*Por Jeff Lessa
Muitos atores se gabam de ser discretos na vida e ousados em seus projetos artísticos, mas poucos são os que realmente conseguem cumprir esse ideal. Bruno Bellarmino consegue. Nascido e criado em Olinda, Pernambuco, o ator de 38 anos, que em abril chega à tela da Record no papel de Ekur, na superprodução bíblica “Gênesis”, vem pautando sua carreira pela minuciosa construção de cada personagem. Foi o que fez com o papel que o projetou para a fama, o Luizão da série “Supermax”, mistura incomum de thriller policial, terror, suspense e romance passada durante um reality show gravado numa penitenciária de segurança máxima desativada, localizada na Floresta Amazônica.
“Foi a minha primeira oportunidade de mostrar um personagem na íntegra. Me deu uma visibilidade muito grande. Passei um mês me preparando e, no final, vi uma evolução muito grande”, conta Bruno sobre seu personagem, um ex-lutador de MMA atormentado pela culpa que tenta controlar a violência e o ódio imensos que traz dentro de si. “Atualmente, ‘Supermax’ está sendo exibida pela Amazon, nos Estados Unidos, e também está passando na Coreia do Sul. É muito interessante receber mensagens de espectadores desses países. Não tem dinheiro que pague o reconhecimento, que vem tanto de brasileiros que moram fora como de estrangeiros. E sempre falam dos meus olhos, algo que trabalhei com muita intensidade nesse personagem”.
A paixão pelo ofício começou na infância. “Sempre fui uma criança muito criativa (risos). Essa criatividade aflorava quando eu estava junto com outras crianças. As professoras me chamavam quando havia a chance de me fantasiar e eu não sentia a menor vergonha”, recorda-se, divertido. “Mas isso ainda era brincadeira. Quando tinha 12, 13 anos, fui a um show de hard punk organizado por jovens da comunidade e suas bandas. Quando vi pessoas da minha idade produzindo, quis ser igual. O que eles diziam no palco era o que eu sentia sobre o bairro, a pobreza, a revolta. Foi a minha primeira revolução e manifestação cultural. Senti essa vontade de passar mensagens através da música e produzir. A seriedade veio aos 15 anos, quando comecei a tocar numa banda de punk rock em Jardim Brasil, Olinda, às margens da histórica Cidade Alta, onde cresci”.
Mesmo sendo ameaçado de morte no bairro (“Tinha gente que não queria que fizéssemos os shows”, diz), Bruno prosseguiu com o trabalho artístico. A chance de se lançar veio com a chegada de uma ONG alemã que escolheu 20 jovens em situação de risco para montar um grupo de teatro. “Senti que poderia fazer arte profissionalmente. Foi no grupo que tive as minhas primeiras noções de humanidade, também. Mas segui a vida. Fui gerente em uma empresa multinacional, vendedor… aliás, eu era um excelente vendedor! Intuía o que as pessoas queriam, sabia lidar com elas”, conta. “Até o dia em que me senti pronto para me desgarrar. Enterrei meu pai e, naquele momento, senti que a vida estava dizendo ‘Agora somos nós dois, Bruno’. Antes eu me sentia na obrigação de ficar e dar força para ele, minha mãe e os dois irmãos mais novos (Juliane e Breno Belarmino). Quando joguei a terra no caixão dele, era como se estivesse ao meu lado. Terceiro ato: velório do pai, enterro, Bruno Bellarmino. Quarto ato: vai!”.
Com 30 anos, foi para São Paulo sozinho. “Não conhecia ninguém. Na verdade, só o Eucir de Souza, que também é ator. Cheguei em março de 2011 zerado. Fiz o que todo brasileiro faz, se vira para viver, para estudar, para comer. Percebi onde estavam as melhores soluções para a minha sobrevivência em São Paulo e fui de porta em porta nas agências conhecer as pessoas. Hoje percebo que fiz tudo certinho. Tudo. Fico feliz pela garra que eu tive”. De lá para cá, Bruno acumulou tantos papéis em séries e webséries que já foi até chamado de Rei das Séries.
