*Por Junior de Paula
Nathalia Dill é uma bela surpresa. A frase anterior poderia, claro, ser levada ao pé da letra, já que a atriz é dona de uma beleza clássica que enche os olhos desde o momento em que ela entra no camarim da Cidade das Artes para a nossa sessão de fotos de cara limpa, uma calça jeans e um suéter. Mas a bela surpresa a que me refiro é em outro sentido, no mais amplo que a palavra supresa pode ter. Nathalia é inteligente, sabe o que diz e sabe como dizer, tem repertório, referência e humor. Nada muito histriônico, porque ela é cool, fala baixo, tem movimentos discretos, mas uma graça cheia de ironia e uma pitada de sarcasmo. Ela conta uma história e reproduz as vozes, muda o tom, a expressão do rosto e vai fazendo todo mundo se interessar – e se divertir – pelo que fala. E, aliás, histórias, falas, dizeres e conversas não faltaram nas muitas horas que ela passou trocando de roupa, de maquiagem, posando, respondendo perguntas e se escondendo do frio que fazia numa tarde de inverno nublada na Barra da Tijuca. Nathália, na matéria e nas fotos maravilhosas, clicadas pela equipe dos sonhos formada pelo fotógrafo sensível Alex Santana, pela dupla de stylists deluxe Juliano Pessoa e Zuel Ferreira e pela beleza da prodígio Nathalie Billio, que se lê e se vêem a seguir, se mostra inteira, plena e do jeito que quer se mostrar. Porque Nathália pode tudo.
Se sua Branca, de “Liberdade, Liberdade” tem personalidade de sobra e luta pelo que quer mesmo nos tempos difíceis, então Nathalia Dill se parece com ela. Mas só até aí. A inimiga declarada da heroína Joaquina (Andreia Horta) durante a Inconfidência Mineira é mimada, arrogante e capaz das maiores vilanias para atingir seus objetivos, o que fez com que os fãs a comparassem com… Débora, a primeira antagonista de Nathalia, lá atrás, em “Malhação” 2007. E tem sentido. É que, como diz a própria intérprete, “as histórias se repetem”. “Alguém falou que a Branca era tataravó da Débora. Tem algumas coisas a ver, sim. As duas colocaram barriga falsa, eram ricas. Se a gente ficar procurando, acha semelhança em tudo. A graça é achar a diferença. Se você prestar atenção, sempre tem uma grávida, um casamento, um amor. É isso. São elementos que permeiam a história, o conto, a novela. A graça é achar onde cada trama vai brilhar mais, se sobressair. O que eu gosto é isso. Bem ou mal, existem semelhanças óbvias entre a Débora e a Branca. Mas tem tantas diferenças e tão ricas. Desde a época, o sotaque, o raciocínio, a fala, o texto”, analisou.
De fato, existem grandes diferenças, mas a maior delas – por incrível que pareça – é fruto da própria atriz. “Depois de dez anos, a gente vai passando por algumas experiências e juntando mais um pouquinho de tudo e das referências. Assistir ao Sergio (Guizé, namorado e ator) trabalhando é muito incrível também. Eu fico vendo a novela com ele e não acredito que ele tenha feito algumas coisas. Dá para ver que ele inventou, sabe? Ao mesmo tempo é uma liberdade artística e um desprendimento que eu fui experimentar também. Por que não? A gente fica, às vezes, querendo muito acertar e dá medo porque é um tiro no escuro. Não dá para saber o que vão achar”, disse. Cheia de ideias na cabeça e apaixonada por pesquisas, Nathalia nem precisaria de ajuda para compôr seus personagens, mas sua Branca teve uma mãozinha da coach Andréa Cavalcanti. “Ela acompanhou o nosso começo, me ajudou a construir a Branca e por causa dela o trabalho ficou mais rico. Todo mundo comenta várias ideias que foi ela quem deu”, contou Nathalia, que revelou, ainda, que o processo da trilha musical da personagem também mudou ao longo das cenas no estúdio. “Outro dia eu estava conversando com o responsável pela trilha sonora, que é maravilhosa, e ele disse que tinha escrito um piano antes para a Branca, porque ele não sabia ainda como era. Depois de me ver em cena, trocou para aquele cravinho. E, quando entra a trilha, é genial, porque é algo que compõe e arremata a piada, o tempo, o tom. Por isso que é diferente quando assiste na televisão”, analisou ela, que explicou: “O cravo dá um humor, uma leveza, um ar de farsa. É muito legal”, revelou.
