*Por Jeff Lessa
A uma certa altura de sua vida, o ator carioca Tatsu Carvalho se deu conta de que não queria prosseguir com a carreira em gravadora. Formado em marketing, ele decidiu que investiria seriamente no ofício de ator. Determinado, pediu para ser demitido da Sony Music em janeiro de 2000 e, com o fundo de garantia na mão, embarcou para Nova York, onde estudou no lendário Lee Strasberg Theatre & Film Institute. Essa mudança, que para a maioria seria um movimento planejado ao longo de anos e, talvez, jamais realizado, foi apenas mais uma guinada na vida de um profissional cuja trajetória é construída na base da inquietação. Sua reinvenção mais recente é a aposta em uma carreira internacional. Nada de pontas como latinos calientes (physique du rôle para isso não falta) ou traficantes desalmados com o único objetivo de fazer um pé de meia em euros ou dólares: o talentoso Tatsu busca papéis de verdade. Afinal, para se reinventar é preciso apostar alto.
No segundo semestre, ele poderá ser visto na série inglesa “Boys”, criada pelo prestigiadíssimo roteirista galês Russel T. Davies, da cultuada “Queer as Folk”, sobre um grupo de cinco amigos gays na cidade industrial de Manchester tão importante que ganhou versão americana passada em Pittsburgh. “Boys” acompanha as aventuras de três rapazes homossexuais de 18 anos que vão morar em Londres no início da década de 1980, quando a Aids começava a fazer suas primeiras vítimas fatais. Tatsu contracena com o inglês Stephen Fry e com o astro americano Neil Patrick Harris, conhecido aqui por produções como “How I Met Your Mother” e “Glee”. “Foi interessante porque eu via um programa dele na televisão quando era novo. Não me lembro qual era. O assistente de direção nos apresentou e ele já foi me chamando pelo nome, com intimidade e zero estrelismo. É muito simpático. Gravamos nossas três cenas juntos e nos divertimos”, conta Tatsu. “Cada um tem seu camarim, os atores se encontram na hora da maquiagem. É bastante profissional, no Brasil somos mais informais e unidos”.
Também nesse ano, mas ainda sem data definida, Tatsu estará na série “The Queen’s Gambit”, da Netflix americana, baseada no romance homônimo escrito por Walter Tevis no auge da Guerra Fria, sobre uma garota órfã que, aos 16 anos, batalha para tornar-se campeã mundial de xadrez. Para viver um médico, Tatsu filmou em Berlim com Anya Taylor-Joy, a protagonista, que participou do elenco de “Vidro”, de M. Night Shyamalan. “Há anos eu vou para Londres me encontrar com meu agente entre um trabalho e outro no Brasil. Aproveitei a cidadania portuguesa e o meu inglês fluente para me largar na Inglaterra em busca de trabalho, mesmo sem conhecer absolutamente ninguém. Entrei para uma agência e tenho conseguido bons testes”, conta.
Foi um desses testes que levou Tatsu a participar, em 2017, do importante documentário “America’s War on Drugs” (“A Guerra da América contra as Drogas”, em tradução literal), considerado um marco sobre o assunto, que chocou o mundo ao mostrar como a CIA, em cinco décadas de combate obsessivo ao comunismo, associou-se com traficantes internacionais, permitindo, inclusive, que seus negócios prosperassem em solo americano. Além desse e dos novos trabalhos, Tatsu colhe os frutos das participações nas séries “Shakespeare and Hathaway Private Investigators”, da BBC, ao lado do protagonista Mark Benton, e “Girlfriends”, que foi ao ar na iTV, com Phyllis Logan (a governanta Elsie Hughes de “Downton Abbey”). “Minha ideia não é sair do Brasil, quero trabalhar aqui. Mas a carreira do ator é uma roda gigante, né? Tenho sido mais convidado para testes lá fora. Queria participar mais no meu país”, lamenta. “Os convites vão aumentando e os testes ficam cada vez melhores. Enviei 200 currículos e recebi 20 respostas de produtores de elenco europeus. Não é pouco. Outra coisa: tenho abertura na Inglaterra, onde o sotaque e a aparência não importam tanto quanto nos Estados Unidos, por exemplo. Não sei como vai ser depois do Brexit. Por enquanto, tenho status de cidadão europeu e posso seguir trabalhando”.
O momento internacional veio depois de uma reinvenção anterior. No começo de 2015, Tatsu resolveu investir em seu sonho e montou, com dinheiro que havia economizado por quatro anos, a primeira versão nacional da peça “Um Estranho no Ninho”, conhecida aqui pela célebre adaptação cinematográfica de Milos Forman para o romance homônimo de Ken Kesey (1935-2001) com Jack Nicholson no papel principal em 1975. Sem contar com edital de fomento ou patrocínio (ele bem que tentou), Tatsu e 15 companheiros de cena criaram, no CCJF, a clínica psiquiátrica onde se passa o drama, dirigidos por Bruce Gomlevsky. O resultado foi um belo sucesso de crítica e público, uma temporada estendida no Teatro Poeira e casa sempre cheia, com gente voltando da porta. Ainda atuando em “Um Estranho no Ninho”, Tatsu se apaixonou e montou “Queime Isso”, texto do americano Lanford Wilson (1937-2011) que trata de temas como homossexualidade, relações humanas, solidão e preconceitos: “É fantástico. Uma peça sobre amor em que não se fala ‘eu te amo’”.
O currículo rico, com trabalhos relevantes e escolhidos com critério, não entrega que Tatsu começou mais tarde que a maioria de seus companheiros de profissão. Na verdade, a carreira de ator e produtor também é fruto da inquietação dele, que, em determinada altura da vida, optou por parar e recomeçar do zero. “Quando estudei interpretação em Nova York, tinha uma rotina intensa de ensaios diários. Voltei ao Brasil em 2004 e, até 2005, trabalhei na gravadora Universal. Foi só a partir de 2006 que engrenei, comecei a fazer testes. Mas, como havia estudado fora, não conhecia muita gente aqui”, explica.
O fato é que deu certo. A carreira nacional também vai muito bem, obrigado. A partir de 7 de fevereiro, Tatsu, que se tornou conhecido do público interpretando o neurocirurgião Rafael, ao lado de Julio Andrade em “Sob Pressão”, exibida pela Globo em 2017, estará na minissérie policial “Arcanjo Renegado”, na pele do procurador-geral do estado do Rio. Coprodução da Globoplay e do Multishow com a AfroReggae Audiovisual, tem direção geral de Heitor Dhalia. No segundo semestre, ele volta ao ar em “Detetives do Prédio Azul”, no canal infanto-juvenil Gloob, como Artur, pai do novo detetive da capa amarela.
Morador de uma bucólica rua sem saída do Jardim Botânico, Tatsu não faz o tipo estrela. Simpático, facilita a vida do repórter e responde incansavelmente todas as perguntas com paciência e gentileza. A conversa se encerra com um certo gosto de quero mais. Se depender de encontros via telinha de TV, não faltarão oportunidades de “estar” com o artista.
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