*Com Iron Ferreira
Quando apresentamos a Theodoro Cochrane o mood para nosso editorial femboy mistura de wardrobe feminino e masculino, o ator topou na hora. Como acompanho desde sempre o trabalho quase performático de tão incrível do ator, figurinista, designer, diretor e DJ tinha a verdadeira certeza de que seria uma imersão no universo múltiplo de Theo. E tudo em perfeita sincronia com o sucesso que seu personagem Adamastor Crawford, de “O sétimo guardião”, alcançou ao longo da trama de Aguinaldo Silva a ponto de se tornar um dos protagonistas.
Procurei a maga das lentes, Giselle Dias que mora em Los Angeles e estava no Rio e é especialista em capturar a beleza do universo andrógeno, livre de preconceitos e sem estereótipos criados pela sociedade. Desde então, Giselle ganhou o mundo com a sua arte e assina este editorial incrível para o site HT realizado no Rio Othon Palace e com uma equipe bafo que ainda contou com styling de Manoela Marandino, beleza by Jessica Rodrigues e retoucher de Caetano Weissman.
O ensaio é democrático, aborda questões como diversidade levantando a bandeira das artes e eterniza uma verve funny e ácida do personagem da novela que Theodoro Cochrane encarnou com um ápice de uma das figuras mais emblemáticas e carismáticas da trama. “Para dar vida ao excêntrico Adamastor Crawford, eu busquei retratá-lo de maneira natural, com as forças e fraquezas comuns a qualquer pessoa. Todos nós, gays, sofremos com o preconceito em algum momento de nossas vidas, mas isso nos dá mais força para seguir em frente. Sofremos pressão para ser de um jeito específico, como se as pessoas só aceitassem a gente se nos encaixarmos em um padrão. Eu quis fugir do estereótipo do gay engraçado, afetado, o que não tem problema nenhum, mas quis fazer diferente”, comenta Theodoro, paulistano de 40 anos, multifacetado e claramente conectado com as mais diversas vertentes culturais.
Heloisa Tolipan – Como você avalia o personagem em “O sétimo guardião” que teve uma crescente mudança ao longo da trama e uma receptividade muito boa do público?
Theodoro Cochrane – O Aguinaldo Silva criou o Adamastor Crawford e logo veio o convite para eu interpretar. Mas, a princípio, a sinopse o detalhava como o braço direito de Ondina, personagem de Ana Beatriz Nogueira. Ele seria extremamente ambíguo e remeteria a uma verdadeira salada mista lembrando os dândis dos anos 30, com uma mistura da retórica de João do Rio e o drácula de Francis Ford Coppola. Adicionei o Gomez Addams que Raúl Juliá consagrou em “A Família Addams”, com pitadas de Cruella de Vil de “101 Dálmatas”. Os filmes do Wes Anderson e a temporada Hotel de “American Horror Story”, na qual Lady Gaga interpreta uma rainha vampira, também ajudaram a enriquecer esta salada. Eu sabia que era um papel com uma sexualidade não exposta, vaidoso, afetado e caricato.
HT – Qual o tom que você adotou para deixar a sexualidade do personagem velada até o final da trama?
