*por Vítor Antunes
Afastada da TV desde quando atuou em “Verdades Secretas“, Alexia Dechamps está de volta ao ar em mais uma das reprises de “Mulheres de Areia“, novela de 1993 atualmente em exibição nas tardes da Globo. “Ao rever um trabalho tão antigo, entendo o fazer artístico de outra forma. Muda o olhar como atriz. Como era praticamente a minha primeira novela, eu achei que foi muito legal ter interpretado uma piriguete. Tanto que as pessoas elogiam e marcou até hoje”, observa. Além disso, a atriz reivindica uma melhor remuneração pelas reexibições quer na TV quer no streaming. Afinal, “Mulheres de Areia” está simultaneamente nestas duas plataformas. De fato, a trama de Ivani Ribeiro tem um índice expressivo de audiência, sólida na faixa, e está entre as novelas mais vistas no Globoplay. “É um absurdo. O conteúdo, hoje, vale uma grana. Tem um monte de pessoas na internet vivendo de conteúdo que eu nem sei quem são. Então, não dá mais para continuar esse modelo de remuneração. A televisão aberta nos remunera, porém pautada no que a gente recebia naquela época”.
Sobre os próximos projetos, a atriz é franca: “Neste ano, eu tirei para não trabalhar. Não vou estar em nenhum projeto. Quase fui para a Record fazer novela agora no segundo semestre. Eu estava indo viajar para a Israel e ponderei cancelar por causa da novela, mas voltei atrás. Sou filha única, tenho questões pessoais, de família, coisas que eu administro e que precisam ser resolvidas. E a minha mãe, Renata Dechamps, está precisando de mais um pouco de atenção hoje”.
Eco-ativista, Alexia pede, também, por mais representantes no Congresso. “Para tudo há a dependência de políticas públicas. Não existe causa animal sem políticas públicas. É preciso que hajam veganos, biólogos. Hoje há muitos representantes no Congresso Nacional que se elegeram por essa causa – e não que os esteja chamando de oportunistas -, mas que precisam agir, e não ficar restritos à esfera do gato e do cachorro, mas pensar no animais de forma global”.
POR ONDE ANDA?
Faz alguns anos que Alexia não faz novela. Segundo ela essa saída “dos holofotes foi para fazer um trabalho mais de base, para um crescimento profissional e um currículo mais respeitável. Quando me perguntam a razão de eu me dedicar tanto para o teatro, eu digo que acredito nos atores que vêm do teatro, e que para mim é a grande faculdade. Eu respeito muito atores que fazem e vêm do teatro e eu tinha essa necessidade”. Inicialmente modelo, Alexia Dechamps passou pelo julgamento que é inerente às moças que migram para a atuação. De alguma forma, semelhante ao que influencers têm sido alvo hoje, quando migram para o teatro ou TV. “Eu vim das passarelas e fui para televisão. Não que eu não tivesse estudado, eu já tinha feito curso em Nova York, já tinha feito O Tablado. Não caí de paraquedas, eu sempre quis ser atriz. Mas eu sempre fui muito ligada ao universo da moda e parecia que, porque conta da’ beleza’, não havia outra coisa em mim”. Alexia, então, se propôs à reinvenção. Tanto que foi atuar “Doroteia” de Nelson Rodrigues (1912-1980), “uma personagem completamente irreconhecível. Feia, corcunda, nariguda. E antes eu já havia feito “Filha, mãe, avó e puta“, baseado na biografia da Gabriela Leite (1951-2013).
Atualmente no ar na reprise da novela de Ivani Ribeiro, ela diz “sentir saudade daquele cabelo, daquela magreza, de gravar com Wolf Maya… Cada novela é uma família e eu amo. Sempre gostei. É um bichinho que morde a gente, mas eu amo muito. De modo que não tenho tantas críticas àquele trabalho. Eu deixo ele no lugar que ele tem, de uma atriz aos 26 anos, começando na carreira. Acho que realmente convenci como a Maria Helena, piriguete”.
