*Por João Ker
Dov Simens não é o típico professor de cinema. Sem aquela formação acadêmica que normalmente deixa os nerds e teóricos empolgados, o mestre se fez à base do esforço próprio, quando chegou em Hollywood em 1980, com 40 anos. Começou aos poucos, pegando freelas e trabalhos secundários, até ser convidado pela UCLA – Univeristy of California, Los Angeles para ministrar uma aula especial sobre produção para cinema. A partir daí, foi aceitando convite após convite, tendo como pupilos gente do calibre de Quentin Tarantino, Will Smith e Martin Scorcese. Agora, ele trouxe ao Rio o mesmo curso intensivo –“Hollywood 2 Day Film School” –, que acaba de finalizar, com patrocínio da Rio Filmes, nesta quarta-feira (29/10). HT encontrou uma brecha na agenda apertada do produtor – que odeia a palavra “cineasta” – e bateu um papo franco sobre a indústria do cinema aqui e lá fora, investigando como é dar aula para os vencedores do Oscar e como se faz para ganhar a vida na indústria cinematográfica.
Conhecido pelo “tough love”, Dov não mede palavras e solta frases do tipo “Curtas-metragens são estúpidos” e outras cositas coisas do gênero. Ele repudia a visão romântica acerca do cinema e vê a arte como produto financeiro, uma genuína forma de renda, declarando que um dos seus filmes preferidos é “Sex And The City 2”, “porque é um comercial gigante que as pessoas compraram”. Sim, ele não tem papa na língua. Confira!
HT: Como você entrou na indústria cinematográfica?
DS: Eu disse que queria fazer isso. Comprei os direitos de um livro, escrevi um roteiro. Não foi fácil, porque eu não tinha dinheiro algum. Eu achei que conseguiria alguma coisa, mas não aconteceu e eu falhei, mas ao tentar e fracassar no mundo de verdade, nós conseguimos aprender de verdade. Então eu aprendi que o primeiro emprego que eu teria seria como “leitor independente”. Então, nos três anos seguintes, eu trabalhei com aproximadamente 15 companhias de produção, recebendo de U$25 a U$35 para ler cada roteiro que chegava. Essa foi minha função depois de passar um ano em Hollywood, adquirir algumas propriedades, tentar produzir e ter falhado felizmente.
HT: Você sempre quis trabalhar com cinema ou foi algo que simplesmente aconteceu?
DS: Eu fiz uma decisão. Já tinha negócios há cerca de 25 anos e era dono de uma livraria. Eu então decidi que não queria mais lidar com livros e disse: “Hollywood, eu quero fazer filmes!”. É aí que entra a principal diferença entre os Estados Unidos e o Brasil. Vocês são muito socialistas e românticos em relação ao cinema. Bem, todo mundo é romântico quando decide entrar nesse negócio, mas parece que o Brasil nunca sai dessa fase. Eu era romântico também, mas então decidi colocar isso adiante e disse “Ok, vamos fazer”. Um certificado ou um diploma não vão fazer com que as pessoas me contratem. Basta colocar o seu corpo onde o negócio está. Comece fazendo e você aprenderá bem rápido. Basicamente, você aprende falhando. E foi o que eu fiz: não consegui produzir, então tive que financiar meu primeiro roteiro com dinheiro do próprio bolso. Eu então comecei a ler os roteiros e aprendi um pouco de história no processo. Me tornei um produtor associado, o qual na verdade não te ensina nada. Eu era o funcionário mais velho dali e pouco a pouco fui sendo promovido, até que me tornei produtor e alguém da UCLA me convidou para dar aulas.
HT: O que é necessário para um filme ser bem sucedido?
DS: Manufaturar para o marketing. A área de marketing dos brasileiros consiste em 2.700 cinemas. Nos Estados Unidos temos 50.000 cinemas.
HT: Como foi minsitrar aulas para celebridades que fazem a indústria acontecer, como Will Smith, Quentin Tarantino e Martin Scorcese?