TC – O Adamastor teria questões de assumir-se gay para as pessoas. Inicialmente, ele sofreria bullying durante a novela e não sairia do armário. Mas, ao longo dos capítulos tudo mudou e o personagem ganhou um espaço maior pela aceitação do público. Eu também desenvolvi uma química muito boa ao contracenar com José Loreto, que interpretava um bad boy. Era para os dois personagens se odiarem, mas acabamos desenvolvendo uma tensão. Como o papel tinha essa referência do drácula, eu quis trazer a sedução para a sua personalidade de Adamastor. Qualquer homem bonito que aparecia no hotel, ele fazia questão de ser o sedutor. Aconteceu com os personagens do Marcelo Novaes, com o de Loreto e com o de Eduardo Moscovis, praticamente com todos que eram considerados galãs. Porém, também começou a rolar um clima entre o meu personagem e a Stella, interpretada pela Vanessa Giácomo. O público gostou e torcia muito por eles. Em um dado momento, os diretores contaram que estavam divididos, pois metade do público queria ver o Adamastor com o Loreto e a outra metade com a Vanessa. O meu personagem foi crescendo ao longo da trama e eu terminei me relacionando com uma das mocinhas. A minha história com a Ana Beatriz também deu muito certo. Com a morte da Ondina, Adamastor herdou o cabaré e o hotel. Eu dei asas a um personagem que prometia ser diferente de tudo o que já havia sido feito antes. Já tivemos o Félix, com Mateus Solano em Amor à Vida, e Crô com Marcelo Serrado em Fina Estampa, que foram um grande sucesso, mas eu quis fugir um pouco desse estereótipo. Como ele é um cara que não lida muito bem com a própria sexualidade, eu quis trazer um pouco de ambiguidade para o personagem. Ao mesmo tempo em que ele é seguro com a própria imagem e com o jeito de falar, ele também tem uma sensibilidade e uma carência com a questão sexual.
HT – Trazendo esse tópico para a sociedade atual seria Adamastor um recorte da realidade?
TC: Eu quis fazer um gay empoderado. Nós sempre vemos mulheres empoderadas, o que é importantíssimo, e eu sentia falta de ver um gay dessa forma. Sempre enxergamos essas figuras como alguém que sofre preconceito e vai chorar no cantinho. Eu quis ser o cara que bate de frente. Ele não corre, ele enfrenta. Eu busquei retratá-lo de maneira natural, com as forças e fraquezas comuns a qualquer pessoa. Todos nós, gays, sofremos com o preconceito em algum momento de nossas vidas, mas isso nos dá mais força para seguir em frente. Sofremos pressão para ser de um jeito específico, como se as pessoas só aceitassem a gente se nos encaixarmos em um padrão. Eu quis fugir do estereótipo do gay engraçado, afetado, o que não tem problema nenhum, mas quis fazer diferente. O Adamastor nunca teve coragem de ir da vontade ao fato, ele é um virgem. Sintetizando: eu peguei um personagem que no início imprimia essa questão da sexualidade para no final assumi-la e ser feliz assim.
HT – Você trouxe algum aspecto do relacionamento entre você e a sua mãe para a química entre o Adamastor e a Ondina?
TC – Não. A única coisa que eu incorporei ao personagem foi o carinho que a minha família tem comigo. A minha relação pessoal com a Ana Beatriz Nogueira ajudou muito no processo de construção da nossa relação fictícia. Essa é a quarta produção em que trabalhamos juntos. Atuamos em “Essas Mulheres”, “A Casa das Sete Mulheres” e “Saramandaia”. Essa intimidade foi fundamental para que a gente pudesse trocar figurinhas nos bastidores e melhorar nosso trabalho.
HT – Agora vamos conversar sobre o Theodoro que assina a direção de arte da peça “Casa de Bonecas 2”, estrelada por sua mãe, Marília Gabriela. Como foi esse processo?
Theodoro Cochrane: A peça na qual minha mãe está rodando o país é a continuação de “Casas de Boneca”. Foi um baita sucesso na Broadway. Marília comprou os direitos, trouxe para o Brasil e produziu. Eu assinei a direção de arte do espetáculo, desde as fotos até o cenário. É a minha quarta parceira com a minha mãe como cenógrafo, diretor de arte e figurinista. A primeira produção dela na qual trabalhei foi “Aquela Mulher”, dirigida pelo Antônio Fagundes, onde ela interpretava a Hillary Clinton. Depois fizemos “Vanya e Sonia e Masha e Spike” e “Constelações”, dirigida por Ulysses Cruz. Eu tenho uma ótima relação profissional com Marília Gabriela. Em 2020, planejamos atuar no palco juntos. Já faz um tempo que a gente ensaia, mas eu sempre tive muita resistência.
HT – Como você lida com as mulheres fortes de sua família?
