* Por Carlos Lima Costa
Há cerca de dois meses, a atriz Jacqueline Sato apresenta, na Band, dois programas, que se encaixam como uma luva com seu perfil. Encantadores de Pets dá visibilidade a ONGS e Associações de Proteção Animal, tema que ela domina. Inclusive, com sua associação House of Cats, ajuda a encontrar um lar para os gatos. O outro programa, Bruce Lee – A Lenda, fala sobre o lutador de artes marciais e ator, que a remete a questão da representatividade amarela que ela considera de extrema relevância.
“As artes marciais não teriam tido toda repercussão se ele não tivesse sido esse precursor. É um ícone, circulou por muitos lugares. E não se restringia ao físico, tinha sensibilidade e filosofia interessantes. Aquela que fala, seja água para se adaptar aos lugares e as situações, faz sentido, porque estamos em constante mudança. Com seu protagonismo, as pessoas souberam um pouco mais sobre como são os chineses”, frisa ela.
A respeito dessa questão, Jacqueline faz um relato pessoal sobre questionamentos internos que teve na infância, por não se sentir representada. “Quando era criança, queria ser diferente, porque o que eu achava bonito era diferente de mim. Isso me foi imposto pela sociedade, pelo que eu via sendo valorizado ou considerado belo. Não me achava bonita, queria ser loira de olho azul como eram as minhas bonecas e as meninas dos filmes e novelas que eu assistia. Quando tinha cinco anos, achava que poderia ficar diferente. Para você ver o tamanho da influência de um fator externo em uma criança. Por exemplo, a primeira menina que eu vi que de alguma forma tinha algo parecido comigo, que eu via essa representatividade acontecer na TV, foi a Daniele Suzuki, quando ela participou da Malhação. Eu já tinha 15 anos”, acrescenta.
Atualmente, claro, sua opinião é diferente. “Hoje em dia, gosto de quem eu sou. O que precisa mudar é a sociedade para que haja mais inclusão, diversidade e representatividade. Ainda tem muito o que melhorar”, relata Jacqueline, cujos pais são brasileiros, mas tem ascendência japonesa pelo lado paterno. Seu avô veio para o Brasil. Na parte materna, existe uma mistura de alemão, espanhol, indígena e português. “As pessoas não param muito para prestar atenção. Ainda existem muito menos oportunidades para pessoas que tenham essas características fenotípicas. A partir do momento que você vê pessoas que de alguma forma se parecem com você ocupando espaços, isto é de extrema importância. Falo para outras meninas que também sonhem, queiram e entendam que elas podem ocupar esses espaços no audiovisual, nas capas de revistas, em tudo. É importante a gente ver e ter a multiplicidade étnico racial brasileira nos produtos, porque o Brasil é isso, essa mistura de diferentes etnias. Mas ainda, hoje, há uma dominância que é desproporcional”, ressalta.
Em que momento começou a se achar bonita? “Não teve um dia ou um momento. Isso é um processo, uma construção, um entendimento do seu lugar no mundo, autoconhecimento de se enxergar. Fui desconstruindo essa opinião externa que talvez me invadisse muito, para ter o meu próprio olhar, a minha própria opinião e entendimento da diversidade. A humanidade é diversa e o meu jeito único de ser também é bonito e não preciso querer me mudar. Foi algo que foi vindo da infância e foi se transformando, ganhando cada vez mais peso até a idade jovem adulta. Isso é interessante. A partir do momento que fui enxergando isso em mim, fui querendo que outras pessoas também enxergassem e quisessem essa mudança. Essa urgência foi aumentando talvez por eu ver que estava sim crescendo, mas a mudança com relação a ver outras pessoas como eu ocupando os espaços e sendo valorizadas não estavam mudando muito”, pondera.
