*por Vítor Antunes
… E Portugal descobriu o Brasil. A frase, que todo brasileiro ouve desde que iniciou sua vida escolar, ganha outros contornos quando pensamos no que está relacionado à teledramaturgia. Ainda que as novelas brasileiras passem há muitos anos em Portugal. Agora eles estão produzindo, não apenas à moda brasileira, mas com mão de obra de atores brasileiros. Vitor Britto ainda pode ser visto em “Cacau”, novela da TVI, trama que vem recebendo destaque na ‘terrinha’, ainda que, para Vitor, o país europeu ainda padeça de uma discussão mais contundente sobre questões étnicas e raciais. “Em Portugal não há uma elaboração muito crítica da questão racial. Aqui há um aprofundamento da questão LGBTQIA+, gordofobia, dos povos originários e étnicos. Percebo que aqui no Brasil há uma consciência crítica mais aguçada. Eles não problematizam tanto, acham que não precisamos falar disso, têm um pensamento mais atrasado. No Brasil, porém, a gente reflete muito. Mas, ainda assim, seria monitorado no Shopping Higienópolis, se eu não estiver bem vestido”.
Depois de anos fazendo “Poliana” no SBT finalmente o ator poderá ser visto na Globo. Ele será par da atriz Giulia Bertolli em “A Lista“, filme que conta também com Lilia Cabral. “O filme já terminamos de fazer, e é uma peça que Giulia fez com a Lilia. A adaptação é uma relação delas concentrada no palco da dramaturgia, e no filme esses personagens ganham vida. E conta com um elenco de peso com Tony Ramos, Rosamaria Murtinho, Bia Montez. Minha experiência dentro dessa história foi ser par romântico, e ela teve uma participação grande no projeto e uma responsabilidade grande também”.
O convite a fazer esta montagem se deve em muito ao sucesso de “O Avesso da Pele” e pelo qual Vítor Britto recebeu indicação de Melhor Ator pelos Prêmios APCA e Shell, e que o Site Heloisa Tolipan noticiou quando a montagem ainda estava em pré-produção. “Eu tinha acabado de ir para Lisboa quando saiu o APCA e o Shell. Eu estava longe e fiquei feliz, mas não consegui estar nas cerimônias. Mas, graças a Deus, a peça está linda e lotando teatro com lugares esgotados. Tivemos muito tempo de sala de ensaio, mas quando começa a acontecer, ficamos meio incrédulos e estamos vivendo coisas excepcionais. Estamos tendo lindos frutos e ingressos esgotados com 1200 lugares. Naquela época íamos estrear e o livro do Jefferson é um sucesso. Mantemos a força do livro e misturamos o público da literatura com o do teatro, que só soma”. A montagem fica em cartaz até o dia 23/6, no Teatro TUSP Butantã, em São Paulo.
MÁSCARAS BRANCAS PELES NEGRAS
“O Avesso da Pele“, livro de Jefferson Tenório, norteia a peça na qual Vítor Britto está em cartaz, junto a Alexandre Ammano, Bruno Rocha e Marcos Oli. Ainda que tenha uma questão racial importante, a peça não ala apenas sobre isso, segundo Vítor. “Mesmo tendo uma abordagem racial, o racismo não é uma muleta. A peça fala sobre um universo ampliado de paternidade, do sistema de educação pública brasileira, da compreensão enquanto potência. Isso é colocado em cena e tem estrutura fixa de funk, de dança, de falar sobre literatura formal erudita e colocá-la de forma popular. Fazemos tudo de forma verdadeira, preservando nosso avesso em cena, entendendo nossas potências e colocando-as em prática. É o sucesso da nossa peça, e isso está inscrito na encenação, não só no lugar da dor de ser difícil, mas de realização, criatividade e potência”.
Aliás, um dos debates presentes dentro da comunidade negra é se haverá um momento em que não se falará sobre racismo. “Acho que esse momento nunca chegará. Não acho que ele vai parar de existir, isso faz parte das nossas vidas, e por isso devemos sempre falar sobre isso. Hoje existe um letramento racial muito maior do que havia no passado. Já existia o movimento experimental do negro, do Black Panther. Falamos disso há tempos e já problematizamos o blackface. Começamos a falar sobre isso, mas acho uma chatice quando o discurso se sobrepõe à obra em si. Uma boa história pode envolver e encantar sem ser o centro. Quero em cena ser sujo, mau, perverso, e às vezes fica maçante ficar só falando de questões relacionadas a isso”.
“O tempo em Portugal fiquei oito meses. Trabalhamos bastante, nos esforçamos, e vira e mexe tem os projetos e bênçãos de Deus, e sempre agradeço. Foi um teste que veio de maneira natural, espontânea. Me disseram que era para uma novela em Portugal e fiz sem botar muita fé. Foi incrível, na primeira vez que fui dirigido, entendi alguma coisa. É tudo mais rígido, fechado. No primeiro dia de estúdio, tentei entender. Meu personagem era o melhor amigo da protagonista e está fazendo sucesso em Portugal. A novela estreou em janeiro e fica no ar até o fim do ano. É legal ver como os portugueses bebem da fonte das nossas novelas. Eles conhecem todos os nossos atores e somos referência. Éramos eu e mais seis atores brasileiros”.
Por anos, Vítor esteve no elenco de “Poliana”, do SBT. Segundo ele, em razão de ter estado na trama, o mercado mostra-se a ele de forma mais acolhedora. “Meu vínculo com a empresa foram cinco anos; entrei em 2017 e a novela saiu em 2022. “O Avesso” me descolou não só do olhar das pessoas, mas a mim enquanto artista também. Amadureci num projeto maduro em que estava na criação. Isso me trouxe outros olhares, mas só consegui fazer essa peça porque estava com contrato. Ensaiamos dois anos. Se não fosse o contrato com o SBT, não teria me sustentado. Mas sinto um olhar mais generoso e mais maduro profissionalmente”.
Em meio a mais uma reprise de “Poliana”, Vítor está novamente no ar, numa trama que iniciou há muitos anos e a abordagem ao ator continua. “Eu lido da mesma forma que lidava antes. Eu sou eu, não sou influencer, não tenho essa pretensão. A novela foi bem, o SBT tinha outra projeção. Tenho um público alto no Instagram pela novela, mas não tenho constância. Não sou tiktoker, fico no meio do caminho, não ganho dinheiro com rede social. Não estou no evento dos influencers e vejo que sou verificado com 700k seguidores. Isso me coloca num lugar especial, mas isso não me impressiona”.
Antigamente, fazer novela era quase sinônimo de garantia de sucesso e estabilidade na profissão. Para Vítor, “Novela é muito importante, sim, mas um papel em novela não é definitivo, ainda que faça diferença. É difícil fazer novela; é exaustivo. Tem atores brilhantes com carreira no cinema e no teatro. Não é definitivo, mas é legal. Não acho que a novela vai acabar, e nem que o papel em novela é definitivo. As novelas refletem a sociedade brasileira. Novela se repete muito na estrutura e o desafio é fazer com que ela seja interessante. É uma responsabilidade do ator, ainda que o texto e a direção façam diferença. Fui para Portugal e vi que eles nos admiram muito. Muitos atores em Portugal querem vir para cá. Para eles, a gente é um objeto de desejo, e isso é muito legal”.
Onde fica mais presente o Vitor da Tijuca no mundo? “Na Tijuca! No apartamento em que cresci, no Tablado, na UniRio, no metrô, no transporte para ir à praia. A geografia da cidade conta nossa história. São Paulo tem um lugar de realização que está entranhado e tem uma atmosfera de realização.
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