aberturas, nomes não tão conhecidos do público, que estão ralando há muito tempo, se apresentam. É um espaço importante”, diz sobre os preparativos. “No filme do Serginho, eu faço uma apresentadora inspirada em algumas das que passaram pela vida dele, que é uma das pessoas mais gente boa e doida que conheço (risos). Filmar com ele foi uma aventura”, conta. “Já no ‘Rei da Feira’ sou uma inspetora que está grávida e é chefe do personagem do Leandro. Somos amigos há mais de 30 anos, ele é um grande parceiro de set, divertido, generoso.

A atriz celebra 40 anos de carreira, fala do desperdício da TV não ter quase nenhum humorístico no ar atualmente e reflete sobre os caminhos do gênero (Foto: Sérgio Santoian)

A atriz celebra 40 anos de carreira, fala do desperdício da TV aberta não ter quase nenhum humorístico (Foto: Sérgio Santoian)

É um privilégio ter me mantido ativa na carreira. Não sei se faria algo diferente, porque tudo o que fiz, com os erros e acertos, me fizeram chegar até aqui. Se pudesse voltar atrás, talvez eu tivesse sido um pouco menos preguiçosa, porque sou muito caseira, e acho que aproveitei pouco os meus momentos de sucesso, os louros disso. Na verdade, sempre gostei é da parte do trabalho em si. Tracei o caminho que podia traçar, da maneira que eu podia e sou muito orgulhosa dele – Renata Castro Barbosa 

Sobre o percurso até aqui, Renata observa: “Um ator não descansa, ainda mais agora que o mercado mudou tanto. Estamos sempre nos reinventando e tentando achar novos caminhos. Ao mesmo tempo, fico feliz de ver os teatros cheios, a cultura tentando, de algum jeito, sobreviver a esse mundo caótico. Sou orgulhosa da minha trajetória e ainda tem muito mais para fazer. Sinto que agora quero me desafiar mais nos personagens, escolher mais o que quero fazer, no sentido de interferir de alguma forma para uma melhora do mundo. Pode parecer piegas e até utópico, mas é um desejo”.

Um vida dedicada à dramaturgia

A atriz começou a trilhar seu caminho aos 12 anos, fazendo teatro no colégio. “Aos 14 eu já estava fazendo novela (‘Vale Tudo’, na Globo). Não tive uma adolescência típica de festinhas, viagens com amigos. Estava sempre trabalhando e acho que isso me fez amadurecer mais cedo. Mas não vejo como ônus, porque eu era muito feliz fazendo aquilo, não sentia falta de nada. E eu tinha perto de mim, amigos próximos, que também estavam nessa pegada, já que eu atuava em elencos jovens, como o Danton e o Selton Mello, a Gabriela Duarte. Esse era o meu grupo e era como me divertia. Eu já tinha responsabilidades. Teve uma época que tive até uma estafa”, recorda.

Estudava de manhã, fazia novela à tarde e ensaiava uma peça à noite. Mesmo nessa fase, nunca tive dúvida que era isso que eu queria fazer. Essa era minha fonte de alegria de viver. Quando não estava trabalhando é que achava a vida chata. Vivi minha adolescência junto com os meus personagens – Renata Castro Barbosa 

"Quero me desafiar nos personagens, escolher mais o que quero fazer, no sentido de interferir de alguma forma para uma melhora do mundo. Pode parecer piegas e até utópico, mas é um desejo" (Foto: Sérgio Santoian)

“Quero escolher mais o que fazer, no sentido de interferir de alguma forma para uma melhora do mundo. Pode parecer piegas e até utópico, mas é um desejo” (Foto: Sérgio Santoian)

Arte através das gerações

Renata, que é mãe de João Castro Barbosa, de 19 anos, filho também de Bruno Mazzeo e neto de Chico Anysio (1931- 2012), comenta as inclinações artísticas do herdeiro e fala sobre comparações. “O João sempre teve uma vontade artística desde muito novo. Mas todos nós que vivemos de arte sabemos que não é algo fácil, não tem o glamour que muita gente imagina. É uma profissão ralada, difícil. O Chico Anysio já dizia: “É uma profissão que deixa 10 felizes e 1.000 infelizes”. Porque existe uma quantidade grande de atores que não conseguem trabalhar e isso é assustador. E queremos para o nosso filho o que há de melhor. Só que isso é uma escolha do João, nunca cerceamos nada. Quando ele era mais novo, fez participações em trabalhos meus e do Bruno, como uma brincadeira. Mas nunca quisemos que ele fosse um ator mirim, como eu fui”.

