Rafaela Ferreira volta à TV com Poliana Moça e batalha contra gordofobia: “É uma luta por acessos e direitos”


Em meio às gravações da novela, a atriz e educadora nos conta que se define como ‘Artivista Gorda’: “A gente chama essa luta de gorda esfera. São pessoas gordas se unindo, principalmente na busca de profissionais (médicos, advogados), não gordofóbicos, procurando segurança e acolhimento para a gente conseguir lidar com tudo. A luta contra a gordofobia mais popularizada é assim: ‘Autoestima é tudo, se ama, seja feliz, aceite o seu corpo’. Nossa, eu posso ser a pessoa mais bem resolvida do mundo, me amar completamente que vou continuar a ter dificuldade de passar na catraca de um ônibus ou metrô, então, a luta antigordofobia vai muito além da relação positiva com o corpo. É uma luta por acessos e direitos”

* Por Carlos Lima Costa

A atriz Rafaela Ferreira ganhou fama ao estrear na televisão, em Malhação ID, em 2009. A popularidade cresceu com o sucesso de As Aventuras de Poliana, exibida entre 2018 e 2020. Agora, no próximo dia 21, ela retorna à TV com Poliana Moça, continuação da trama anterior. Em meio aos seus trabalhos como atriz e educadora, ela é sucesso também nas redes sociais. No Instagram, onde se define como “Artivista Gorda”, ela possui 1,7M de seguidores que aplaudem sua luta contra a gordofobia, palavra que não se ouvia quando ela era criança, e já enfrentava apelidos e dificuldades por estar fora do peso padrão definido por uma sociedade preconceituosa.

“Gordofobia é sim um preconceito, algo que acontece até de forma estrutural e que dificulta as pessoas gordas a terem acesso a diversos lugares e direitos básicos. Temos sempre medo de saber se vamos conseguir ter acesso a um transporte público, à cadeira e ao cinto do avião. Muita gente fala: ‘Você é gorda, precisa emagrecer’. Precisa emagrecer se for pela saúde. Agora, vai uma pessoa gorda tentar tratar da saúde. Temos dificuldades de conseguir fazer um exame de ressonância, porque, às vezes, o corpo gordo não cabe dentro no aparelho, por exemplo, entre inúmeras dificuldades que eu posso citar”, desabafa.

E descreve sua batalha: “A gente chama essa luta de gorda esfera. São pessoas gordas se unindo, principalmente na busca de profissionais (médicos, advogados), não gordofóbicos, procurando segurança e acolhimento para a gente conseguir lidar com tudo. A luta contra a gordofobia mais popularizada é assim: ‘Autoestima é tudo, se ama, seja feliz, aceite o seu corpo’. Nossa, eu posso ser a pessoa mais bem resolvida do mundo, me amar completamente que vou continuar a ter dificuldade de passar na catraca de um ônibus ou metrô, então, a luta antigordofobia vai muito além da relação positiva com o corpo. É uma luta por acessos e direitos. Já vi casos de pessoas terem que comprar dois assentos para poder viajar de avião. Nesses assentos, pessoas mais altas também sofrem. Tem que acabar esse padrão, conseguir espaços onde todos possam estar ali”.

No próximo dia 21, Rafaela Ferreira retorna à TV com trabalho inédito, a novela Poliana Moça, do SBT (Foto: Erik Vesch)

No próximo dia 21, Rafaela Ferreira retorna à TV com trabalho inédito: a novela ‘Poliana Moça’, no SBT (Foto: Erik Vesch)

A atriz foi uma criança gordinha. Explica que esta é uma questão hereditária. “Minha família é de pessoas gordas. Comecei de fato a ser uma criança gorda aos seis anos. Aos oito, começou a cultura da dieta. Fui a milhões de médicos. Minha mãe tentava de tudo para que eu emagrecesse. Hoje, após muita terapia, consciência e trabalho em relação a isso, vejo que muitos dos transtornos alimentares e compulsões que eu tive, são resultados da pressão e restrição grande que aconteceu. Durante um tempo, cheguei a não ir a médicos, a ter aversão completa, porque de fato a gordofobia médica é presente. Hoje, me harmonizei com isso, encontrei profissionais que me respeitam. Tenho trabalhado com nutrição comportamental. São técnicas que vêm me ajudando a ter uma relação mais saudável com o meu corpo e com a comida”, pondera.

E avisa: “Tem uma página incrível no Instagram. Chama Saúde Sem Gordofobia. Nela, as pessoas gordas colocam nomes de profissionais, principalmente relacionados a saúde, que não são gordofóbicos. Isso cria um ambiente propício para que as pessoas consigam se tratar com dignidade”, ressalta.