Nathalia, aliás, acha o humor uma arma poderosa em tempos de cólera, principalmente quando se levanta questões tão importantes e atuais, como o racismo, o machismo e outros preconceitos enraizados há tanto tempo na nossa sociedade. “É uma boa forma de crítica, mas também tem que ter um limite para ficar fazendo piada em cima de uma questão racial ainda existente. E, coincidentemente, eu estava lendo ano passado várias coisas sobre escravidão. Eu li ‘1822’ e o ensaio do Joaquim Nabuco, ‘A Escravidão’, em que ele, que é advogado, faz um tratado explicando porque tem que acabar com aquilo. E são coisas óbvias. Eu fui lendo aquilo e vendo como era recente e arraigado e que tinha que explicar o porquê tinha que acabar. E a escravidão era um problema econômico, pois você quebrou um monte de gente. Enfim. Eu estava lendo isso e, para fazer a novela, eu fiquei me perguntando se eu também tinha que tomar cuidado para não ficar usando isso de escada, porque era um problema muito sério, recente e mal resolvido na nossa sociedade. Então tem que tomar cuidado para também não virar uma chacota muito grande a ponto de ultrapassar o respeito da história”, disse.
Pensa que é só? Pois Nathalia acredita que muitas situações continuam iguais à época da trama das 23h, que se passa no século XIX. E tem exemplos claros para provar o que pensa. “O Ministério formado só por homens brancos, por exemplo, mostra o quão desigual está entre homem e mulher e negro e branco ainda hoje. Da época de ‘Liberdade, Liberdade’ não mudou muita coisa. Desde quando os escravos foram libertados até bem pouco tempo atrás não teve nenhuma política de inclusão. Só agora que a gente está vendo uma mudança neste sentido”, protestou. Falando nas minorias, os direitos dos homossexuais e a educação da sociedade diante de um casal de mesmo sexo também são preocupantes na cabeça da atriz. “Um da eu estava falando sobre o racismo com um motorista de uber e chegamos ao assunto dos homossexuais. Ele disse que não tinha nada contra, que só não concordava. E eu disse que ele não podia não concordar, não é isso. O único direito que ele tem é de não ser. É o mesmo de eu falar que não quero engravidar esse ano, só daqui a cinco anos. Você não pode falar para mim que você não concorda. O que você tem a ver? Aí ele ficou meio sem palavras e disse que não queria que o filho visse. E eu disse que ele tinha que querer sim que o filho visse. Ele tem que ver. Amor é pra ser visto”, contou Nathália.
Tanta opinião a respeito de qualquer assunto vem de cedo – assim como o amor pela carreira artística. “Eu estudei no Espaço Educação, que era uma escola pequenininha, que tinha teatro. Tinha no currículo e dava para fazer extra-curricular também. E essa aula extra virou um grupo, porque a escola acabava na 4° série, mas a gente continuou por uns três ou quatro anos ainda. Depois eu estudei na Escola Parque que também tinha teatro. A partir daí, eu comecei a procurar fora. Fiz Lauro Alvim, Daniel Herz e entrei na companhia do Michel Bercovitch, que são diretores incríveis, e fiz algumas peças com ele. E aí já prestei faculdade de direção teatral”, lembrou. E foi por lá, no campus da ECO, da UFRJ, que Nathalia teve contato com outras áreas da arte como cenário, iluminação, teoria, filosofia e diversos pensadores. “Eu acho que tinha o pensar poético e estético e outros pensamentos também, isso era o mais interessante. Você fica focado no espetáculo e no que você quer dizer também. Aprofunda a teoria teatral. E oportunidade de experimentar, né? Quando eu estava ali, meio que me sentia iniciante, mas hoje eu vejo como o espetáculo era super desenvolvido e às vezes melhor do que muita coisa do que a gente vê fora”, explicou.
Falar de política com Nathalia, aliás, é certeza de opinião forte. “O (Michel) Temer acabou de tirar a urgência da lei da corrupção. Sempre foi uma piada, a gente sempre riu. Todo mundo sempre falou que é a maior roubalheira, sabemos que tudo é superfaturado. A gente sempre soube, sempre se falou mas nunca se provou. E, pela primeira vez, as coisas estão, realmente, aparecendo. O que é bom, mas é muito triste e vergonhoso, porque o dinheiro está aí, a gente paga muito imposto. Antes, a grande revolta era porque pagava-se 1/5 do ouro. Hoje, a gente paga 1/3 e não serve para nada, porque é tudo em dobro. A gente tira 27% do nosso salário, que é quase 1/3, e tem que pagar transporte, escola, plano de saúde, tudo de novo. A gente não usa nada, não sobra nada”, analisou ela.
Apesar disso, a atriz consegue ver um lado bom em todos os problemas: “Pelo menos, eu acho que, pela primeira vez, a gente está se movimentando. A internet é incrível nisso. As pessoas estão falando, dando força umas para as outras, como o caso das mulheres e das agressões, por exemplo. Elas estão vendo que o que passaram foi uma agressão, um abuso. É informação, né? A gente é muito desinformado e a internet tem ajudado em relação a isso”, afirmou ela, que tem usado mais as suas redes sociais. “Eu não lidava muito bem não, sempre tive uma certa dificuldade. Eu era daquelas que não gostava de rede social. Mas é tão bom a gente poder falar. Eu tenho um pouco de dificuldade e mantenho uma certa distância, mas só de a gente poder ter uma voz e falar com os outros é muito legal. Tem uns movimentos muito bacanas acontecendo. Eu acho importante”, explicou.
