Quitéria Kelly, no ar em ‘Malhação’, é fundadora do grupo teatral Carmin e montará peça sobre a classe média


Ela também está à frente da direção da premiadíssima peça “A Invenção do Nordeste”, que, entre os dias 18 e 28 de julho, estará no palco do Teatro Carlos Gomes

* Por Jeff Lessa

No ar desde abril em “Malhação – Toda Forma de Amar”, da Globo, a atriz Quitéria Kelly vive um momento iluminado em sua carreira. Aos 37 anos, morando há apenas um em Laranjeiras, no Rio, ela participou da muito bem-sucedida “Onde Nascem Os Fortes”, primeira supersérie da Globo, dirigida pelos pesos-pesados José Villamarim e Walter Carvalho no ano passado. “Vim para o Rio de Janeiro em busca de novos campos de trabalho. Fiz a série e o convite para ‘Malhação’ foi mais um presente, conta. “No começo me assustei por conta do sotaque, não sabia se seria um empecilho para trabalhar aqui. Gosto de afirmar a musicalidade nordestina. Mas faria uma carioca, uma gaúcha ou uma paulista sem problema”, afirma.

A atriz Quitéria Kelly brilha como Neide, uma diretora de escola em "Malhação - Toda Forma de Amar" (Foto: Cris Lucena)

A atriz Quitéria Kelly brilha como Neide, uma diretora de escola em “Malhação – Toda Forma de Amar” (Foto: Cris Lucena)

O sotaque de Quitéria nascida em João Pessoa, mas criada em Natal desde os 9 anos, porém, não interferiu em nada para a simpática atriz interpretar a Umbelina, de “Como Nascem…”, nem a Neide, coordenadora do colégio Otto Lara Resende na novela teen, que está no ar desde 1995. Dá para entender o porquê de a atriz considerar a personagem um presente: “É louvável a emissora convidar uma nordestina para interpretar uma professora, e não a babá ou a empregada. A visão do artista nordestino está mudando. Os prêmios em Cannes para o cearense Karim Aïnouz (“A vida invisível de Eurídice Gusmão” foi eleito o Melhor Filme na mostra paralela Um Certo Olhar) e o pernambucano Kleber Mendonça Filho (seu longa “Bacurau” ganhou o Prêmio do Júri) só ajudam. Em ‘Como Nascem Os Fortes’, a maioria do elenco era formada por atores nordestinos”.

No caso da Neide, a imagem do nordestino fica ainda melhor na fita, já que ela não é apenas mais uma professora que dirige uma escola, mas uma senhora educadora: “Ela tem uma visão progressista da educação. Incentiva a arte num lugar periférico, circundado pela violência. A Neide acolhe, escuta, aconselha”, observa Quitéria. “Os conflitos vividos pelos alunos são muito reais. São jovens que engravidam na adolescência, encaram milícias no dia a dia, se vêem diante do tráfico e do uso de drogas. É importante ‘Malhação’ trazer todos esses debates para a televisão. A novela vem retratando muito bem o jovem brasileiro desse extrato social”, frisa.

“São jovens que engravidam na adolescência, encaram milícias no dia a dia, se vêem diante do tráfico e do uso de drogas. É importante ‘Malhação’ trazer todos esses debates para a TV” (Foto: Cris Lucena)

Quitéria elogia, também, o fato de a ação se passar em uma escola pública, e não em uma instituição particular onde os alunos têm inúmeras facilidades a seu dispor. Mas aponta para o risco de o país perder conquistas tão arduamente obtidas no campo da educação. “Os jovens estavam conseguindo sair da escola pública, com todos os problemas que elas têm, e entrar na universidade. E aí começaram a demonizar Paulo Freire! A educação vinha passando por uma transformação, tornando-se mais libertária. E, de repente, tudo isso é abandonado para dar lugar a um ensino tecnicista, em que se decoram textos e fórmulas”, indigna-se Quitéria, citando uma frase do maior educador do Brasil: “De pé descalço também se aprende a ler”.

O fato de Neide ser separada e ter adotado um menino sozinha quando ele tinha cinco anos (o adorável Bill Clinton), leva nossa conversa para a questão da mulher que precisa se virar e, claro, se realizar sem contar com muita ajuda. Na chamada vida real, Quitéria Kelly também é separada e cria sozinha suas duas filhas: “A realidade do país é essa, mulheres sozinhas criando filhos. E é isso mesmo. O lugar da mulher é de conquistas e independência”.

As conquistas da atriz são muitas, especialmente no teatro. Quitéria é fundadora do prestigiadíssimo Grupo Carmin, criado em 2007 em Natal. Formada em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ela já fez parte do elenco de peças como “Pobre de Marré”, “Por que Paris” e “Jacy” – esta última eleita uma das dez melhores de 2015 pelo jornal O Estado de São Paulo.  Em 2017, a atriz estreou como diretora em “A Invenção do Nordeste”, espetáculo que recebeu prêmios, como o Shell de Dramaturgia, o Cesgranrio de Melhor Espetáculo (2018) e o Prêmio do Humor de Melhor Direção, Dramaturgia e Peça, além do APTR de Dramaturgia e Ator Coadjuvante.

Novo espetáculo do grupo Carmin será sobre como surgiu a classe média brasileira (Foto de Cris Lucena)

Novo espetáculo do grupo Carmin será sobre como surgiu a classe média brasileira (Foto de Cris Lucena)

Entre os muitos planos de Quitéria que diz estar amando o Rio (“Minhas filhas estudam no Liceu Molière e adoro levá-las a pé para a escola, me sinto em total segurança”) está a montagem do novo espetáculo do Carmin, que levará ao palco questionamentos sobre como surgiu a classe média brasileira, com estreia marcada para novembro. E tem também a temporada carioca de “A Invenção do Nordeste”, entre os dias 18 e 28 de julho, no Teatro Carlos Gomes.

Não vai dar para perder.