* Por Junior de Paula
Muito se falou nos últimos dias sobre a entrevista do ator Caio Castro à Marília Gabriela, que foi ao ar em setembro e reprisada na última semana. À época de sua primeira exibição, o papo passou sem maiores polêmicas, diferente da sua reapresentação, na semana passada, quando Ingrid Guimarães, depois de assistir Caio dizer que “não gostava de ir ao teatro e que só lia por obrigação, para estar antenado quando alguém fizer uma pergunta”, escreveu em sua página no Facebook um desabafo sobre a nova geração de atores no Brasil.
“Me espanta ver como alguns jovens atores se distanciam cada vez mais da essência da profissão e fazem dela um grande negócio. São eles que vão influenciar os outros jovens falando sobre glúten e whey-protein nas redes sociais. São eles que vão provar que nesta profissão é melhor abrir casas noturnas e restaurantes do que perder um fim de semana de sol em um teatro.”
A partir daí, a coisa degringolou. Muitos atores amigos de Ingrid ao lerem a postagem – e mesmo sem saber do que especificamente se tratava – mostraram descontentamento e preocupação com uma geração de atores formada em frente às câmeras, sem a menor reverência pelo teatro, pelos livros e pelos estudos. Miguel Falabella, por exemplo, afirmou: “Esse tipo de gente não interessa e ponto. Você só erra quando o chama de ator. Não é ator. É desinibido”.
Caio, para quem não sabe, foi alçado ao estrelato a partir de um concurso de TV, no Caldeirão do Huck, no qual elegeriam o protagonista de Malhação. Antes disso, como ele mesmo disse na tal entrevista, ele nunca tinha feito nenhum curso de interpretação, nunca tinha ido ao teatro e nunca tinha pensado em ser ator. Na verdade, o que ele queria era sair do marasmo, fazer uma mudança em sua vida e viu no concurso uma possibilidade de um novo caminho. Pois bem, ele venceu o tal concurso, virou astro, emendou novela atrás de novela, ganhou rios de dinheiro e se transformou num galã bem rentável comercialmente para a televisão. Aí, cabe a gente se perguntar: Caio merece ser julgado por, sendo ator, não prestar atenção ao teatro? Sim e não.
Sim, porque o teatro é parte fundamental do ofício do ator. É o teatro o primeiro instrumento de comunicação e manifestação da arte da interpretação, é o teatro o palco do amadurecimento e do fortalecimento da vocação, é o próprio teatro que fez com que essa arte atravessasse gerações com uma força tão intensa que seria -e foi, e é – capaz de terremotos na moral e nos bons costumes de todas as épocas desde a antiguidade.
É no teatro que o papel social do ator se consolida, se solidifica, se recicla e se reinventa. É em cima de um palco e na plateia com a luz apagada que se sente o comichão, o frio no estômago o arrepio na espinha. O ator é só um corpo que só se completa com a alma que se adquire nas coxias, nos ensaios, na convivência entre os iguais e diferentes do processo, na magia que acontece quando as cortinas se abrem e o terceiro sinal toca. Se para Caio o teatro não é importante, deveria, ao menos, o tal teatro ser tratado com mais respeito, com mais dignidade e mais comprometimento com algo que foi e é fundamental para que ele, hoje, pudesse estar sentado em frente a uma entrevistadora dizendo as suas abobrinhas.
Não, porque Caio é um produto de uma indústria que cria indivíduos em série. Caio é isso: um produto. Ele foi criado, moldado e jogado no picadeiro sem nenhum preparo, sem nenhum cuidado, sem nenhum propósito que não o de gerar lucro para uma empresa e, claro, para ele mesmo. Seria injusto cobrar um posicionamento e uma postura crítica sendo que ninguém, nem ele mesmo, ofereceu instrumentos para que ele se salvasse da mediocridade imposta. Caio é uma vítima – muito bem paga – do sistema, da engrenagem que cria, alimenta e destrói produtos em busca de novos e mais eficientes, em um ciclo que só vai ter fim, no fim.
Entre o sim e o não, uma coisa é certa: Caio tem o direito de ser o ator que ele quiser, a pessoa pública que ele bem entender e gostar ou não de teatro e de ler. A vida é dele, a carreira é dele, o processo é dele. Gloria Pires, por exemplo, nunca fez teatro e ninguém nunca duvidou da sua carteira profissional assinada como atriz. O que a gente não pode deixar de questionar é uma nova geração cada vez mais ávida por números, fama e capas de revista e que não sabe reconhecer o que ser ator implica e em que a culpa, na verdade, é muito menos dela e muito mais do mercado, do público, da velocidade dos novos tempos, dos valores e da engrenagem como um todo. A culpa é de uma era cada vez mais efêmera, de relações e sonhos cada vez mais superficiais e desejos cada vez mais banais.
Se é que me cabe alguma sugestão aqui, Caio deveria dar menos entrevistas, falar menos em público, guardar mais suas ideias para serem discutidas entre o seu círculo de amigos. Assim, o que ele pensa – muitas vezes natural para ele, por conta de sua trajetória — não teria eco e não influenciaria outros jovens que se espelham em seu exemplo.
* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.
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