Além do Luizão de “Supermax”, vale destacar o Vagner de “Carcereiros” (Globo), o Jair Cabeçada de “Rio Heroes” (FOX) e o Gerson de “3%” (Neflix). Seu primeiro trabalho de maior peso no cinema foi na comédia “Gostosas, Lindas e Sexies”, dirigida por Ernani Nunes em 2017, em que atuou ao lado de Carolinie Figueiredo, Mariana Xavier, Cacau Protásio e Lyv Ziese. Agora em 2020, ele estreia os longas “Sem Pai nem Mãe”, dirigido por André Klotzel, e “O Último Jogo”, de Roberto Sttudart.
Na TV, estará nas séries “Noturnos” (no Canal Brasil, com direção de Aaron Salles e Caetano Gotardo), “Reality Z”, da Netflix, dirigida por Cláudio Torres, e na quarta temporada de “Rotas do Ódio”, do Universal Channel, com direção de Suzana Lira e Vinícius Reis.
“Construí um nome e migro de uma plataforma para outra. Não sou o tipo de ator que se encaixa no perfil de ter um contrato fixo, quero estar em todas as plataformas, ocupar todos os espaços”.
Em Olinda, Bruno passou a ser visto como referência pelos companheiros que ficaram: “Eles perguntavam se eu achava que era tão bom assim. Eu dizia que não apenas achava como ia provar que era. Subir num palco e contar uma história que não é a sua é um tremendo ato de coragem. A força que a arte me proporcionou foi fundamental e maravilhosa para a minha reconstrução”.
Disciplinado e focado no trabalho, o ator vê espaço para o acaso em sua carreira. Seu primeiríssimo filme foi o elogiado “Paraísos Artificiais”, de Marcos Prado, autor do premiado documentário “Estamira”, que também estreava na direção de longas de ficção. Produzido por José Padilha e estrelado por Nathalia Dill, conta uma história de amor ambientada no universo das festas rave – no caso um evento de música eletrônica inspirado pelo festival de arte e cultura alternativa Universo Paralello, que chega a reunir dez mil pessoas numa praia paradisíaca da Bahia.
“Eu estava ‘puxando ferro’ e um amigo avisou que iam pagar R$80, por dia para fazer figuração no filme, bastava passar o dia inteiro na praia. Montei na moto e fui para a agência me inscrever. Conheci dona Teresa, a proprietária, que disse que eu tinha cara de ator e me mandou para outro endereço, onde estavam recrutando atores e pagavam muito mais. Fui, fiz o teste e, duas semanas depois, recebi um telefonema informando que havia passado”.
A grana recebida pela participação no filme, lançado em 2012, foi usada na viagem para São Paulo e em sua instalação na cidade. O resto é história. Hoje Bruno mora na Bela Vista e curte pensar na vida circulando de bicicleta pelas ruas da capital enquanto ouve música. Dos tempos de jovem que incomodava um certo povo de Olinda com seu hard punk, ficou o adulto que não consegue não se envolver com política. “Gosto muito do assunto e não tem como ser indiferente. Entrei na arte por causa de política, por não estar de acordo com o sistema. No Brasil existe uma ideia errada sobre debate. Tratam a discussão como se fossem times, quando, na verdade, a política é um meio de se mudar a sociedade. O debate que vemos hoje é raso”, dispara.
“Quando vejo um político preocupado em pontuar questões morais dos outros preciso combater. Isso é injustiça social. Tenho um irmão mais jovem homossexual. Meu medo era de que fizessem alguma violência com ele por terem rixa comigo. Hoje tenho medo de que o maltratem por ser quem é. Mas jamais aceitarei enfrentar essa situação na base da violência como muitos acham ser correto.
De bem com a vida, Bruno namora a atriz Renata Maia e tem um plano que deseja realizar ainda neste ano: “Quero muito viajar para o exterior. Preciso me conectar com outras culturas e povos”.
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