*por Vítor Antunes (colaborou Tião Uellington)
“Cadê Zazá, Zazá, Zazá…“. Uma novela farsesca que se transformou em drama, acabou sendo esticada e tornou-se um fracasso. Zazá é lembrada não apenas pela canção chiclete mencionada anteriormente, mas também por ser considerada um “mico” na carreira de Fernanda Montenegro. Na mesma época em que estrelava a problemática novela, a atriz promovia o filme Central do Brasil, pelo qual foi indicada ao Oscar em 1998. Curiosamente, esta foi a primeira novela que reuniu Ney Latorraca (1944-2024) e Fernanda Montenegro profissionalmente. Como maior das coincidências, a trama retornou ao catálogo do Globoplay no último dia 30, poucos dias após a morte de Ney Latorraca.
“Uma milionária amalucada e adorável” foi como Zazá, a protagonista da novela homônima exibida entre 1997 e 1998 pela Globo, foi apresentada ao público. Em uma matéria de Mariana Timóteo da Costa para o Jornal do Brasil, Fernanda Montenegro revelou que, apesar de sua personagem ser fascinada por aviões — parente de Santos Dumont e sonhadora de construir um avião atômico —, ela mesma tinha pavor de voar.
O retorno de Fernanda Montenegro às novelas foi anunciado com pompa e circunstância. Era seu reencontro com os folhetins, dos quais estava afastada desde 1993, quando atuou em O Mapa da Mina. Além disso, desde 1986, ela não protagonizava uma novela. Fernando Torres (1927-2008), marido de Fernanda, também estava longe das novelas desde 1984 e, curiosamente, o casal não interpretou um par romântico em Zazá.
SAIU DO TOM
- Segundo a biografia Solta o Verbo, publicada pela Imprensa Oficial, Lauro César Muniz escreveu sozinho a novela até o capítulo 70. Após enfrentar uma crise de estafa, delegou a tarefa aos colaboradores Rosane Lima e Aimar Labaki, cujos estilos bastante diferentes levaram a atritos entre eles. A trama começou a desandar, e Lauro convocou mais dois colaboradores, Jackie Vellego e Nelson Nadotti. Em razão da queda na audiência, a Globo solicitou mudanças no tom da novela, que passou de comédia para drama, mas a audiência caiu ainda mais. Para piorar, a produção da sucessora no horário, Corpo Dourado, sofreu atrasos, e Lauro precisou improvisar novas histórias para estender a trama por mais dois meses. Definitivamente, não havia como Zazá dar certo.
- Fernanda Montenegro era a protagonista, aos 67 anos, interpretando uma mulher com mais de 70 — algo raro até mesmo hoje. “Ela é uma senhorinha muito rica, simpática… Num tom de comédia dos anos 1930, 1940”, explicou Fernanda. O ritmo intenso de trabalho a fez declarar que não pretendia voltar a protagonizar novelas tão cedo: “Fazer novela é como dar um salto no abismo.”
- Apesar das dificuldades, o diretor Jorge Fernando definiu a novela como “vitoriosa”. Um dos títulos provisórios da trama foi Os Sete Pecados Capitais. Tereza Rachel chegou a ser convidada para o papel de Zazá, mas acabou participando apenas de Era Uma Vez (1998).
- Após o sucesso de Quatro por Quatro, Marcello Novaes e Letícia Spiller voltaram a formar um casal romântico em Zazá, desta vez com uma relação mais tradicional, sem os arroubos de Babalu e Raí, de 1994. O casal estampou a capa da trilha sonora internacional da novela. Na época, o filho dos atores, Pedro Novaes, tinha apenas quatro meses. Hoje, ele é co-protagonista de Garota do Momento.
- “Uma gordinha simpática que gosta de comer e quer ser chef de cozinha.” Assim foi apresentada Renata, personagem de Fafy Siqueira — uma abordagem que, atualmente, seria considerada inadequada.
- As gravações de Zazá em Paris foram extremamente complexas, incluindo uma réplica do 14 Bis e cenas realizadas em locações icônicas. A decoração da sala de Zazá contou com elementos cedidos pelo Museu Aeroespacial do Rio de Janeiro.
- Gal Costa (1945–2022) gravou especialmente para a novela a música “Jovens Tardes de Domingo”, de Roberto Carlos. A canção fez relativo sucesso e levou a cantora ao especial de fim de ano de Roberto Carlos em 1997.
- A novela também abordou questões sociais importantes, como o HIV, com destaque para Jaqueline, personagem vivida por Adriana Londoño. Além disso, Zazá marcou a última participação de Sandra Bréa em novelas. A personagem foi uma homenagem ao filho de Lauro César Muniz, Ricardo, que faleceu devido a complicações da AIDS.
- A trilha sonora de Zazá foi considerada “irregular” pelo crítico Mauro Ferreira. A trama, no entanto, enfrentou críticas de moradores de Palmas (TO), que se incomodaram com a abordagem do tema da exploração de menores.
Mário Lúcio Vaz, então diretor da Globo, declarou publicamente sua preocupação com os rumos da novela, o que gerou repercussão negativa. “Foi um tiro no pé que atingiu a minha cabeça”, lamentou Lauro César Muniz.
- Apesar de tudo, Lauro César Muniz declarou à época: “Nunca fiz uma novela tão grande. Será o meu recorde.” Ante ao esticamente do novela, Jorge Fernando, ciente das dificuldades, pediu solidariedade ao elenco: “Peço a colaboração de todos os envolvidos.”
- Na época de Zazá, os custos de produção estavam longe de ser uma preocupação. Até mesmo as roupas do núcleo pobre eram confeccionadas por grifes europeias, segundo reportagem da Contigo. A novela também apostava em veteranos, como destacou o jornal O Fluminense.
- Sobre a música tema, a cantora responsável pela abertura desabafou: “Emplacar uma música em tema de abertura é uma faca de dois gumes. Ela se queima rapidamente e você não recebe um tostão. A tal da Zazá, por exemplo, foi péssima para mim… Fui burra de aceitar incluir aquele refrão chatinho: ‘Cadê Zazá, Zazá, Zazá…’. Abertura de novela, nunca mais!”.
Como marco de uma época em que a televisão brasileira não media esforços em suas produções, Zazá representou tanto os excessos quanto os desafios criativos de uma novela fora do padrão. Apesar dos problemas de audiência, mudanças bruscas de tom e dificuldades internas, a trama deixou um legado curioso: a reunião de grandes nomes da dramaturgia, como Fernanda Montenegro e Ney Latorraca, em um momento emblemático de suas carreiras. Entre polêmicas, críticas e inovações, Zazá permanece como um retrato fiel das complexidades e ambições das novelas da década de 1990, um símbolo do que pode dar errado — mas também do que jamais se esquece. Afinal, “Cade Zazá, Zazá, Zazá…’
Artigos relacionados