E completa: “Ainda bem que esses pensamentos da Jacque criança foram ressignificados. Hoje, sou muito feliz com a pessoa exatamente como eu sou. Quando você sofre algum preconceito ou dificuldade, precisa se auto curar, ressignificar todas essas coisas para viver de forma leve e falar sobre o assunto para fazer com que mais pessoas pensem sobre isso. Hoje em dia eu converso e com o objetivo de jogar luz a algo que para muita gente passa desapercebido”, esclarece ela, que acaba de repaginar o visual. Além de cortar os cabelos – eles nunca estiveram tão curtos -, ela deu uma iluminada nos fios. Já tinha feito isso para personagens como os das novelas Além do Horizonte e Sol Nascente, da Globo. Pela primeira vez foi uma decisão pessoal.
A falta de inclusão, misturada ao preconceito ela viu nitidamente quando estourou a pandemia do Covid-19, no discurso de políticos e de outras pessoas falando que o vírus era chinês. “Tem preconceito junto com certeza, mas claro que tem também a influência política, mas uma política preconceituosa. Aqui no Brasil, a gente sabe que tiveram vários casos de pessoas que eram amarelas e sofreram preconceito mesmo, tipo ‘ah, não vou entrar no mesmo elevador com esse chinês’, sendo que a pessoa nem era chinesa. E aqui no Brasil o vírus chegou através de uma pessoa que veio da Itália. Quer dizer, ficavam com preconceito sim com pessoas que tinham essa característica fenotípica e colocavam tudo em um balde só. Não importava se você era descendente de japonês, coreano ou chinês. Isso não aconteceu comigo, mas ouvi relatos de pessoas que passaram por situações horríveis”, lamenta.
Por falar em pandemia, Jacqueline lembra como foi esse período na vida dela. “Ninguém deve ter passado por isso de forma tranquila. Eu dei uma surtada e tive momentos de uma montanha russa emocional mesmo, não pelo fato de não poder sair. Isso, claro, incomoda, mas me afeto muito pelos problemas que estão acontecendo com pessoas que eu não conheço. Quando a pandemia chegou aqui e eu vi o tamanho da encrenca, fiquei com medo da proporção que podia chegar, da quantidade de gente que podia morrer. Foi difícil assistir todo esse sofrimento e de alguma forma me sentir impotente, porque o máximo que eu podia fazer era doar algo para alguma organização que estivesse ajudando. E ficar quieta na minha. Foi o que fiz. Cuidei da minha avó Evani durante todo o processo. Eu a levei para ficar comigo e, em agosto, ela foi para a casa dos meus pais, Nelson e Magali, pois estava morrendo de saudade da minha mãe. Mas aí já tinham todos se adaptados a essa nova realidade. Nossa senhora, virei a fiscal da família, passando todas as orientações, os cuidados”, explica. Jacqueline não perdeu ninguém da família ou pessoa mais próxima. “Nossas vidas mudaram, mas, graças a Deus, as pessoas mais próximas estão bem de saúde, até minha irmã, Patricia, que é médica e foi para os hospitais de campanha”, conta.
Agora, Jacqueline está mesmo focada nos programas. Em relação às artes marciais mostradas através da história de Bruce Lee – norte-americano, filho de pais chineses, que exaltou seu povo e sua cultura em filmes -, Jacqueline conta que por volta dos 20 anos praticou kung fu e muay thai. “Foi um aprendizado. Como atriz, é bacana ter habilidades na manga se a gente precisar para alguma personagem, como saber lutar, dançar, cantar”, enumera. Já Encantadores de Pets fala de uma grande paixão. Não é a toa que ela tem gatos, cachorros, calopsitas e uma tartaruga, divididos entre o apartamento aonde mora, em São Paulo, e a casa dos pais.
“Sempre tive muito contato com os animais, faz parte de mim, não consigo nem imaginar a minha vida sem os bichinhos”, diz. O programa conta com dois especialistas internacionais em comportamento animal, o americano Jackson Galaxy e o mexicano Cesar Millan, que entendem respectivamente de felinos e cães. “Eles são incríveis, tem grande conhecimento e podem ajudar as pessoas a lidar melhor com seus animais. O conteúdo deles vem de fora, já tem tempo que fazem sucesso. Mas fiz uma entrevista exclusiva com o Jackson, que irá ao ar em breve”, aponta e planeja conseguir o mesmo com Cesar.
