*Por Brunna Condini
Bruna Louise deu essa entrevista no dia seguinte ao evento em que acompanhou projeções nos paredões de São Paulo, cidade em que mora, para divulgar seu especial batizado ‘Bruna Louise: Demolição’, que alçou a humorista ao posto de primeira mulher brasileira a lançar uma apresentação de stand-up solo na Netflix. Cansada, mas imensamente feliz, Bruna conversou com o site direto da sua casa, com direito à participação da mãe, que veio acompanhar de perto o sucesso da filha. Tiramos uma ‘casquinha’ da engenheira eletricista Inez Clarete de Castro a convidando para falar sobre esse momento de reconhecimento tão esperado. “Não vai me fazer chorar (risos)”, disse. Bruna interrompeu: “Own, ela já assistiu o especial várias vezes”. E Inez continua: “É orgulho demais. No meu mundo nunca sonhei isso, não dá para mensurar. É muito mais do que podia imaginar quando ela começou a fazer teatro lá em Curitiba, em lugares bem bagaceiros, e eu assistindo tudo, sabia o texto de cor. Estou feliz demais, rindo à toa”. E o que diria para quem acha que o humor que Bruna Louise faz é vulgar, já que é sem pudores? “Que morram de inveja (risos). Vulgar ou não, olha onde ela está. Sou tímida, senão falaria outra coisa. Chupa! Olha o que ela conquistou”, brincou Inez.
E Bruna observa: “No final do especial, após os agradecimentos, insiro um agradecimento especial para ela, assim: “À minha mãe, que me criou sozinha, e teve que me ver eu falar do meu pai no meu primeiro especial da Netflix” (risos). Ela é maravilhosa”. Para fazer jus ao título da produção, a humorista propõe a destruição dos padrões. “E preciso demolir o machismo, o racismo, a homofobia. O humor consegue chacoalhar tudo isso”, acredita ela, que estará nos dias 7, 14 e 21 de julho em apresentações no Teatro Riachuelo, Centro do Rio, para quem quiser conferir de perto.
E que conquista. Aos 37 anos, a atriz contabiliza 22 anos de carreira, fazendo stand-up há 12, com mais de 100 mil expectadores em suas apresentações só este ano, 16 milhões de seguidores nas redes sociais, e mais de meio bilhão de visualizações em seus vídeos. Mas parece que nem isso é o suficiente para falar das vitórias de uma mulher em nossa sociedade. “É uma trajetória longa, que foi e é dificílima. Não foi por que cheguei na Netflix que as dificuldades acabaram ou diminuíram. Estava lendo agora mesmo alguns comentários no Twitter, do tipo: “Não dá, mulher não é engraçada”. Cara, fala de mim, diz que eu não sou engraçada, se for o caso, mas não coloca todo o gênero em xeque. É bizarro. Por outro lado, o apoio tem sido muito grande neste momento e seria até injusto dizer o contrário”, avalia.
“Tenho recebido muito carinho. As pessoas estão entendendo meu objetivo, não só de trazer a piada, mas como um conceito artístico, de estética, todo o meu figurino conversa com o que estou falando, com o cenário que criamos. Estar na Netflix traz o sentimento de que vencemos uma grande batalha, mas a guerra ainda não. O machismo criou o mito de que as mulheres não podem fazer graça. O humor era atribuído só ao homem, até como arma de sedução, sendo humorista ou não. A piada tem sempre alvo, e os homens não estão acostumados a virar piada. Mas ninguém morre por isso. Nós mulheres, por exemplo, fomos alvo de piadas durante tantos anos, né?”.