Em seu Instagram, ela também debate sobre temas como homossexualismo e racismo, por exemplo. “A liberdade e a diversidade estão acima de tudo. A gente precisa encontrar um jeito de todo mundo poder ser quem é. Parto muito desse princípio. Agora, as bandeiras que eu acabo levantando com mais força, criando conteúdos, estão realmente ligadas ao corpo gordo e ao feminismo, que eu sinto na minha pele. Mas sou supersimpatizante da luta LGBTQIA+ e também das pessoas negras”, observa ela que também tem um canal no YouTube, o Fala Rafa, no qual basicamente aborda a vida de atriz, bastidores de novelas, dicas para as pessoas em relação ao corpo gordo e dia-a-dia.

"As bandeiras que eu levanto com mais força, criando conteúdos, estão ligadas ao corpo gordo e ao feminismo, que eu sinto na minha pele", frisa a atriz (Foto: Erik Vesch)

“As bandeiras que eu levanto com mais força, criando conteúdos, estão ligadas ao corpo gordo e ao feminismo, que eu sinto na minha pele”, frisa a atriz (Foto: Erik Vesch)

Mesmo sendo de forma não tão agressiva, os problemas começaram ainda na infância, na escola. “Em alguns momentos, vivi situações que hoje em dia seriam enquadradas como gordofobia e bullying, mas foram episódios pontuais, apelidos, não foi algo assim que me feriu, como acompanhei casos de outras pessoas gordas”, lembra ela.

“O bullying não ficava muito forte, porque eu tinha uma resposta direta de aceitação também. Minha mãe é professora e conheceu bem essa realidade e eu refletia: ‘Estão tentando me diminuir por algo que eu sou de verdade’. Essa segurança e apoio familiar me fizeram conseguir lidar com isso”, recorda.

Na faculdade de teatro, começou a sentir-se extremamente capaz e entendeu que seu corpo poderia ocupar o lugar que desejasse. “Não tem gente mais livre do que povo de teatro, então, foi muito libertador conhecendo técnicas de atuação, vendo do que eu era capaz. Foi o que me fez abrir para o mundo. E aí também quando interpretei a Juju, em Malhação ID (atualmente está reprisando no Canal Viva), minha estreia na TV, em 2009, tive a segurança de que estava no caminho certo”, frisa ela, que retorna com novo trabalho na TV, em Poliana Moça, no SBT.

A trama adaptada por Iris Abravanel, mulher do apresentador Silvio Santos, é baseada no livro Pollyana Moça, da escritora americana Eleanor H. Porter (1868- 1920), lançado em 1915. A novela é uma continuação de As Aventuras de Poliana, exibida até julho de 2020, tendo como base a obra Pollyana (de 1913), outro livro da mesma autora. “É uma continuação. Passaram dois anos, aquelas crianças cresceram e começam a viver as questões da adolescência”, conta a intérprete da Nanci. “Ela era a babá da Poliana, virou cúmplice dela, depois que Poliana perdeu os pais e foi morar com a tia bem severa. Ali, Nanci descobriu o dom de confeiteira, começou a vender doces e ganhou um programa de competição. Então, nessa segunda temporada, vamos dizer assim, ela está superligada na parte profissional. Abriu o próprio negócio, fica mais decidida, forte e segura dela mesma”, conta.

Rafaela e a atriz Lilian Blanc, a quem adotou como uma avó, ao trabalhar com ela em As Aventuras de Poliana. Agora, repetem a parceria profissional em Poliana Moça (Foto: Reprodução Instagram)

Rafaela e a atriz Lilian Blanc, a quem adotou como uma avó, ao trabalhar com ela em As Aventuras de Poliana. Agora, repetem a parceria profissional em Poliana Moça (Foto: Reprodução Instagram)

A nova trama também tem um núcleo infantil muito forte para o qual Rafaela só tem elogios. “As crianças são muito talentosas. Sapateiam, cantam, falam três idiomas. Trabalhar com elas é muito gostoso, porque são profissionais, disciplinadas e sabem o texto”, frisa. E enaltece também a relação com o público jovem, nas redes sociais, onde ela tem mais contato, e também nas ruas. “A Nanci é uma personagem carismática e só recebo amor”, acrescenta. E aponta as características em comum com a personagem: o alto astral, os cuidados com as pessoas que ama, sendo generosa e presente, além de ser muito decidida na parte profissional. “Dei muitas voltas por cima. Nessa profissão, tem altos e baixos, então, me reconheço muito nela nessa parte guerreira do trabalho, de batalhar e conseguir um espaço”, compara.

Apesar de ter um elenco majoritariamente infantil e juvenil, ela também contracena com artistas veteranos como Jitman Vibranovski e Lilian Blanc, que interpreta a avó de sua personagem. “Eu a adotei como avó. Eu amo a Lilian. Sou carioca, moro há seis anos, em São Paulo. Tinha um ano que eu estava aqui quando começamos a gravar As Aventuras de Poliana e ela me recomendou de dermatologia até um mercado, uma feira, me ajudou muito. O mais legal dessa novela pra mim é esse intercâmbio entre as idades, criança trabalhando com os veteranos e adultos”, afirma ela, que atuou ainda em novelas como Rebeldes.