Renata Castro Barbosa e o filho João (Foto: Acervo familiar)

Renata Castro Barbosa e o filho João (Foto: Acervo familiar)

E acrescenta: “A gente quis que ele seguisse o caminhar de estudante e descobrisse o que deseja fazer. Se quisesse ser ator, apoiaríamos. Hoje ele faz faculdade de Cinema e quer seguir como diretor, roteirista. Já escreve e tem curta-metragem indo para festival. É um cara criativo por trás das câmeras e não tem vontade de ir para a frente delas. Ele é bom, não digo isso porque é meu filho. E não escreve humor. Por incrível que pareça saiu do gênero, pelo menos por enquanto, mas nunca se sabe. Acho que não tinha muito como João sair disso, nasceu e foi criado em coxias, sets”.

A comparação já foi uma questão para o meu filho quando começou a entender que queria trabalhar com cinema. Na verdade, era uma preocupação mais dele do que nossa. Não acho que vá ser comparado. Primeiro, porque ele não está indo para o lado do humor. Segundo, porque tem uma linguagem muito própria. O Bruno cresceu com a experiência da comparação como sendo algo bom ou ruim, e o João foi entendendo que  vai acontecer e tudo bem. Mas isso é dos outros, não dele. O João não pode tomar essa responsabilidade de ser maior, diferenciado. Ele tem que fazer o seu caminho. E acho que ficou com o melhor do Chico: a sua humanidade e a importância que teve para a arte brasileira. Isso é motivo de orgulho, é legado – Renata Castro Barbosa

A falta que a graça faz

Renata destaca que acha um desperdício a TV aberta brasileira não ter quase nenhum humorístico no ar hoje. “im, acredito que é muito de um país que está rindo menos. As pessoas estão mais apreensivas com o futuro e isso acaba fazendo com que vejam menos graça em tudo. Estamos sonhando pouco com o futuro, principalmente pós pandemia. O que virou esse país depois disso tudo? Independente da política, humanamente falando. Achei que após uma pandemia teríamos uma valorização maior da cultura. Tanta gente sobreviveu graças à arte, ao humor. Mas não aconteceu dessa forma. Está difícil colocar o país nos trilhos. Também acho que o politicamente correto dificulta um pouco as coisas”, expõe.

"Estamos vivendo num mundo onde tudo é julgado o tempo todo. Acho uma pena, porque vivemos melhor  quando podemos rir de nos mesmos" (Foto: Sérgio Santoian)

“Estamos vivendo num mundo onde tudo é julgado o tempo todo. Acho uma pena, porque vivemos melhor  quando podemos rir de nos mesmos” (Foto: Sérgio Santoian)

Pouca gente quer correr o risco de falar e ser ‘cancelado’. E o que pode ser dito? Acho que isso atrasa bastante as novas criações. Os streamings ,que pensei que viessem derrubar paradigmas, estão parados na questão. Acho que também com um pouco de receio do que podem colocar no ar. Acredito que a falta de projetos de humor hoje na TV, nos streamings, é uma junção de um país que está rindo menos, mas também de um medo geral do que falar, como falar. O humor é uma lente de aumento nos problemas da sociedade. Existe para transgredir, é por si só uma transgressão – Renata Castro Barbosa

"Estamos podendo sonhar pouco com o futuro, principalmente pós pandemia. O que virou esse país depois disso tudo?" (Foto: Sérgio Santoian)

“Estamos podendo sonhar pouco com o futuro, principalmente pós pandemia. O que virou esse país depois disso tudo?” (Foto: Sérgio Santoian)

E opina o motivo pelo qual acredita que o humor no país, apesar de ser um gênero que agrada o público, ainda é tratado como algo menor: “Talvez porque achem que, aparentemente, fazer rir seja algo mais fácil. E não é. O humor deveria ser até mais reverenciado e não é. Num prêmio de teatro, dificilmente uma comédia ganha. O Fábio Porchat criou um prêmio para isso. Talvez seja um equívoco do ser humano achar que tudo que é aparentemente leve, divertido, não demande esforço. Uma boa comédia demanda tanto quanto um bom drama. Senão mais, por uma questão de tempo de humor mesmo. E é um gênero que deveria ser exaltado justamente pelo bem que faz”.

