Elísio Lopes Jr, co-autor da novela ‘Amor Perfeito’, renova contrato com a Globo e dá spoiler sobre a nova trama


Ele prepara, com Júlio Fischer e Duca Rachid, uma nova novela das 18h, uma trama de época com a “cara do Brasil”. O autor destaca a importância de representar histórias humanas conectadas à realidade nacional, sem reduzir a narrativa à questão racial. Elísio reflete sobre críticas a “Amor Perfeito” e a pesquisa histórica que fundamentou a presença de personagens negros em profissões como Medicina nos anos 1940, contrariando estereótipos. “A gente, obviamente, ouve de tudo. “O público, tal como acha que é autor de novela, acredita ser técnico de futebol. Quando eu fui convidado para fazer a novela por Júlio e Duca, disse que me recusaria a fazer uma novela que desse as costas para o Brasil e que não fosse relevante para as pessoas. Essa observação dos telespectadores é muito interessante”. Paralelamente, dirigiu o musical Torto Arado, adaptado do livro de Itamar Vieira Junior, explorando espiritualidade, ancestralidade e a força histórica das mulheres negras

*por Vítor Antunes

Uma das frases mais significativas do tema de abertura da novela “Amor Perfeito” (2023) dizia ser o amor um ato revolucionário. E essa foi uma das emoções que a novela compartilhou, ainda que já trouxesse a tal palavra em seu título. A novela teve uma considerável audiência,  revelou Levi Asafe e Diogo Almeida, os protagonistas, e também chancelou o talento da tríade de autores. Elísio Lopes Jr, Júlio Fischer e Duca Rachid estarão, em breve, de volta ao horário das 18h, numa trama que está em plena preparação. Elísio conta que a equipe criadora de “Amor Perfeito” apresentou a proposta que foi aprovada e a sinopse está em conclusão. Foi antecipado ao Site Heloisa Tolipan que está sendo preparada uma trama de época e “uma história com a cara do Brasil”.

Uma das queixas da comunidade preta para “Amor Perfeito” era, justamente uma vida um tanto perfeita para a comunidade preta dos Anos 1950, que vivia sem ser alvejada pelo preconceito, numa sociedade que não criava resistências ao fato de Orlando (Diogo Almeida), mesmo médico e preto, ser aceito nos clubes e nas associações. Elísio diz que as reclamações e críticas do público chegaram até a equipe criativa. “A gente, obviamente, ouve de tudo. O público, tal como acha que é autor de novela, acredita ser técnico de futebol. Quando eu fui convidado para fazer a novela por Júlio e Duca, disse que me recusaria a fazer uma novela que desse as costas para o Brasil e que não fosse relevante para as pessoas. Essa observação dos telespectadores é muito interessante. “Amor Perfeito” não é uma novela sobre racismo, nem sobre a questão racial. É sobre a busca de uma mãe pelo filho”.

Elísio descreve ter analisado  fotos da década de 1940, e “Amor Perfeito” e, em registros que confirmassem a realidade, ratificou informações que vão de encontro ao que se estabeleceu como padrão: De que todos os pretos, sem exceção, alisavam seus cabelos. “Pelo contrário. Isso era feito quando as pessoas tinham dinheiro, mas elas não viviam constantemente de cabelos alisados. Não deixavam de trançar ou de usar seus cabelos crespos. A estética imposta pela televisão não refletia a vida real. A realidade da população negra brasileira nos anos 1940, como retratada em Amor Perfeito, não era a de cabelos alisados. Médicos pretos existiam, sim, nos anos 1940. Existiam advogados e outros profissionais e eles enfrentaram inúmeros obstáculos. Esses profissionais foram apagados porque não interessava contar suas histórias. A narrativa preferia focar no fracasso, no racismo, na exclusão”.

Elísio Lopes voltará ao ar, às 18h, com os autores de Amor Perfeito (Foto: Divulgação)

PERFEITA DEMAIS

O autor de “Amor Perfeito” prossegue, naturalmente retratando de maneira mais pontual a questão racial: “Fizemos um estudo aprofundado sobre qual era a realidade da Medicina no Brasil nos anos 1940, e qual foi a minha surpresa ao descobrir que a primeira faculdade de Medicina do Brasil está na Bahia. Tanto lá como em Minas Gerais, havia muitos alunos pretos. O processo de embranquecimento do curso veio depois, com essa questão do colorismo. Quem podia se passar por branco fazia isso para conseguir permanecer na faculdade, pois era uma forma de sobreviver socialmente e alcançar uma carreira mais bem-sucedida do que se assumir como um profissional preto. Eu também pesquisei isso no Direito e na Engenharia, e fui encontrando relatórios importantes com nomes de ícones dessas áreas, mostrando que, mesmo naquela época, já havia profissionais pretos. É óbvio que eles eram minoria — e continuaram sendo por muitas décadas. Mas eles já existiam, assim como existiam personagens na novela daquela época, onde quase todos os negros tinham cabelos alisados devido à estética imposta. Isso também foi tema do estudo”.

