Priscila Steinman vive atleta no longa ‘4X100’, é autora de Malhação, e criou creche parental em casa


O filme estreia dia 24 e a atriz disse ter vivido uma preparação intensa. Multitarefas, ela administra, no jardim de casa, uma creche para a filha, Rosa, e filhos de duas amigas, e é autora da temporada de ‘Malhação Transformação’, da Globo, que teve que ser adiada para o próximo ano por conta do avanço do coronavírus. Sobre a divisão na vida profissional, ela busca um meio-termo: “Nos últimos anos, estou muito mais dedicada à minha carreira de autora, ao mesmo tempo, sinto uma necessidade existencial de atuar. Já exerci um lugar de liderança e senti mais preconceito pelo fato de eu ter 30 e poucos anos do que pelo fato de eu ser mulher”

Priscila Steinman vive atleta no longa '4X100', é autora de Malhação, e criou creche parental em casa
Priscila Steinman vive atleta no longa '4x100' com estreia marcada para dia 24 (Divulgação)

Priscila Steinman vive atleta no longa ‘4×100’ com estreia marcada para dia 24 (Foto: Divulgação)

*Com Bell Magalhães

Segundo Raul Seixas (1945-1989), “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. É com essa frase que Priscila Steinman sintetiza o filme ‘4×100’, com direção de Tomás Portella e produzido pela Gullane, no qual interpreta Bia, uma novata no atletismo. Com estreia marcada para o dia 24, o longa conta a história de quatro mulheres que fazem parte da equipe do esporte e que, ao garantirem uma vaga nas Olimpíadas de Tóquio, farão de tudo para trazer a medalha de ouro para casa. O desafio? Elas precisam aprender a confiar em si mesmas e operar em sincronia perfeita.

Para Priscila, que também é autora da próxima “Malhação”, e que já sofreu na vida mais preconceito “por ter assumido papeis de liderança aos 30 e poucos anos do que pelo fato de eu ser mulher”, a modalidade 4×100, na qual quatro atletas fazem percursos iguais de 100 metros alternadamente e em sequência, passando um bastão de um para outro, é ‘a única que se precisa de todas para ganhar, mas só de uma para perder’. “Não adianta você estar bem se a sua colega não está. Você, sozinho, não ganha nada. A escolha dramatúrgica vem da beleza que a modalidade tem. O time precisa jogar junto sempre. Se uma pessoa deixa cair o bastão, queima a largada ou comete um erro, todos perdem”, conta a mãe de Rosa, de dois anos, que criou uma creche parental, no jardim de sua casa, acolhendo filhos de duas amigas.

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Idealizado por Roberta Alonso, atriz e co-produtora, o filme mostra a experiência e perspectiva de mulheres. Ao lado de Thalita Carauta, Fernanda de Freitas e Cintia Rosa, Priscila acredita que a produção enaltece, homenageia e traz os holofotes para as atletas femininas. “O filme tem como linha central o atletismo, mas tem ramificações da vida pessoal dessas mulheres que vão se entrelaçando nessa costura. Elas são heroínas. São cinco mulheres que, ao longo do filme, percebem que têm que se unir e trabalhar em conjunto para atingir o objetivo maior”. Para a preparação, a artista teve que viver como uma atleta. No momento das filmagens, ela precisou fazer uma preparação intensa no Núcleo de Alto Rendimento Esportivo (NAR), em São Paulo, lugar onde atletas olímpicos brasileiros treinam, e precisou comparecer a consultórios médicos, fazer exames e se submeter a uma dieta especial para ganhar uma quantidade grande de massa magra para poder ficar com o corpo de atleta em menos de dois meses.

“Foi uma inspiração nos prepararmos para as nossas personagens junto com a preparação dos atletas das olimpíadas. Nós tínhamos a preparação física no Rio de Janeiro por conta de parte do elenco ser da cidade, eu inclusive, e cheguei a treinar com o Jun Igarashi (1975-2019), professor de shodokan aikido, arte marcial japonesa, e criador do ‘Método Híbrido Igarashi’. Ele foi o meu preparador físico e o filme disponibilizou o Vitor Fernandes, que também é preparador de atletas”, conta. 

