Por anos perdida no acervo da Globo e reprisada apenas uma vez, há 40 anos, a novela “Pecado Rasgado” poderá ser apreciada pela nova geração. Estará de volta no Globoplay — se não na íntegra, com poucas perdas que não impedem a compreensão. “Pecado Rasgado” não teve uma audiência espetacular, mas também não fez feio. Passou em brancas nuvens quando de sua exibição original. Mas os bastidores ferveram. Atores reclamaram e se amotinaram. O autor, Silvio de Abreu, brigou com o diretor Régis Cardoso (1934-2005) e, ainda recentemente, Silvio o acusa de haver prejudicado sua novela. Régis Cardoso até seus últimos dias de vida dizia que o problema estava em Silvio.
Plena de problemas de bastidores, “Pecado Rasgado” teve o texto muito mexido, uma direção equivocada e dificuldades também na escalação. No início da novela, Silvio de Abreu dizia-se descontente com o tom da trama no núcleo jovem, mas satisfeito com o núcleo maduro. Dizia ele que os maduros entenderam a proposta de comédia e os jovens iam pro tom de drama. Na época, Juca de Oliveira o protagonista, fazia sucesso na peça “Investigação sobre a classe dominante” quando foi convidado a fazer “Pecado Rasgado“, que objetivava falar de um casal que se apaixonava ainda que fosse oposto. “Um homem e uma mulher, de temperamentos fortes e absolutamente antagônicos, se apaixonam perdidamente. Teca (Aracy Balabanian), psicóloga, séria, politizada que realizava um trabalho sobre jovens que moravam numa república, se apaixona por Renato (Juca de Oliveira), um empresário elegante, fútil e sofisticado. Mesmo quem não entende de escalação de novelas pode ver que Juca de Oliveira, maravilhoso e excelente ator, forte, rude e rural, não era exatamente o indicado para o papel, mas os problemas estavam apenas começando”.
CONTRATO RASGADO A TODO VAPOR
Silvio de Abreu, em entrevista antes da estreia de “Pecado Rasgado“, disse ao jornal O Globo: “Estou ansioso em saber como minha obra vai comunicar ao público (…) vai depender de um processo de criação e direção (…) Esta é uma novela das 19h leve, açucarada, romântica que mostra as pessoas se relacionando comicamente (…) para mim é mais fácil escrever comédia que drama e quero fazer uma novela engraçada”. Tudo era tão novo, e novo até para a casa, que Silvio de Abreu teve que explicar que não queria fazer um novo ‘Planeta dos Homens“‘. Este último era, de fato, um programa humorístico. A primeira coisa a ser definida, e a única até aquele momento quando a novela entrou em pré-produção, era de que a protagonista seria uma psicóloga vivida por Aracy Balabanian (1940-2023). Ele prosseguiu dizendo que sua “primeira ideia era escrever uma novela chanchada, mas a Globo não aceitou, sei lá por quê, e logo depois Bráulio Pedroso (1931-1990) veio com ‘Feijão Maravilha‘ sobre o mesmo tema e não conseguiu emplacar o sucesso esperado. Barrado em meu primeiro intento, parti para a comédia sofisticada.”
Anos mais tarde, Sílvio diria em sua biografia, “Um Homem de Sorte”, o quão traumática a novela foi: “Apesar de ter tido uma boa audiência, porque na TV Globo, naquela época, tudo tinha audiência, foi uma péssima experiência, perto de um pesadelo. Acabei em um estresse terrível, decepcionado, briguei com Régis Cardoso, com muitos atores, com a diretoria da Globo, briguei com todo mundo. Meu contrato acabou no meio da novela e só aceitei renová-lo até o final daquele tormento. Com minha carta de exoneração da emissora na pasta, pedi para falar com Boni. (…) Estava tão irritado e fora de mim que o melhor executivo da televisão brasileira nem deu um dos seus berros famosos e me mandou desaparecer da sua frente; pode ter sido ilusão minha, mas tenho a impressão que até me olhou com respeito. Saí com a convicção de que jamais colocaria os pés dentro daquela emissora novamente e queria sumir dali o mais depressa possível.”
Fiz questão de dizer para ele que a merda que fora colocada no ar com o nome de “Pecado Rasgado” havia sido feita por eles e não por mim – Silvio de Abreu
Em entrevista ao jornalista José Armando Vannucci, em julho de 2024, Silvio afirmou que foi de alguma forma sabotado pela produção da novela, que guardava os capítulos prontos e não os distribuía aos atores e técnicos, apenas para facilitar a gravação dos episódios, mas isso gerou grande animosidade, pois se dizia que os capítulos estavam, em atraso. Deste modo, as cenas externas eram transformadas em internas e assim se ganhava tempo. O que ele reafirmou na sua biografia. “Meu texto para comédia exige muita marcação, os personagens têm que andar, correr, se movimentar em cena porque a ação e as falas correm juntas. Acostumado a dirigir novelas em um outro tipo de esquema, onde os personagens podiam falar sentados que o diálogo funcionava bem, o diretor Régis Cardoso não entendeu minha proposta. A história na tela tinha um tom completamente diferente do qual eu escrevia, a comédia não funcionava e já nos primeiros capítulos vi que a novela não iria dar certo, como realmente ocorreu.”
Em seu livro “No Princípio Era o Som”, Régis Cardoso descreveu a situação em que parte dos atores de “Pecado Rasgado” se rebelou contra Silvio de Abreu. “Tudo começou com o atraso do autor em entregar os roteiros da novela, o que teria gerado más condições para o elenco durante gravações em um navio: “O elenco se rebelou, veio falar comigo e eu fiz ver a eles que toda a culpa daquela improvisação era do atraso da entrega dos capítulos. Eles, então liderados por Rogério Fróes, fizeram um abaixo-assinado e enviaram para o então diretor do departamento de novelas. Ele me pediu que fizesse um memorando relatando o acontecido. Fiz e recebi de volta uma acusação de Silvio de que ele escrevia uma novela cômica e eu a teria transformado num drama”. O ator Cláudio Cavalcanti (1940-2013) disse: “Na Globo eu fiz o pior papel da minha carreira, em ‘Pecado Rasgado‘. Tudo ali era tão ruim que eu não conseguia gravar nem mesmo os textos”.
A novela teve cenas gravadas em Paris. E dos 170 capítulos previstos teve apenas um a menos. Nas paredes, para traduzir o bom gosto de Stella (Renée de Vielmond), reproduções de quadros de Renoir e Picasso. Duas imagens foram compradas, uma de Santa Ana e outra de Nossa Senhora da Conceição, por CR$ 15 e 18 mil. Impossível traduzir isso para reais e quanto seria em valores atuais, mas o salário mínimo em 1978 era de CR$ 1560,00. A antagonista Estela foi oferecida a Elizabeth Savala e a Betty Faria, mas acabou ficando com Renée de Vielmond. Quando “Pecado Rasgado” foi reprisada em 1984, o tema de abertura foi substituído por uma música instrumental, que não constava na trilha da novela – provavelmente para evitar problemas com a Censura Federal, já que a exibição era vespertina.
Artigos relacionados