Por onde Anda Neuza Caribé? Atriz esteve em “Família é Tudo” 38 anos depois de seu último trabalho na TV


Quase 40 décadas após seu último trabalho em novelas, Neuza Caribé celebrou o retornou à TV em “Família é Tudo”, que encerrou na última sexta. A atriz, que nunca havia gravado nos estúdios do Projac, foi surpreendida com o convite para interpretar a avó guatemalteca da protagonista Lupita, vivida por Daphne Bozaski. O papel, inicialmente pequeno, ganhou mais destaque pela força de sua atuação. Neuza, afastada da TV desde os anos 80, quando se dedicou ao teatro, se encantou com as mudanças no formato de produção atual e o acolhimento dos colegas. Casada com o médico Maurício, Neuza reflete sobre a importância da sensibilidade tanto na arte quanto na medicina, destacando o cuidado com os detalhes e o acolhimento, essenciais em ambas as áreas. E reflete sobre o futuro da televisão, numa época em que os jovens não consomem mais TV aberta

*por Vítor Antunes

Quase quarenta nos depois, ela voltou. Na última novela em que Neuza Caribé trabalhou, “Selva de Pedra” (1986), os Estúdios Globo não existiam, Miguel Falabella era “um ator de futuro” e Fernanda Torres era a protagonista. A volta de Neuza à TV surpreendeu a ela própria. “Nunca tinha ido ao Projac (atuais Estúdios Globo). Em minha última novela gravamos umas cenas em Friburgo e outras na Rua Lopes Quintas”. O endereço citado por Neuza, onde anteriormente eram gravadas as novelas, hoje abriga os estúdios do jornalismo da GloboNews. Segundo Neuza, o convite para “Família é tudo”veio inesperadamente. “Um dos produtores da novela me chamou para fa zer uma participação dando vida à avó da Lupita (Daphne Bozaski), que havia sido sequestrada. Inicialmente era uma cena em que só precisávamos gritar. O autor gostou da cena, e aumentou o personagem, que passou a estar presente da terra natal de Lupita, a Guatemala”.

Oriunda do teatro, mas tendo feito muitas novelas de expressão do início dos anos 1980, Neuza reflete sobre como vê a relação dos telespectadores com a própria televisão. “Acho que a TV não se preocupou com a formação de público. Vejo que as crianças, os jovens, eles estão muito mais ligados nas coisas mais rápidas – como a Intenet – do que na televisão propriamente dita. Essa é uma realidade. Quando eu fazia teatro para criança, preocupávamo-nos com a formação de plateia. E é importante que a criança saiba que o teatro é legal, por que quando ela crescer vai curtir também”.

Neuza Caribé é daquelas que nunca abandonam o palco da vida. Quase 40 anos depois, ela retornou à televisão com a mesma intensidade de quem nunca partiu, mas com a sabedoria de quem conhece cada camada da alma humana. Sua personagem, a avó de Lupita, reflete não apenas a dor de uma vida sofrida, mas também a própria resiliência de Neuza, que transcende a atuação e se faz presente em cada olhar. Entre telas, palcos e marés, ela segue sua jornada, movida pela sensibilidade, pela arte e pelo amor, seja no teatro, na televisão ou na vida.

O tempo em que ficou afastada do vídeo já fez com que Neuza percebesse muitas mudanças para além do perfil da própria televisão. Atualmente os roteiros são disponibilizados digitalmente, em tablets e não mais impressos, de modo que para os artistas 50+ é mais difícil acompanhar o material nesta plataforma. “Eu recebia o texto por e-mail, imprimia e ficava estudando. Antigamente eu pegava os lotes de capítulo com a Guta Mattos (1919-1993).  Outra coisa que me impressionou é que hoje há um cuidado com as cenas, com uma direção de cinema, com uma iluminação melhor, microfone individual para cada ator. Fiquei encantada com o acolhimento da equipe. Os atores jovens também têm uma boa preparação, fazem aula de prosódia e têm coaching, algo que não existia antigamente”.