DS: Quentin tinha escrito mais ou menos cinco roteiros, então ele não era ninguém de verdade. Ele simplesmente havia desenvolvido algumas histórias e conseguido vendê-las. Will Smith era um ator de TV bastante famoso, mas nunca havia assinado um cheque para alugar câmera, equipamento e começar o próprio negócio. Eu não me lembro de ter visto nenhum deles na aula. Mas um ou três anos depois eu estava em um Festival e eles chegaram se apresentando “Eu sei que você não se lembra de mim, mas eu te conheço. Eu estive na sua aula” e eu “Sério?”. Eles normalmente chegam atrasados e sentam no fundo, sem falar com ninguém. Me avisaram dez minutos depois que o Will Smith estava na minha aula.
HT: Como você acredita que a internet mudou a indústria?
DS: Tornando o marketing mais barato e acessível para filmes independentes. Há dois mundos: há Hollywood com seu “studio system” e um certo tipo de “independent system”. Hollywood é cheia de outdoors e anúncios nos jornais, TVs, revistas e rádios. Assim, eles fazem eventos gigantes e conseguem atenção global. Os cineastas independentes não têm muito dinheiro, então por muito tempo eles não podiam anunciar seus lançamentos. Mas, agora, com a internet e o que você pode fazer com mídias sociais e blogs, há uma nova plataforma de divulgação para filmes de baixo orçamento. Há como conseguir lucro.
HT: Mas os grandes blockbusters também se aproveitam do advento online, não?
DS: Não vamos falar sobre blockbusters porque todo mundo aqui acha que pode competir com Hollywood, mas não é assim. Eu não vou trazer um time de futebol do ensino médio aqui e colocá-los para jogar com o melhor time do Brasil, dizendo “Nós temos muitos jovens talentosos e vamos vencer vocês”. Isso é simplesmente ignorante. E é o que vocês continuam fazendo aqui. Competindo com Hollywood, com o que nós temos, e pensando “Nós vamos fazer o mesmo que eles e melhor”. Isso não é possível.
HT: Então qual você acha que é uma particularidade positiva da indústria brasileira que Hollywood não tem?
DS: Brasileiros. Façam filmes brasileiros sobre pessoas brasileiras que contem histórias brasileiras no Brasil. E façam um plano de marketing que renda lucro. Não é difícil. Vocês tem um grande benefício aqui para um brasileiro normal que queira realizar um filme: as pessoas vão ajudar. Elas olham e falam “Oh, que legal! Vocês estão filmando na minha calçada! Querem uma água, um café? Você quer usar a minha ajuda?”. Nos Estados Unidos já é tipo “O que vocês está fazendo aqui? Você está atrapalhando o trânsito, eu tenho uma loja e você está destruindo meu negócio”. Isso não aconteceria se eu resolvesse filmar em alguma loja por aqui.
HT: Quais filmes brasileiros chamaram a sua atenção?
DS: Bem, eu vi “Tropa de Elite” (José Padilha, 2007), há algum tempo. E vi “Trash” (idem, Stephen Daldry, 2014), mas não é exatamente um filme brasileiro; é uma produção completamente britânica. Mas “Como Ser Um Milionário” (“Slumdog Millionaire”, Danny Boyle, 2008) também não é um filme indiano. É um livro com um diretor inglês, uma produção de cinematografia inglesa e cerca de 100 figurantes indianos. Stephen [Daldry] também teve aula comigo antes de fazer “Billy Elliot” (2000). Ele havia escrito um filme de baixo orçamento que lhe deu a credibilidade necessária para conseguir o orçamento e filmar esse seu primeiro sucesso.
HT: Qual o conselho que você daria para um produtor que está começando a carreira por aqui?
DS: Simplesmente faça. Com sorte, você não irá falhar. Ninguém quer fracassar, mas simplesmente faça. Vocês continuam tentando descobrir como fazer o filme perfeito. Enquanto vocês continuarem assim, não conseguirão fazer nada. Ninguém faz o filme perfeito.
Para quem se interessou no curso de Dov, a última chance rola nesta sexta-feira (31/10) em Brasília e as inscrições podem ser feitas através do site: http://www.redecemec.com.br/.
Artigos relacionados