TC – A gente possui uma relação muito próxima, somos muito francos uns com os outros. Tenho uma grande admiração por minha mãe. Hoje em dia, com 40 anos, cheguei a um momento no qual estamos muito próximos. Tem aquela fase da adolescência em que temos vergonha de tudo, mas hoje as coisas mudaram um pouco. Estamos muito próximos, trocamos conselhos e somos amorosos. A minha tia Mariza de Macedo-Soares é outra figura importante, uma segunda mãe. São todas mulheres muito fortes, com personalidades exuberantes. Quando se juntam é uma confusão. Tenho ainda uma terceira mãe, a Maria Odete, que foi minha babá. Ainda tenho uma memória afetiva com a comida dela. Ela está na nossa família há 39 anos. Eu sofri mais com a saída dela do que com a separação dos meus pais. Ela ficou um tempo fora, mas, depois, voltou e está conosco até hoje. A primeira providência quando chego em São Paulo é comer o feijão da Maria Odete.
HT – Do design ao figurino. Como avalia a sua chancela nas artes brasileiras?
TC – Assim que eu terminei o ensino médio, com 18 anos, fui para os Estados Unidos estudar direção de cinema. Fiquei seis meses em Los Angeles com o meu irmão, onde eu descobri que eu gostava mesmo era de atuar. Aperfeiçoei meu inglês, fiquei amigo de dois suecos e arranjei uma namorada japonesa. Eu não conseguia me entrosar com os outros jovens americanos e a vontade de voltar para o Brasil só aumentava. Quando eu voltei, meu pai me aconselhou a fazer teatro com o Antunes Filho, que morreu dia 2 de maio. Fiz um curso de cinco meses. Hoje, o que mais gosto de fazer na arte da interpretação eu devo ao Antunes Filho. Na época, eu era imaturo e não me dedicava integralmente à metodologia. Atualmente, eu me dou conta de como ele era genial. Os métodos de interpretação que eu aprendi com Antunes, como o naturalismo, são os mais verdadeiros, na minha opinião. Ao final do curso, não fui chamado para integrar a companhia dele.
HT – Isso proporcionou a você mais força para mergulhar de cabeça no universo do design?
TC – Como eu gostava muito de desenhar cadeiras e outros tipos de móveis, decidi prestar vestibular para a faculdade de Belas Artes de São Paulo. Comecei o curso de desenho industrial. Nessa época, eu morava com uma amiga que estudava na EAD (Escola de Arte Dramática) da USP, e todo mundo me dizia que eu deveria cursar também, que era diferente do que eu havia aprendido com o Antunes Filho. Depois de um ano, eu prestei vestibular novamente. Foi quando a minha vida mudou e conheci atores e diretores e me lembrei muito do que Antunes havia me ensinado. Os tempos eram outros. Continuei fazendo as duas faculdades paralelamente, pois eu tinha muito receio de ficar desempregado ou de que a minha vida de ator não desse certo. Foi quando eu fiz teste para entrar para o elenco da minissérie “A Casa das Sete Mulheres”. Terminei as duas faculdades. Trabalhar com figurinos e design foi a forma que eu encontrei de misturar as duas paixões da minha vida. Comecei como figurinista na Companhia Hiato, com a peça “Escuro”. A minha tia, Mariza, que tinha uma parceria com o ParkShopping de Brasília, sugeriu uma exposição retrospectiva de estilistas brasileiros pré-semanas de moda. Cada ano, por cinco ou seis anos consecutivos, eu montava a mostra em homenagem a um designer diferente. Então, eu definiria o trabalho de figurinista como uma junção entre a atuação e o design, meus dois grandes amores. Todos os meus figurinos são feitos a partir de desenhos próprios.
Créditos:
Fotos: Giselle Dias
Beleza: Jessica Rodrigues
Styling: Manoela Marandino
Retoucher: Caetano Weissman
Agradecimentos
Rio Othon Palace
Fernando Cozendey
SRI
Artigos relacionados