Neuza Caribé e Mila Grecco em “Família é Tudo” (Foto: Reprodução)

ABUELITA

No ato final da novela “Família é Tudo”, Neuza Caribé trouxe à vida a avó de Lupita, personagem guatemalteca marcada pela dor e pela pobreza. Ao retornar à televisão, a atriz mergulhou no desafio de incorporar o espanhol em sua fala. “Fiquei assistindo Maria do Bairro e Rebelde o tempo inteiro para poder pegar o ritmo da fala, depois fui ensaiar com a Daphne e chegar a um meio-termo para não falar nem muito português nem muito espanhol”, explicou Neuza, ao descrever sua preparação para o papel.

A sua personagem carrega as marcas de uma vida sofrida, algo que Neuza traduziu em cada gesto, cada expressão. “A avó de Lupita é vinda da Guatemala, uma mulher pobre, muito pobre. O marido ganha dinheiro e perde no jogo, além de tudo, perdeu uma filha que era a mãe da Lupita. Então, imaginei que ela era uma mulher de pouca vaidade. Eu fazia maquiagem… é que eles faziam uma maquiagem. Aí depois eu tava fazendo várias expressões no rosto. Aí ficava assim, meio encarquilhada”. Nessa construção, Neuza mostrou a profundidade de uma mulher resiliente, esculpida pela dor, mas ainda de pé.

A parceria com Daphne Bozaski, intérprete da protagonista, foi um reencontro especial para Neuza, que já admirava a jovem atriz desde seus primeiros passos na televisão. “Eu me sinto encantada com a Daphne, desde a época de Malhação quando ela fazia a Benê. Então esse trabalho, quando eu fiz, também achei uma graça o trabalho dela, de composição. É uma menina dedicada”, disse Neuza com afeto. A admiração mútua entre as atrizes trouxe para a tela uma relação bonita entre avó e neta, cheia de nuances e emoção.

Neuza Caribé e Daphne Bozaski em “Família é Tudo” (Foto: Reprodução)

A carreira de Neuza Caribé, no entanto, não se limita à televisão. Nora dos gigantes da teledramaturgia, Dias Gomes (1922-1999) e Janete Clair (1925-1983), Neuza se afastou da TV nos anos 80 para se dedicar ao teatro e à família. “Fui fazer teatro, a produzir teatro e escrever porque assim podia estar com as minhas filhas. Inclusive, a Renata Dias Gomes, roteirista, aprendeu a andar nos corredores da TV Globo”, relembra com carinho.

Ela revisitou seu passado nas produções teatrais, com destaque para Guerrinha de Troia, ao lado de Cassia Foureaux e Alan Pierre, e O Toreador, texto original de Janete Clair. A atriz ainda dirigiu uma ópera espírita e trabalhou com moradores de rua em peças sociais. Participou também do filme Quem Matou Pixote, uma atuação de grande importância afetiva para ela, dirigida por José Joffily. Entre suas memórias, revela: “Ultimamente, eu tava tomando muito banho de mar”, diverte-se. Na TV, marcou presença em produções como Selva de Pedra (1986), Brilhante (1981) e Sétimo Sentido (1982), compondo personagens que ampliaram seu reconhecimento artístico.

Neuza Caribé e Cininha de Paula em cena de “Partido Alto” (Foto: Reprodução/Globoplay)

Hoje casada com o médico Maurício, Neuza encontra na medicina paralelos com sua arte. Para ela, o ofício do marido também exige uma sensibilidade que transcende o conhecimento técnico. “Para trabalhar com a medicina, que não é uma ciência exata, você tem que ter muita sensibilidade também. O médico também passa por isso, eu acho que a sensibilidade de perceber nos mínimos detalhes, é às vezes mais importante do que você dar o remédio mais novo, mas dar um acolhimento”, refletiu a atriz, traçando uma linha poética entre o cuidar, seja no palco ou na vida real.