Ela prossegue: “Com o amadurecimento que eu tenho como atriz e como ser humano, eu teria hoje muito mais coelhos para tirar dessa cartola e compor essa personagem de forma mais rica. E essa novela é muito atual no sentido de retratar uma cidade pequena. Angra ou Paraty ou Búzios, está tudo ali, eu acho que tudo isso é muito atual. E muito legal, porque as pessoas gostam muito e tem muita audiência”.
Ainda que celebre esta reprise, a atriz fala sobre outros trabalhos dela na casa e que não receberam a mesma chance: “Parece que eu só fiz essa novela. Cadê as outras? Tem uma pronta para colocar no ar, porque ela já é curta, não precisa nem editar, que é “O Fim do Mundo” (1996) e esta nunca foi reprisada na TV aberta”. De fato, a mini-novela de 35 capítulos não ganhou repeteco na TV, apenas no Viva e no Globoplay. “Mas a gente precisa ganhar um pouco melhor por isso. Hoje, estão aí os direitos e se discute muito sobre esse assunto. É uma grande briga. A gente está aí tentando receber. Quando comparamos com os músicos, se usarmos uma música em uma peça, a gente tem que pagar o ECAD (Escritório Central de Direitos Autorais) e para os atores não tem isso. Eles ficam passando, reprisando, repetindo em qualquer lugar do mundo e a gente não recebe. Não existe isso, gente!”, indigna-se.
Uma outra observação feita por Alexia tange à grande repetição de elenco nas novelas atuais. Já houve casos, especialmente durante a pandemia, onde a oferta de trabalhos inéditos era baixa, e que o mesmo ator estava em reprise em quase todas as faixas dedicadas à exibição de novelas. “Há atores que estão ‘na moda’ nesse momento, que caíram no ar da graça e com isso acaba não havendo uma abertura para outros artistas serem escalados. Alguns contratos mesmo encerrados acabam sendo renovados e a TV fica restrita a uma turma que se repete (…). Em contrapartida, tem entrado alguns atores negros, com outros perfis, e eu acho isso muito interessante”.
Quanto às novelas, de repente não chegou o papel certo ainda para mim ou adequado ao meu tipo físico – Alexia Dechamps
TV MANCHETE
Alexia fez algumas novelas na Manchete, na fase pré-falimentar – “Xica da Silva” e “Mandacaru” – ambas dirigidas por Walter Avancini (1935-2001) irascível diretor, mas com quem Alexia, não teve más experiências. “Ele foi um presente, um professor. Eu tive zero problemas. Mas eu pensava: ‘Devo ser uma aluna aplicada, disciplinada’. Porque ele não deixava passar nada nem ninguém. Era muito exigente, conhecido como tal. Trabalhava-se muito na Manchete, e havia uma questão de horário que não era muito correta. A gente trabalhava de segunda a sexta-feira, não trabalhava sábado e domingo, então nos plantões tiravam nosso couro. Mal tínhamos tempo para decorar. A gente não tinha vida”.
A infidelidade aos horários de trabalho tiveram uma medida drástica ao fim da novela – que praticamente coincidiu com o fim da emissora. “A Manchete já estava difícil, mas eu ganhei meu salário, sempre ganhava. Nunca deixaram de depositar, eu ganhava direitinho, tinha carteira assinada só que eu tinha muita hora extra porque eu trabalhava demais. E isso tudo eu não recebi. Entrei com o processo junto com todo mundo, e ganhei, mas a gente não recebeu. Eu acho que nós somos um dos poucos casos trabalhistas no Brasil dos quais não consegui receber”.
A Família Bloch era dona daquele império, daquele hall cheio de quadros e obras de arte. Cadê? Fomos vítimas dessas coisas que têm no Brasil, desse sistema. Há muito tempo atrás eu tinha cerca de R$ 100 mil para receber e não vi nem um real – Alexia Dechamps
PALCO(S)
Ainda que não esteja fazendo televisão, Alexia fez duas séries ano passado, para o streaming do Disney Plus, uma é “O Coro“, de Miguel Falabella, e a outra “Uma Garota Comum“. Nesta última “há gente do mundo inteiro. E é uma série que vai ser global e eu gravei em espanhol”. Nascida na Argentina, Alexia fala espanhol com naturalidade, pois que esta é sua língua mãe. Conta-nos que recebeu até convites para atuar na Colômbia em face disso. “Meu tipo físico é muito interessante na Colômbia, não tem. Eu queria trabalhar muito com outros idiomas, aproveitar os idiomas-mãe, porque é um mercado enorme latino”. Antes desses projetos, fez três peças e que acabaram interrompidas pela pandemia. Uma delas era “DogVille” baseado no original de Lars Von Trier e dirigida por Zé Henrique de Paula, que hoje é um dos maiores diretores contemporâneos.
