*por Vítor Antunes
No ar, no streaming, já que “História de Amor” entrou no portfólio Globoplay, a atriz Bia Nunnes relembra a novela, uma das mais pedidas pelo público. Além disso fala de uma temática abordada na trama e que a surpreendeu: o debate sobre o câncer de mama, algo que não estava previsto. “Esse tema não seria, inicialmente, abordado. Porém, uma amiga de Manoel Carlos estava vivendo isso e ele resolveu levar à trama”. Desde 2011 fora das novelas, cuja última novela completa foi “Aquele Beijo“, Bia diz sentir falta de estar nas novelas. “Acho importante para o ator estar atuando, quer seja no teatro, na TV, no cinema. Sinto falta dos colegas, das pessoas, da surpresa de ser uma obra aberta e não saber o que vem pela frente. É legal para o ator essa surpresa”.
Bia Nunnes é um importante nome da teledramaturgia e integra uma família de grandes artistas. Ela é irmã de Maria Cristina Nunes, é uma das primeiras intérpretes de Bebel na primeira montagem de “A Grande Família” e filha de Max Nunes (1922-2014), pioneiro do rádio, da televisão e dos programas humorísticos. De acordo com Bia, o humor na TV hoje não vive um bom momento. Inclusive, o gênero está ausente das emissoras e, mais que isso, seus expoentes parecem restritos à memória daqueles que os conhecem. “Não há mais programas de humor como teve. É algo que sinto falta e muitos dizem sentir o mesmo”. Com efeito, a fala da atriz está apoiada num fato real. Nas três emissoras de maior audiência na televisão brasileira – Globo, Record e SBT – apenas nesta última há um show humorístico: “A Praça é Nossa” e que não é exatamente um programa novo. Só no SBT está há quase 40 anos e com a mesma fórmula, que traz suas origens do rádio.
HISTÓRIA DE AMOR
“História de Amor” voltou ao Globoplay ontem, segunda-feira, dia 5. A trama de Manoel Carlos, é um dos maiores sucessos do ano de 1995 e é bem sucedida em audiência e repercussão tanto na sua exibição original como nas reprises do Viva, em 2014, e do “Vale a Pena Ver de Novo” em 2001. Com lugar cativo no coração do telespectador, a novela era uma das mais pedidas em seu retorno à plataforma. Na trama noventista, Bia Nunnes viveu Marta, melhor amiga de Helena (Regina Duarte). A atriz relembra o projeto: “O elenco era super unido. É uma novela de amor, encantadora, com pessoas de classe média e conflitos inerentes a qualquer pessoa. Marta era uma mulher comum com uma filha, um marido viciado em jogo e que bebia demais. Amiga fiel da protagonista. Era uma coisa muito legal”. Mais próximo do fim da novela, houve um embate entre Joyce (Carla Marins) – mimada filha de Helena – e Marta. As crises de Joyce e os maus tratos à mãe fizeram o público sentir-se vingado pela briga entre as personagens de Nunnes e Marins. “Carla disse a mim ser esta uma das melhores cenas da sua vida. O público adorou os embates e torcia para punições à Joyce”.
Uma das surpresas que a novela revelou à sua intérprete foi o fato de Marta descobrir em si um câncer de mama. “Ela era um personagem alegre, leve e isso foi para mim uma reviravolta. Quando o Maneco decidiu abordar esse assunto, ele me ligou e falou sobre a história. Perguntei-o como seria isso, se haveria cura ao câncer da personagem e ele mesmo não sabia. Esse plot deveu-se ao fato de uma amiga do autor estar convivendo com o carcinoma mamário. E muitas mulheres diziam-nos estar sendo sensibilizadas através da história da Marta”, relembra.
A personagem descobre o câncer de mama num autoexame no seu quarto. E durante a trama deu-se o tratamento para a doença. Há, para Bia, uma memória igualmente bonita para esta personagem e temática na trama. “Há uma coisa inusitada. Enquanto eu passeava no Shopping da Gávea, uma mulher me contou que a novela a havia ajudado muito. E, do nada, sem mais nem menos, ela levantou a blusa para mostrar as cicatrizes recentes de uma mastectomia. Eu fiquei sem fala e ficamos super emocionadas. A moça estava esperando alguns meses para fazer a cirurgia reparadora”. Com a novela, o índice de mulheres fazendo mamografia e conscientizando-se sobre o tema subiu. E o resultado desse merchandising social foi tão positivo que Maneco repetiu a dose e inseriu a mesma doença em “Mulheres Apaixonadas“, através da personagem Hilda (Maria Padilha). Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), em 2021 foram 66.280 casos novos de câncer de mama e cerca de 61,61 casos a cada 100 mil mulheres.