Júlio Fisher, Duca Rachid e Elisio Lopes são os autores de “Amor Perfeito” (Divulgação/Globo)

Tenho buscado, em cada projeto, que a gente conte histórias humanas, histórias de pessoas, mas que também nos levem a repensar este país. Não é possível contar uma história brasileira onde todos os protagonistas sejam brancos, porque isso não é real. Isso não é o Brasil. Vou sempre pensar um protagonismo que contemple histórias que se pareçam comigo, com o meu País, com a minha cultura. Mas isso não significa, necessariamente, que seja sobre a questão racial ou sobre ser ou não preto. O que não cabe, no Brasil de hoje, é contar histórias que não representem pessoas de verdade – Elísio Lopes Jr.

Elísio Lopes vê com aprofundamento o debate racial no Brasil (Foto: Divulgação)

Elísio Lopes conta como deu sua entrada na trama: “Apesar de eu ter entrado inicialmente para colaborar, como fui o primeiro, criei um diálogo muito grande com eles e participei da construção final da história. Então, Julio e Duca me convidaram para ser coautor da história. Nós escaletamos a novela inteira juntos. Todos os dias de trabalho eram os três escaletando todos os capítulos. Não trabalhamos separados em nenhum capítulo da novela. Basicamente, os capítulos eram feitos por nós três, e, depois, eram distribuídos para as nossas colaboradoras: Dora Castelar e Duba Elia. Nós fazíamos a revisão final, passávamos para o pesquisador, todo mundo lia e fechava o capítulo. Foi um trabalho muito compartilhado, e agora estamos retomando o trabalho da mesma forma.

Segundo o autor, essa “é uma dinâmica que funcionou, então nada mais justo que seja mantida para o próximo trabalho. Admito que, poucas vezes, eu não concordei com algo. Isso aconteceu raramente, e é super natural. Em 90% dos casos, chegamos a um consenso na divisão e estamos em comunhão”.

Diogo Almeida e Camila Queiroz em “Amor Perfeito” (Foto: Divulgação/Globo)

TEATRO

Em 2024, o autor esteve em cartaz com “Torto Arado“, montagem baseada no romance de Itamar Vieira Junior, incensado autor baiano e nome por trás do best seller homônimo. O espetáculo, que esteve em cartaz no Sesc 14 Bis em São Paulo, foi um musical com direção de Elisio, e a dramaturgia, coassinada por ele, Aldri Anunciação e Fábio Espírito Santo. O autor celebra o fato de que a grande procura pela montagem significa também uma necessidade de encontro com o Brasil de verdade, com o Brasil real e profundo. “Temos a sensação de que a gente está querendo, cada vez mais, conhecer a nossa história. O brasileiro está valorizando a sua construção, o seu passado. Queremos saber mais sobre de onde a gente vem e histórias do nosso lugar”.

Elísio Lopes Junior compartilha observações sobre a adaptação de Torto Arado para o teatro, destacando o equilíbrio inesperado entre os públicos que já conheciam o romance e aqueles que tiveram seu primeiro contato com a obra através da montagem. Para ele, isso evidenciou um alcance maior do que o esperado, transcendendo o público habitual de leitores: “Quando a plateia chegou ao espetáculo, percebi algo interessante: metade era composta por leitores do livro, enquanto a outra metade não havia lido a obra. Isso me surpreendeu, porque acreditávamos que a maioria seria formada por pessoas que já conheciam o livro e gostariam de ver a adaptação. Na verdade, temos uma plateia muito equilibrada entre quem leu e quem não leu, mas que sai do espetáculo com vontade de conhecer o livro. Achei isso muito interessante e nos deixou muito felizes”.