“O trabalho do ator é um exercício emocional e físico. Tinha a preparação emocional da dramaturgia combinada a uma exigência física muito intensa” (Reprodução Instagram)

Na época das filmagens, Priscila estava em cartaz há dois meses com a peça ‘Rita Formiga’, de Domingos Oliveira. Por ser um monólogo, a atriz diz que estar em cartaz na peça deu o fôlego para a personagem do longa. “Tem uma fala que gosto muito do dramaturgo Antonin Artaud (1896-1948) que diz ‘o ator é um atleta do coração’. Me identifico com essa fala, porque o trabalho do ator é um exercício emocional e físico. Tinha a preparação emocional da dramaturgia combinada a uma exigência física muito intensa”. A artista é comprometida com a preparação dos personagens que interpreta. Com Sofia, de ‘Totalmente Demais’, fez aulas de balé clássico porque achava que ela precisava de uma postura, uma classe. Ao interpretar a Sara de ‘Justiça’, entrou em aulas de zumba. Em ‘Questão de Família’, teve preparação intensa para ser uma lutadora de muay-thai.

Priscila em ‘Rita Formiga’: Por ser um monólogo, a atriz diz que estar em cartaz na peça deu o fôlego para a personagem do longa (Divulgação)

Segundo ela, a preparação é uma forma de ‘se jogar no abismo da personagem’: “Sempre gosto de fazer uma preparação física que vai me dar o corpo da personagem. Penso nisso lendo o texto. Vem esse desejo, escuto, respeito o desejo e sigo esse caminho, porque me vem a certeza de que aquilo faz sentido para o papel. Fiz uma mulher deprimida no filme ‘Segundo Tempo’. Ela era uma paulista, bibliotecária que estava deprimida com a morte do pai. A minha preparação foi de aterrar, mudar o meu tempo e esvaziar os sentimentos. Cada um deles solicita um caminho e sigo nesse abismo que estou sendo chamada”, afirma.

A imersão do ator é intensa por si mesma, mas é necessária para entregar a profundidade do papel. Até que ponto é saudável mergulhar de cabeça em um papel? “A questão não é entrar, é saber sair do personagem. Você tem que ter o mesmo cuidado da preparação no desapego dele. É preciso fazer escolhas com o direcionamento de profissionais para respeitar o seu limite. Tem que saber a hora de quando acaba a peça para sair e tomar um chope com os amigos”, pontua. 

"A questão não é entrar, é saber sair do personagem. Você tem que ter o mesmo cuidado da preparação no desapego dele" (Reprodução Instagram)

“A questão não é entrar, mas, sim, saber sair do personagem. Você tem que ter o mesmo cuidado da preparação no desapego dele” (Reprodução Instagram)

Como autora, Priscila assina a próxima temporada de ‘Malhação’, da TV Globo, que teve que ser adiada para o próximo ano por conta do avanço do coronavírus. A emissora vem alterando a grade de seus programas constantemente na tentativa de proteger seus funcionários. Por esse motivo, a autora acredita que foi uma decisão coerente e inevitável: “Quando fomos gravar, os atores estavam preparados, com cabelo cortado e, na hora do ‘ação’, veio uma pandemia mundial na qual precisamos parar tudo. Não estamos em um momento seguro para as gravações. É arriscar a vida de quem está em cena e nos bastidores”, diz, no que complementa: “Querendo ou não, o elenco é formado 80% por jovens, que, no momento atual, são os que não estão sendo vacinados. É muito arriscado, mesmo com todos os protocolos, exames de PCR, é muito delicado. A ideia é esperar a vacinação para a retomada. É difícil se comprometer com um planejamento certo se o Brasil está em uma situação tão complicada. Se tivéssemos planejamento no governo, não estaríamos assim”, desabafa.

Priscila sobre o adiamento de ‘Malhação’: “Mesmo com todos os protocolos é muito delicado. A ideia é esperar a vacinação para a retomada” (Divulgação)

Maternidade, multiplicidade e preconceito

Atualmente, a maior empreitada da artista foi a criação de uma creche parental, um modelo de ensino administrado por um coletivo de pais, em sua própria casa. “Além de atriz, autora e produtora, virei coordenadora de creche”, brinca. A maior motivação foi a sua filha, Rosa, de dois anos. “No ano passado, por conta da pandemia, tive muito receio de colocar a minha filha na creche. Depois de dois meses isolados, ficou impraticável trabalhar com uma bebê de um ano e dois meses, que exige cuidado constante, mas ainda não me sentia confortável em deixá-la exposta dessa maneira”.