Amor e humor

Casada com o ator e humorista Léo Castro há cinco anos, Renata fala da relação. “Nossa ideia era namorar calmamente, mas aí veio a pandemia e fomos morar juntos, ficamos confinados. E deu certo. Podia ter dado tudo errado, porque não nos conhecíamos o suficiente como namorados para morarmos debaixo do mesmo teto, ainda mais naquela situação de tensão toda, mas deu match, tem dado muito certo”.

Viver com outro comediante torna tudo mais leve? “Olha, não sei. Conheço muitos comediantes até muito mau humorados, viu? Que fazem graça trabalhando, mas na real são bem rabugentos. Até porque olhamos para a vida de forma mais crítica, o humor vem disso. Mas o Léo é um cara muito leve, tranquilo de lidar. Nos divertimos muito juntos. As nossas essências, vivências, fizeram com que quiséssemos uma relação assim. Tudo nosso é tratado com leveza, até para dar certo. A leveza do nosso casamento é uma escolha”.

Renata e o marido, o também ator e humorista Léo Castro (Foto: Acervo pessoal)

Renata e o marido, o também ator e humorista Léo Castro (Foto: Acervo pessoal)

Ela diz que os dois não costumam celebrar datas como o Dia dos Namorados, comemorado na quarta-feira (12). “Provavelmente vai passar batido para nós (risos). Fazemos jantarzinhos um para o outro, dançamos na sala abraçadinhos, constantemente. Celebramos e trocamos presentinhos, sem uma data para isso. Não temos nem data de namoro, porque não lembramos quando foi exatamente, fluiu. Fazemos questão de renovar nosso amor no dia a dia. São pequenos cuidados que acho que valem mais que grandes atos. Acho que talvez a maturidade traga isso”, constata Renata.

Somos românticos no cuidado com o outro, nos pequenos atos. Acho que quando somos mais novos temos uma idealização do romantismo. Mas isso cria expectativas, porque você fica esperando os grandes atos. Com o amadurecimento, vamos entendendo que existem várias formas de dizer ‘eu te amo’. Uma massagem nos pés, uma comidinha e a escuta depois de um dia de trabalho, é uma delas. O grande romance do momento para mim, é estar atento ao outro e o outro a mim. As comédias românticas, que adoro, deixo para o cinema – Renata Castro Barbosa

'O humor é uma lente de aumento nos problemas da sociedade. Existe para transgredir, é por si só uma transgressão" (Foto: Sérgio Santoian)

‘O humor é uma lente de aumento nos problemas da sociedade. Existe para transgredir, é por si só uma transgressão” (Foto: Sérgio Santoian)

Aos 50 anos, ela analisa sobre maturidade. “Tem uma virada de chave. Veio uma percepção de que tenho menos tempo para realizar coisas. Então, preciso focar no que realmente importa, nas coisas que têm valor e podem mudar a minha vida. É como se fosse a metade do caminho, se eu pensar que vou viver até os 100 anos. Tem uma urgência, me sinto sem tempo a perder. Ao mesmo tempo, existem as perdas. Não tenho o mesmo corpo que tinha antes, a pele e o cabelo não têm o mesmo viço. Sou mulher e é claro que essa vaidade me pega. Mas não é uma grande questão. Comecei mesmo a olhar mais para a minha saúde. Hoje eu malho, como melhor, fico mais atenta ao que eu consumo, o que é uma questão de autoamor. Sinto um amor e uma admiração por mim muito maiores do que antes. Acredito que tenho muito a realizar ainda. Tenho muita lenha pra queimar”, conclui.