Para Bia Nunnes, “História de Amor” trata-se de uma “novela simples, carismática que fala dos pequenos prazeres e por isso conquistou tantas pessoas. O Maneco tem essa habilidade de fazer uma novela sobre uma visita de amigos, do cafezinho, da simplicidade”.
Essa novela me marcou muito pela oportunidade de mostrar esse papel social, fazer diferença na vida das pessoas – Bia Nunnes
MESTRES
De uma família com ascendência histórica na arte, Bia Nunnes mergulhou neste universo. Seu pai, Max Nunes, por anos foi diretor dos programas de Jô Soares (1938 –2022), além de ter sido um dos nomes responsáveis pelo estabelecimento de programas importantes da historiografia da TV e do rádio, como o “Balança mas não cai“. Além dele, sua irmã, Maria Cristina Nunes foi uma atriz importante dos Anos 1970 – hoje aposentada – e poderá ser vista em breve na reprise de “Locomotivas”, também no Globoplay. Bia lamenta que nomes importantes da cena artística estejam sendo esquecidos. Mais que isso, lastima não haver mais programas de humor na TV. “Papai fez inúmeros programas humorísticos na Globo e mesmo no rádio, além de programas de TV importantes. A partir dele veio muita coisa, como o “TV Pirata” e o “Casseta e Planeta” . Alguns trabalhos de Bia na TV foram com seu pai, como em “Viva o Gordo” (Globo) e em “Veja o Gordo” (SBT).
Hoje o humor esta caído. Na Globo não tem mais humorísticos e é algo que sinto falta e muitos dizem o mesmo. O Brasil não tem memória – Bia Nunnes
Outro parceiro da atriz é Miguel Falabella. E ambos se conhecem há muito tempo. Estudaram juntos na mesma escola, o Andrews, no Rio de Janeiro, e eles têm muitas histórias em comum. “Chegamos a entrar para a lista negra da escola. Fazíamos encenações no colégio, brincávamos de que éramos Liza Minelli ou Lucille Ball. Era algo muito divertido. Já nos conhecíamos quando eu fiz a minha primeira novela, ‘Amor com Amor se Paga’“‘. Esta foi a segunda novela completa de Miguel e reexibida no Viva ano passado. Outro trabalho de Bia recentemente reprisado, foi “O Cravo e a Rosa“. A contrário da mítica que envolve o diretor Walter Avancini (1935-2001), a relação entre ambos foi tranquila “Ele ria, tinha humor, ainda que fosse carrancudo. Ele exigia profissionalismo, texto decorado. Se estivesse com tudo em cima ele admirava”.
TEMPO
Antes da pandemia, Bia e Diogo Vilella estavam em cartaz com a peça “A Verdade“, encerrada por conta das restrições sanitárias impostas pela pandemia e ainda não foi retomada. Para o segundo semestre, a atriz tem uma proposta de retorno através do streaming e outras produções junto ao seu marido, o professor do Tablado Fernando Berditchevsky.
Ausente das redes sociais, Bia tem um olha cauteloso para com elas. “Atualizo quando acho importante. Não sei se isso pode avaliar um artista. Hoje as coisas mudaram muito”, diz, sobre as atuais seleções de casting baseado no número de seguidores. Quanto ao trabalho em cinema, teatro e TV ela diz sentir “falta de fazer. Em princípio essa ausência foi boa, pois me permitiu fazer outras coisas, mas hoje quero pensar no streaming e em novos planos. Acho importante para o ator estar exercendo seu ofício em todas as plataformas. Das novelas, sinto falta da surpresa por ser uma obra aberta, não saber o que vem pela frente”.
Após uma pandemia e num mundo cada vez mais complexo, Bia sonha um mundo mais humano. “Hoje em dia fala-se de tudo e discute muito, mas as pessoas perderam a capacidade de ouvir, respeitar-se mutuamente. Falta poesia, amor ao próximo. Me preocupa a Inteligência Artificial, essa questão dos algoritmos… Penso nos meus sobrinhos e netos e nas crianças, sobre como vai ser esse mundo daqui a alguns anos”. E, como dizia o antigo e falecido Dzi Croquette Wagner Ribeiro, Bia Nunnes encerrou a entrevista dizendo um lema forte e definitivo sobre esses novos tempos de cólera: “Só o amor constrói”.
Artigos relacionados