Em outro momento, Elísio reflete sobre a riqueza cultural e espiritual presente na obra de Itamar Vieira Junior, cuja adaptação para o teatro mantém a essência do romance premiado com o Prêmio Leya. Ele destaca como a religiosidade dos personagens de Torto Arado é um elemento central na trama, conectando-se de forma íntima ao universo do espetáculo: “Acredito que o livro possui um universo próprio que se conecta muito com o espetáculo. Há uma ligação profunda com a questão religiosa dos personagens, e todos eles carregam uma carga espiritual significativa. Por exemplo, o pai do protagonista é o curador, que seria como um pai de santo ou mestre da religião deles — o Jari, uma religião característica da Chapada Diamantina, na Bahia, que apresenta um sincretismo religioso. Essa religião mistura elementos do catolicismo, umbanda, candomblé e espiritismo. Acho essa mistura fascinante e muito brasileira. Essa pluralidade de formas de cultuar a fé é a cara do Brasil. Quem assiste ao espetáculo, independentemente de sua religião, acaba se conectando. Há cenas que vão de Bom Jesus da Lapa até o Boiadeiro, ou de Santa Bárbara, e mostram como nossa cultura é plural”.

O espetáculo evidencia que não é natural para o brasileiro viver com ódio. Não somos uma nação formada pelo ódio, mesmo que existam casos isolados. Quando se conta uma história que aborda a fé de forma ampla, o mais importante não é a religião em si, mas a crença, a conexão com algo maior. Isso cria identificação. Mesmo que inicialmente alguém possa rejeitar ou discriminar os personagens por suas características, ao longo da história, percebe que há um sentimento humano em comum. Essa é uma das forças de conexão do espetáculo e reflete muito o que somos no Nordeste – Elísio Lopes Junior

Montagem de “Torto Arado” em São PAulo (Foto: Caio Lírio)

Elísio explora no espetáculo Torto Arado a força histórica das mulheres pretas na consolidação do que entendemos como Brasil. Para ele, o papel dessas mulheres vai além de suas contribuições práticas: é a base de uma narrativa ancestral que define e sustenta a identidade nacional. “O espetáculo aborda histórias femininas de forma marcante. O Brasil é um país que se mantém de pé, em grande parte, por causa das mulheres, especialmente as mulheres pretas. É uma saga ancestral, onde as histórias das mulheres do passado influenciam e possibilitam o futuro de outras”.

Em outro momento, Elísio reflete sobre as tensões globais relacionadas à questão racial no cenário pós-eleição de Donald Trump, que intensificou o combate ao protagonismo negro, representado por ideias como a crítica à “filosofia woke”. Ele enfatiza que a luta pela igualdade racial não pode ser comprometida ou negociada, destacando que os avanços conquistados são fruto de gerações de resistência e que a continuidade dessa luta é essencial para as próximas gerações. Para Elísio, a questão racial não é algo negociável. “Nossa humanidade foi conquistada com a luta de muitas pessoas que vieram antes de nós. Estamos agora colhendo os frutos desse esforço, mas também plantando para as próximas gerações. Talvez essas crianças e jovens já venham com um ‘chip’ diferente, ocupando espaços que ajudamos a construir. Acho que isso é algo geracional, e a humanidade não é uma questão que anda para frente ou para trás. Ela é um direito. Não acredito que o mundo retrocederá a um ponto de perder sua racionalidade ou caráter humano. Por isso, não tenho medo de posicionamentos contrários. Podemos discordar de ideias, mas não podemos negar a existência ou a identidade de alguém”.

Elísio: “a igualdade racial não pode ser comprometida ou negociada” (foto: Divulgação)

Elísio também critica a postura de “especialistas” que, sem vivência direta das questões raciais, buscam impor opiniões sobre a experiência negra. Ele aponta que o caminho para a superação dessas divisões está na empatia e na ampliação dos espaços de poder, fala e economia: “É curioso como a questão racial parece ter muitos especialistas, inclusive entre aqueles que não são pretos. Há opiniões sobre como devemos nos sentir, agir ou ser. Espero que isso, com o tempo, se transforme em empatia. Colocar-se no lugar do outro é fundamental para entender que não devemos tirar dos outros o que não queremos que nos tirem. Estamos em um momento de consolidar conquistas e transformar dignidade em cargos, dinheiro, tempo e espaços políticos e de expressão. Nosso compromisso agora é ampliar os espaços de fala, poder e economia, pois é assim que superaremos as exclusões históricas”.

Entre romances que se transformam em peças de teatro e novelas que tocam em temas universais, Elísio Lopes Junior reafirma a potência da arte como reflexo e transformação do Brasil. Seja na riqueza espiritual de Torto Arado ou nas escolhas narrativas de Amor Perfeito, o autor nos convida a mergulhar em histórias que celebram a pluralidade do país. Com um olhar atento ao passado e um compromisso com o futuro, Elísio constrói narrativas que transcendem fronteiras e reafirmam a humanidade como um ato de resistência. É no palco, na tela ou na vida que o Brasil se refaz, sempre com suas raízes bem fincadas e o olhar voltado para o horizonte.