Um trabalho de Alexia que repercutiu muito nos palcos foi “Filha, Mãe, Avó e Puta” baseado no original de Gabriela Leite (1951-2013), ativista da causa das mulheres prostituídas. “Quem me apresentou o projeto e a ideia foi Marcos Montenegro, meu empresário, que queria me tirar desse arquétipo da Alexia Deschamps bonita, glamurosa, cara de rica” . Não foi fácil adaptar essa peça. Era um semi-monólogo. Eu tinha um ator comigo em cena, que era o Louri Santos. Eu falava duas horas sem parar de vez em quando ele entrava para dar uma quebrada”.
Sobre a personagem que deu origem à peça, Alexia define como “uma mulher maravilhosa, encantadora. O entorno dela é uma das coisas que mais me impressionou. Além da história dela, que realmente rende dois livros, há o problema com a família, já que ela foi muito rejeitada por haver tornado-se prostituta, mas contava com uma grande rede de apoio. As pessoas de seu entorno eram fiéis a ela, amavam-na e admiravam-na. Desde as pessoas dos projetos sociais, a estudantes, às prostitutas amparadas por ela. Infelizmente, por fumar muito, teve um câncer que a vitimou”.
Eu descobri com o tempo que há de tudo na prostituição, mas a há de se gostar daquilo que se faz. As pessoas que estão ali exercendo a profissão, a maioria delas tem uma vocação. Nas histórias da Gabriela tem tudo isso, todo esse tipo de prostituição. Não é uma prostituição glamorosa em um apart-hotel, de acompanhante de rico. Não! Era a prostituição raiz – Alexia Deschamps
MAUS-TRATOS A ANIMAIS
Militante da causa animal, Alexia é voz ativa na defesa dos bichos – e de todos eles – e há muito tempo. “Anteriormente, nós tínhamos só a Suipa (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais). Eu sou da época que não tinha rede social. E as uso não para postar fotos minhas, mas para a causa. Dei o meu espaço e a minha voz para eles, eu doo o dinheiro trabalho físico, dou tudo o que é possível, e faço parte dessa turma que está numa esfera mais profunda da causa, para além do gato e do cachorrinho”.
Eu acho que hoje há pessoas muito corajosas. Temos a Xuxa, que virou vegana e dá muita visibilidade para isso. A Luísa Mell, que eu conheço há anos. Pensar na defesa dos animais dialoga com floresta, com os povos originários – Alexia Dechamps
“Hoje, a gente tem sei lá alguns parlamentares voltados à causa animal. Mas é preciso mais. E gente que não seja enviesada”, segundo a atriz, “Como essa turma que é eleita por partidos do agronegócio vai falar contra o agronegócio? Aí há conflitos de interesse. É preciso eleger um biólogo que entenda exatamente a função de cada animal na fauna, veganos, enfim… A proteção, pra mim é meio dividida em quem ama animal independente de tudo e quem faz o especifismo, e opta por zelar apenas do gato e do cachorro”.
O ativismo animal de ocasião, que está muito presente na internet, e também a onda de cancelamentos, são coisas que mexem com a atriz “E que vão me tirando entusiasmo, me decepcionando, porque, eu trabalho de graça pela causa animal. Amanhã, vão me bater, vão me cancelar, vão não sei o quê e eu não preciso disso, não preciso me expor. Eu não tenho ONG, eu não pego dinheiro. Então, neste 2023, também desacelerei um pouquinho. Além do mais, há muita gente na internet e que não sabe nada achando que sabe tudo. A meu ver é preciso que os deputados trabalhem em cima de leis sobre animais silvestres, inclusive, e estou tentando isso”.
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