Maravilhosa Bruna Louise
‘The Marvelous Mrs Maisel’ (‘Maravilhosa Sra. Maisel’), acompanha a vida de Mirian “Midge” Maisel, uma mulher que começa a série levando a vida que idealizou: com marido, filhos e um ótimo apartamento. Mas vê essa estrutura sofrer uma reviravolta quando constata seu talento para a comédia, sai da ‘sombra’ do marido, que aspira ser humorista, mas não leva jeito, e troca a rotina que vivia pelo universo das apresentações de stand-up. Na trama, a personagem usa suas vivências, principalmente as mais difíceis, para fazer rir no palco, e tudo isso em 1958. É inegável a semelhança de estilo entre a personagem criada por Amy Sherman-Palladino, e Bruna Louise, que também coloca no roteiro de suas apresentações a vida amorosa, sexual, solitude, família…e o que vier pela frente. “Nunca contei isso para ninguém, mas foi difícil assistir essa série. Ela me pegou muito. Quando vi o primeiro episódio, senti muito em comum. Comecei no stand-up, porque namorava um menino que fazia, e eu escrevia para ele, ajudava e frequentava todos os shows. Algo muito parecido com a trama desta personagem. Mas, no meu caso, já tinha anos de teatro, não foi tão surpreendente quanto ela, que não tinha nenhuma ligação com o palco”, recorda.
“Ele usava minhas piadas, ia bem, até o dia que me perguntei: “Por que não sou eu neste palco?”. Demorei muito para entender que aquele também poderia ser o meu lugar. A série mexeu muito comigo, demorei uns meses para conseguir assistir tudo. Como sou muito ansiosa, absorvo muito e preciso de tempo. O sofrimento feminino mexe comigo. Dói profundamente. Esse meu ex desistiu há anos e eu estou aqui”, revela Bruna.
Machismo
“O meu trabalho segue sendo desmerecido, independente do meu alcance. Muitas vezes escuto que o sucesso não é pelo meu talento. Tem sempre um motivo obscuro, nunca é o meu ‘corre’. As pessoas não veem é que acordo e vou dormir trabalhando. Dizem até que agora é um ótimo momento para ser mulher. Oi? Que agora abrem vagas para nós, não por merecimento, mas por cotas. Muita gente ainda está neste lugar. Ou falam também que faço sucesso porque só falo de putaria, porque sou apelativa, vulgar. O que acho bem engraçado. Meu especial, por exemplo, tem uma hora e cinco minutos de duração, e deles, falo sobre sexo, juntando tudo, nem 10 minutos. Não entendo qual é a questão, de boa. Os meus amigos humoristas homens falam o mesmo tanto e até mais, e não existe esse julgamento. E amo o trabalho dos meninos, mas a questão é: por que só batem em mim?”, questiona Bruna.
E continua, fazendo pensar: “O curioso é que os meus vídeos mais assistidos são os de sexo. Então, pergunto, sou eu que só falo de sexo ou vocês que consomem mais esse conteúdo? O vídeo de treta com a minha irmã, por exemplo, tem 700 mil views, já o do ménage, tem 7 milhões. E aí? (risos). Fiz um único ménage na vida, que foi um evento e muito engraçado, e como uso o stand-up com um diário, contei. Mas eu não transo tanto. Infelizmente, sou uma piranha extremamente falida (risos). Queria ter mais tempo e disposição. Olha, vou falar a verdade, não transo muito, porque para transar tem que conversar, e tenho uma preguiça destes machos… Enfim, minha vida sexual não é tão agitada, mas quando acontece, e é engraçado, conto. Mas não podem nem dizer que só falo em putaria, porque não tenho nem tudo isso de experiência, gente (risos)”.
Sincera e corajosa por levar para o palco assuntos que não deveriam ainda ser tabu, como sexo, orgasmo, vibrador, brochadas e caras babacas, ela revela: “Estou muito solteira. Acho que no meu caso, o humor não atrai. Mas não estou focada em relacionamento, porque sei que por mais desconstruído que o cara seja, pouquíssimos homens estão preparados para ficar ao lado de uma mulher em que a prioridade não seja ele. E minha prioridade não é homem. Queria alguém para somar, aí sim. A minha prioridade é a minha carreira. Irmãos, aceitem (risos)”.
O que não dá para ser alvo do humor? “Não posso definir isso, posso dizer o que não é alvo do meu humor. Não quero ser essa pessoa que dita como os outros podem ou não fazer graça. Ditando regras na arte, porque as pessoas não podem esquecer que o stand-up, apesar de ser marginalizado, é arte, que é anárquica. O que eu não gosto é oprimir o oprimido. É uma escolha minha. Também não faço piadas que são crime. Se a piada é racista, é crime. Se a piada é homofóbica, é crime. E tem o seguinte: às vezes, as pessoas ouvem a piada e não percebem que o tema está ali como crítica, denúncia. É uma discussão complexa”.
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