*por Vítor Antunes
Recentemente internada em um hospital do Rio por conta de uma indisposição, uma das personalidades mais marcantes do Teatro de Revista e da televisão em seus primeiros anos, Carmem Verônica já está em casa. Depois de passar pela Record ainda no antigo formato de telenovelas na época do preto-e-branco, atuando em “Ceará contra 007” e “Quem Bate“, a atriz foi convidada pela Globo para emprestar seu talento à novela “Deus nos Acuda“. Ainda na emissora atuou em “Belíssima” e “Caras e Bocas” e “Sangue Bom“. Fora das telas desde 2013, Carmem Verônica diz ainda ser lembrada, mas que só voltaria a trabalhar na TV se fosse “por conta de um bom papel. Todo trabalho para mim tem que ser uma coisa decente. Eu respeito o meu trabalho e fazer porcaria eu não aceito. Eu só volto se for algo digno”.
Com a mesma elegância e firmeza com que viveu cada capítulo de sua história, Carmem Verônica permanece como um farol de dignidade em meio às luzes e sombras do universo artístico. Sem concessões ao superficial, ela construiu uma carreira passo a passo, respeitando o ofício e a si mesma, como quem borda uma tapeçaria única e atemporal. Ela se recusa a ser refém da nostalgia, preferindo celebrar a simplicidade de estar em paz consigo e com as escolhas que fez. Para Carmem, a vida nunca foi sobre os “oba lá lás” ou os holofotes efêmeros, mas sobre cultivar relações dignas, honrar sua essência e, acima de tudo, manter-se fiel ao que acredita. Um legado que, como ela, não se apaga: segue iluminando com brilho discreto, mas eterno. Sobre a volta aos sets de filmagem ou do teatro, ela frisa:
Já parei de trabalhar há tanto tempo que voltar não me causa mais emoção. Para mim, todo trabalho é um trabalho, mas meu retorno ao ofício deve se enquadrar a mim. Eu respeito meu trabalho e só o faço quando é digno – Carmem Verônica
Carmem diz não ter contato com as atrizes contemporâneas do Teatro de Revista, que eram chamadas de vedetes. Termo, inclusive, que ela diz achar desrespeitoso. “É uma expressão horrorosa. Eu nunca me considero uma. Aquelas atrizes eram minhas colegas de trabalho. Além do mais, eu nunca convivi em ambientes só de atores. As pessoas com as quais me relaciono até hoje são aquelas que prezo. Nunca as coloquei num pedestal. Nunca fui da patota de artistas”. Hoje, aos 92 anos, com uma vida tranquila, Carmem revela desejos simples: “Sou grata a Deus pelo que Ele me deu e quero que Ele continue comigo. E isso é tudo. Estou com Deus e não abro.”
Eu não me relaciono com gente por conta da idade. Se uma pessoa é legal eu estou com ela. Eu me nego a falar com pessoas levianas. Essas não encontram lugar na minha lista de amigos – Carmem Verônica
RAINHA DA FRESCURA
O jeito afetado de falar, o porte e o star-system de Carmem deram a ela, nos anos 1960, o título de Rainha da Frescura. Foram vários as personagens com esse perfil interpretadas pela atriz até meados daquela década, quando ela se retirou da profissão de atriz a pedido do marido, o empresário Jacques Sicart. Já nos anos 1970, Carmem voltou à TV fazendo participações em humorísticos, mas seu grande retorno aconteceu em 1992, na novela “Deus nos Acuda”, na qual interpretou Xena, melhor amiga de Baby (Glória Menezes).
Anos depois, em 2005, reapareceu em “Belíssima”, vivendo a ex-vedete Mary Montilla, rival de Guida Guevara (Íris Bruzzi) — ambas personagens ligadas ao Teatro de Revista. Na trama, Claudia Raia também estava no elenco. Fã de Carmem, La Raia a homenageou em duas personagens: Samanta Paranormal, de “Alto Astral”, e Lidi Pantera, de “Verão 90″. Na peça Conserto para Dois (sim, é com ‘s’ mesmo), ao lado de seu marido, Jarbas Homem de Mello, Claudia incorporou elementos que remetem à personalidade de Carmem.
Ser homenageada não me impressiona. A minha vida é minha vida. A quem se lembra de mim, eu agradeço a lembrança e a homenagem, mas isso não me diz nada. Sigo vivendo sem grandes ‘oba lá lás’ – Carmem Verônica
Sílvio de Abreu, responsável por levar Carmem de volta às novelas, é outro grande admirador de seu trabalho. Apesar disso, eles não mantêm uma relação próxima, ainda que sejam amigos.“Silvio é muito querido, mas não o vejo há anos. Temos uma ligação como amigos, mas sem grande convívio. É uma relação humana, decente, de gente civilizada. Até porque, como já ressaltei, não sou muito ligada a esse universo artístico. Meu marido não gostava que eu trabalhasse. Hoje sou viúva”. Carmem casou-se em 1955 com o empresário Jacques Sicart, ficando viúva em 2022. Juntos, tiveram uma filha, Carmen Sylvia.
Atriz em uma época em que a profissão não era bem vista pela sociedade, Carmem diz que não sofreu preconceitos. Foi especialmente acolhida pela família, o que lhe deu segurança para seguir na carreira sem concessões: “Desde o momento em que minha família não disse nada, vi que não haveria maiores problemas. Nunca estive fazendo baixaria e jamais farei. Os papéis que me foram oferecidos aceitei com dignidade. Acho que não se pode começar uma carreira sendo uma grande estrela, e, se assim cheguei a ser, é porque galguei passo a passo. Soube chegar, me ambientar, estar com as pessoas… E, graças a Deus, ainda sou procurada”. Em sua biografia, O Riso com Glamour, escrita por Cláudio Fragata, Carmem conta que começou a carreira como figurante nos filmes da antiga Atlântida.
Artigos relacionados