Mesmo com o longo contato com as crianças nas duas novelas, Rafaela, aos 33 anos, ainda não tem o desejo de ter um filho. “Ser mãe nunca foi um sonho extremo, como tenho amigas que desde criança falavam desse desejo. Estou tão focada no trabalho, que ainda não chegou esse espaço, apesar de ter uma relação há dez anos. Volta e meia, eu e meu marido chegamos nesse assunto, mas ainda não é uma realidade nem para mim e nem para ele”, destaca, referindo-se a Erik Vesch, a quem conheceu no elenco de Malhação ID. “Começamos a namorar um tempinho depois. Ele é muito especial. Atualmente, se dedica muito mais ao backstage, como diretor de fotografia”, diz ela, que na pandemia, perdeu o sogro, Pedro Vesch, para a Covid.

E com mais de 10 anos de televisão, ela reflete sobre personagens estereotipadas. “É superdifícil essa questão. Eu até tenho lido bastante o trabalho da doutora Agnes Arruda, que chama O Peso e a Mídia. Ela fala exatamente sobre os estereótipos do corpo gordo na mídia em geral. A medida que vou lendo, você fica assim: ‘É mesmo? Caramba! Assisti esse filme e nunca tinha pensado nisso’. Sinto que teve um crescimento da presença do corpo gordo nas produções. Mas, em um elenco com 60 pessoas, tem uma ou duas gordas. Então, ainda estamos caminhando. Como a gordofobia é estrutural e, muitas vezes, as pessoas nem percebem que estão sendo gordofóbicas, isso acaba passando para as personagens. Muitas vezes, você tem uma personagem supostamente bem resolvida, maravilhosa, que lida superbem com o corpo e daqui a pouco se pega comendo em todas as cenas. Por que será que isso aconteceu? O meio ainda tem esse gap. Precisa tratar isso até conseguir ter um resultado expressivo, porque a mídia reflete a vida e a vida reflete a mídia. Quer dizer: ainda estamos lutando por essa quebra de estereótipos”, aponta ela, cuja trajetória profissional mistura as funções de atriz e educadora, ligada às artes cênicas.

Erik Vesch e Rafaela estão juntos há dez anos. Eles se conheceram em Malhação ID, estreia dela em novelas (Foto: Reprodução Instagram)

Erik Vesch e Rafaela estão juntos há dez anos. Eles se conheceram em Malhação ID, estreia dela em novelas (Foto: Reprodução Instagram)

“Me formei na faculdade de teatro. A partir dali, trabalhei na TV e no teatro, mas existem intervalos grandes, entre uma produção e outra. Venho de uma família de educadores, minha mãe, Rose Mary, é professora de português e literatura. Meu irmão, Ricardo Ferreira, ministra aulas de teatro. Então, é algo que eu sempre tive contato e prazer em fazer. Descobri esse lado, logo depois da Malhação ID, quando comecei a dar aulas de teatro em cursos e oficinas, trabalhei muito como artista educadora multidisciplinar. Dou sempre que tenho um intervalinho. Em 2020, pouco antes da pandemia, fui para o sertão da Bahia, para atuar no projeto Luz, Câmera, Sertão! (workshop para indústria audiovisual e redes sociais), que era para capacitar a galera do povoado de São Domingos. Demos aula de fotografia, eu apresentei conceitos básicos de teatro e de como funciona o mercado. Sempre que é possível, quero ter esse contato direto com o público”, explica ela, que estreou profissionalmente no palco, aos 13 anos, na peça O Auto da Compadecida. No espetáculo escrito por Ariano Suassuna (1927-2014), o irmão dela também estava no elenco. Recentemente, Rafaela esteve em cartaz com a montagem de Se Existe Eu Ainda Não Encontrei, dividindo a cena com Helena Ranaldi. “Faz três anos que estou com essa peça. Ela sempre volta. É um texto superatual, traz questões como incomunicabilidade, conservação do planeta, a forma como a gente lida com os recursos naturais e também o bullying do corpo gordo que é o que acontece com a minha personagem, a Ana”, salienta.

E, ainda este ano, além da novela Poliana Moça, ela vai lançar o primeiro livro. “Sempre foi algo incentivado pela minha mãe e, na adolescência, a escrita era algo terapêutico. Tenho pilhas de cadernos, escrevia compulsivamente. Colocava no papel tudo que eu estava sentindo e que eu não entendia. Já dei uma revisitada nesse material e talvez aproveite algo”, informa.