“Ano passado, fui para Los Angeles estudar interpretação e fiquei lá uns três meses. Como tenho esse trabalho com gatos, uma das melhores amigas da sogra do meu irmão, que mora lá, e é vizinha do Jackson, marcou um encontro nosso na casa dela. E ele foi um amor de pessoa, ficou supercontente com o trabalho da House Of Cats, naquela época já tínhamos conseguido um lar para 900 e tantos gatinhos. Hoje, já são 1532 animais que a gente já conseguiu ajudar a encontrar uma casa. Isso foi no começo do ano. Em agosto, veio dar uma palestra, em São Paulo, aí nos encontramos, ele foi visitar a associação”, recorda.
E acrescenta: “Consegui colocar no programa o momento de incentivo a adoção e estou muito feliz com isso, já que trabalho nessa causa já há um tempo. Isso acaba dando visibilidade a outras ONGs e associações de proteção animal, porque a cada programa levo um animal que está para adoção para mostrá-lo e aumentar as chances dele. Estou contente em jogar luz sobre isso”, reflete.
A Associação de Jacqueline cuida apenas dos gatos. “Isso aconteceu ao acaso. Gosto da natureza e dos animais que fazem parte disso. A questão é que na região onde eu morava na casa dos meus pais, não tem muito cachorro abandonado, mas tem bastante gato. Então, era o que cruzava no meu caminho e esses foram os animais que eu pude ajudar. Isso aconteceu naturalmente. Eu tinha nove anos de idade a primeira vez que resgatei um gatinho. Isso foi acontecendo ao longo da vida e a minha família sempre acolheu, apoiou. Fomos fazendo esse trabalho de forma bem amadora, mas o projeto foi crescendo, viramos referência na região, até que criamos a House Of Cats. Graças a Deus, mantemos fluxo de adoção superbacana. Além de ajudar, acho importante dar visibilidade a eles. Até hoje tem gente que fala que não gosta, que tem medo e os gatos são superamorosos, carinhosos, ótimas companhias”, comenta.
Profissionalmente, a pandemia a afetou. “Tenho alguns projetos, por exemplo, de longa-metragens que estavam em desenvolvimento, haviam planos de serem filmados este ano. Agora, não sei exatamente quando vão acontecer. Estou aguardando. Apesar de estar apresentando os programas eu ainda trabalho como atriz. Uma coisa não elimina a outra. Dá para fazer ao mesmo tempo, até porque os programas são semanais (ambos são exibidos aos sábados) e gravados”, aponta.
Algo que vislumbra para o pós pandemia é o casamento. “Gosto da celebração do amor. Quero juntar as pessoas que eu mais amo para estarem junto comigo nessa comemoração e sim, usar o vestido, fazer o cerimonial, porque acho bonito, gosto da ideia. A gente deve fazer sim, mas, com certeza não vai ser pelo Zoom. Eu quero aglomeração, poder abraçar as pessoas, dançar bastante, então, vamos esperar tudo isso passar”, revela ela que mora com o ‘namorido’, o diretor Rodrigo Bernardo. Os dois se conheceram quando ele a dirigiu no filme Talvez Uma História de Amor, em 2015, mas o romance só aconteceu no ano seguinte. E já moram juntos há cerca de três anos.
Um dia, sendo mãe, você provavelmente falará com seu filho ou filha sobre a questão da representatividade para que a história não se repita? “Vou ter sempre um diálogo aberto sobre isso, mas vou sentir muito da criança também, o quanto isso a afeta. Na minha época, não era um assunto conversado, discutido. Não se falava sobre inclusão, diversidade, representatividade. Não era uma pauta. Hoje em dia é e eu espero que seja cada vez mais e se assim for quando tiver os meus filhos vai ser um assunto que vai estar sempre em discussão. Vou sempre tentar mostrar que o mundo é múltiplo sim e que, na verdade, se isso não está acontecendo é porque precisa ser mudado e não ao contrário. Mas em relação as minhas conversas, elas vão demorar. Ser mãe ainda não está nos meus planos muito próximos”, frisa.
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