Na animação “O Menino e o Mundo”, a crueza do capitalismo é sintetizada por águia que remete ao grupo Armani!


Política nos cartoons! O premiado longa-metragem do diretor Alê Abreu oferece visão maniqueísta do mundo capitalista, embalada por exuberância técnica, mas naif!

Com estréia programada para dia 17 nas principais capitais do Brasil, o longa “O Menino e o Mundo” (Espaço Filmes, 2013), desenho animado de Alê Abreu, conta as desventuras de um garoto que, sofrendo com a ausência do pai, parte em sua busca e descobre o frio universo capitalista e sua cruel realidade, revelada no filme através de um olhar pueril. O diretor, que estreou na direção de longas com o premiado “O Garoto Cósmico” e também assina roteiro e montagem, opta por um traço bem simples e repleto de técnicas que evocam as aulas de artes do ensino fundamental, com direito a muito lápis de cor, cera e colagens, sintonizados com o ponto de vista da história, contada a partir da visão do protagonista. Naturalmente, em uma época marcada pelos maneirismos das tecnologias em 3D e pela exuberância predominante da Pixar, Disney e Dreamworks, chega a ser um colírio para a vista poder desfrutar de algo bem mais simples, mas nem por isso pouco elaborado – mais próximo daquele traço simples que Walt Disney recorria nos primórdios, como no clássico “Steamboat Willy, animação que lançou o Mickey. O desenho é um primor, fruto de um trabalho de pesquisa memorável e com resultado visual naif, porém surpreendente, embora o caminho escolhido pelo diretor seja um tanto simplista, para não dizer maniqueísta.

O colorido exuberante e a simplicidade de traço convivem com uma trilha sonora contundente, de Ruben Feffer e Gustavo Kurlat, com direito a intervenções do bamba Naná Vasconcelos e de grupos como Barbatuques e GEM – Grupo Experimental de Música –, além de música-tema composta e interpretada pelo rapper Emicida. Em algumas passagens, chega a lembrar o grupo Uakti em alguns dos seus momentos mais inspirados. Cult.

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Fotos: divulgação

A trajetória do longa é de responsa: teve “Menção Especial do Júri” no Ottawa International Animation Festival, “Menção Honrosa do Júri, Première Brasil” na mostra Novos Rumos do Festival do Rio (em outubro), abiscoitou o “Prêmio da Juventude – Melhor Filme Brasileiro” na 37ª Mostra Internacinal de Cinema em São Paulo, além de “Primeiro Lugar na Categoria Animação”  na 35ª edição do Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano de La Habana, Cuba. Claro que, além de suas inegáveis qualidades técnicas (o filme, inclusive, é muito bem editado), agrada em cheio aquele tipo de espectador engajado com as questões sociais do mundo globalizado, sobretudo a esquerda festiva.

No roteiro, o menino sai de sua casa para procurar o pai, um bóia-fria, a partir de algum lugar no meio do nada. Em seu percurso, acaba entrando em contato com o processo de produção industrial do universo capitalista e suas agruras. Ele contempla desde a miséria dos bóias-frias na colheita do algodão, observa a dura rotina dos operários em uma fiação, segue o percurso da produção de tecidos até a cidade grande, indo parar em uma favela e acompanhando o triste cotidiano da classe proletária e seu embate com as autoridades.

Em seu périplo, ele parte a bordo de cargueiros, ao lado da produção têxtil, rumo ao primeiro mundo, onde se depara com rolos de tecido que são transformados em produtos finais acabados, como camisas e calças de grife, acrescidos de alto valor agregado. Tudo com um glamour diferente daquilo que o menino havia visto até então, pronto para o consumo pelos bem-nascidos. Curioso que, nestas urbes que sintetizam o mundo super desenvolvido – estilizadas por futuristas megalópoles flutuantes encapsuladas por domos transparentes, onde os apelos da publicidade, das passarelas, dos editoriais de moda e vitrines ganham destaque – é possível o espectador perceber que existe a presença de uma águia com dupla função: além de representar a ave de rapina do consumo desenfreado – que intercepta tudo que está em seu alcance de voo sem remorso–, também pode perfeitamente aludir aos logotipos e  brasões das grifes que oferecem artigos de luxo industrializados, no caso, notoriamente uma menção ao signo iconográfico do poderoso Empório Armani. Sacação valiosa dentro da linha de pensamento do diretor, que, obviamente, concebeu uma animação para adultos, nunca pra crianças.