Para isso, ela consultou e entrevistou pediatras, infectologistas, profissionais da educação, entre pedagogas e professoras, e tomou a decisão de contratar uma pedagoga para dar aula para a filha: “Passei por várias experimentações de formatos, pois era a primeira vez que eu estava fazendo algo do tipo, principalmente para entender o que funcionava melhor na prática e dentro do universo da pandemia. Convidei mais duas mães para poder frequentar a creche no jardim de casa. Começamos em junho do ano passado e a Rosa convive com as mesmas crianças, com famílias que seguem o mesmo protocolo de isolamento que nós. Tem dado muito certo”.

Apesar do trabalho com a organização e logística de materiais para a escola, tudo é feito de forma lúdica e Priscila diz que os resultados foram além da expectativa. “Fico muito feliz com o desenvolvimento da minha filha e sou grata por ter condições de poder proporcionar uma experiência dessas para ela. Agora que me mudei, a creche foi para o jardim da minha casa nova, então eu chamo de ‘Creche do Jardim’. Na realidade, até eu gostaria de estudar na creche!”. 

“Fico muito feliz com o desenvolvimento da minha filha e sou grata por ter condições de poder proporcionar uma experiência dessas para ela” (Reprodução Instagram)

Autora há mais de 10 anos, Priscila escreveu, em 2020, o seu primeiro roteiro de cinema em ‘O Amante de Júlia’, ao lado de Luis Alberto Abreu e do diretor Vinícius Coimbra. Para ela, que começou a carreira de atriz aos 15 anos e passou a escrever aos 22, a multiplicidade é um fruto do mundo moderno e da contemporaneidade. “Nunca tive um pensamento dicotômico de que eu só poderia ter uma profissão na vida. Ainda bem que as áreas que escolhi me acrescentam e me diversificam. O fato de escrever me faz, enquanto atriz, ver o texto de uma forma diferente, e o fato de atuar me faz escrever o texto com um outro olhar”.

O equilíbrio, segundo ela, é a melhor forma de conciliar as duas paixões: “Às vezes, o tempo pede que eu me dedique mais à carreira de atriz, outras vezes à direção. Tenho que me manter sempre conectada para estar atenta às minhas realizações para não ser engolida pelas necessidades da vida. Nos últimos anos, estou muito mais dedicada à minha carreira de autora, ao mesmo tempo, sinto uma necessidade existencial de atuar. Não consigo deixar de fazer algo, preciso estar atenta ao equilíbrio”. A carreira de autora também a possibilita ficar mais próxima da filha, que é uma prioridade na vida da artista. “É um trabalho que não me deixa tão afastada dela. No set, chego a filmar durante 12 horas por dia, sete dias por semana”, afirma. 

"Nunca tive um pensamento dicotômico de que eu só poderia ser uma coisa na vida" (Reprodução Instagram)

“Nunca tive um pensamento dicotômico de que eu só poderia ser uma coisa na vida” (Reprodução Instagram)

Infelizmente, o machismo ainda é uma realidade dentro da sociedade. Para Priscila, a mãe foi a maior aliada na construção de um pensamento questionador e avalia o papel das mudanças que devem ser feitas na sociedade. “Sempre vi a minha mãe trabalhando muito e correndo atrás de tudo e ela me ajudou muito para criar essa visão de mundo. No trabalho, nunca estive nesse lugar. Porém, em manifestações individuais, vi o machismo acontecer. Precisamos de uma reeducação a médio e longo prazo. Temos que fazer mudanças no ‘aqui e agora’, sim, mas para mudar um pensamento de toda uma sociedade, é preciso novas práticas. Tento dar para a minha filha uma educação feminista, mas no sentido de equidade, sem entrar no caminho do antagonismo de gênero. Sei que tudo não é igual para todos e que existem limitações e que não dá para ter uma educação universal, mas individualizada e com valores coletivos”.

Incrivelmente, com a própria idade foi algo que a artista sofreu preconceito e propõe uma reflexão: “Já exerci um lugar de liderança e senti mais preconceito pelo fato de eu ter 30 e poucos anos do que pelo fato de eu ser mulher. Isso tem a ver com um distanciamento, vem o preconceito e o rótulo, mas quando você conhece a história de uma pessoa, sem julgamentos, você se coloca com empatia”, conclui.

"Temos que fazer mudanças no ‘aqui e agora’, sim, mas para mudar um pensamento de toda uma sociedade, é preciso novas práticas" (Reprodução Instagram)

“Temos que fazer mudanças no ‘aqui e agora’, sim, mas para mudar um pensamento de toda uma sociedade, é preciso novas práticas” (Reprodução Instagram)