Daquelas que não tem medo de falar sobre qualquer assunto, logo se vê que Nathalia tem bagagem de sobra – muito disso ela credita, também, aos estudos. A atriz não chegou a se formar em Direção Teatral na UFRJ, mas aprendeu muito por lá. “Eu tenho vontade de dirigir, de fazer, com as minhas amigas, um projeto colaborativo que a gente sempre ensaia, mas a vida dá uma bagunçada. Você precisa de energia e tempo para criar algo, montar tudo”, explicou. E o que mudou de lá para cá, da estudante de teatro do campus da UFRJ à atriz consagrada da Rede Globo? “Sou mais ansiosa, com certeza, com o horário. Hoje em dia eu já como mais rápido (risos). Antes eu demorava horas para comer. Mas uma coisa muito legal da TV, que eu acho que não tem em lugar nenhum, é a mistura. A gente aprende a ser mais receptivo e compreensivo com o diferente. Na faculdade, são aquelas pessoas que gostam da mesma coisa. Na faculdade pública você até tem um universo mais diferente, mas o pensamento continua sendo meio parecido do pessoal de teatro. São as mesmas pessoas, que gostam das mesmas coisas, frequentam os mesmos lugares, vão nos mesmos bares. E na TV você tem uma mistura de tudo. Gente de outros lugares do país inteiro, de famílias diferentes, com objetivos diferentes. Tem uma diversidade que não é só de onde veio, é do que quer também. É muito misturado. Que projeto que você faz que tem gente do país inteiro?”, questionou. E, se viver de arte no Brasil é complicado, tudo piorou com a crise e a recessão econômica.
“A TV é uma forma de eu poder sustentar a minha vida e a minha casa e também explorar a arte que foi o que eu sempre busquei. Eu me sinto sortuda, porque eu tenho orgulho de todos os projetos que eu fiz, da minha trajetória. Além de eu conseguir me sustentar e viver bem, o que é um sucesso nesse país, eu fico com muito orgulho de tudo o que eu fiz. Eu gosto muito e tive prazer em todos os meus trabalhos”, afirmou. Motivo é o que não falta, afinal, ao longo de sua carreira na televisão, Nathalia viveu os mais diversos tipos de personagens, desde vilãs a mocinhas, passando por meninas mimadas e até a Santinha de “Paraíso” – uma personalidade totalmente oposta a sua em diversos aspectos. Um exemplo? Religião. “Eu não tenho, sempre fiquei constrangida de dizer isso. Mas agora eu acho que não fico mais, não. Não é que eu não acredito na religiosidade, pelo contrário. Eu acredito em todas, até frequento. Às vezes eu vou à igreja, ao centro espírita… Eu respeito e acredito na energia de todas, justamente porque eu acho que todas têm um objetivo em comum: deixar as pessoas melhores umas para as outras. E eu acredito que existe uma energia em algo maior. Mas eu paro aí também, não consigo ir além. Quando isso já começa a influenciar o modo político e educacional de uma sociedade, eu prefiro ficar de fora”, opinou.
Tanto talento e personalidade foram os responsáveis por fazê-la chegar no topo da emissora: Nathalia é, hoje, uma das mais cotadas atrizes da televisão. “Eu vou fazer a novela das 19h ‘Rock Story’, adoro o nome. Vai ter bastante música. Essa história vai ter o Vladimir Brichta como protagonista vivendo um cantor do ostracismo já passado e tem um novo que é bombadinho jovem que é o Rafael Vitti. Eu faço a mocinha, que está fugindo da polícia e ela tem uma irmã gêmea. Então eu vou fazer dois papéis”, adiantou ela, que já tem visto outras obras com gêmeas. “Outro dia eu estava assistindo o Canal Viva e parei para ver ‘Mulheres de Areia’. É engraçado, porque às vezes parece que a Glória Pires não está fazendo esforço nenhum e mesmo assim a construção da Ruth e da Raquel é completamente diferente”, observou. Inquieta, ela ainda tem planos para o cinema, com o lançamento neste semestre de ‘Por Trás do Céu’, dirigido pelo Caio Sóh, e para o teatro. Sorte a nossa – afinal, quem não quer mais Nathalia na vida?
CRÉDITOS:
Foto: Alex Santana
Styling: Juliano Pessoa e Zuel Ferreira (Assistente: Maria Whitaker)
Beleza: Nathalie Billio
Tratamento de imagem: Junior Reis
Agradecimentos: Cidade das Artes, Ju Mattoni Comunicação
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