*por Vítor Antunes
“...São os problemas sexuais de seu filho“. Esta frase, por muitas vezes foi utilizada como sendo um dos símbolos de “Brilhante“, novela de 1981, duramente censurada. Como era proibido falar que Inácio Newman (Dennis Carvalho) era homossexual, Gilberto Braga (1945-2021) acabou tendo que lançar mão da tal frase que explicaria a orientação sexual de Inácio, sem no entanto, falar a tal palavra proibida. Quase 42 anos depois de seu fim, em razão da falta de uma ideia de preservação do acervo, a novela “Brilhante“, de 1982 não foi preservada na íntegra, mas voltará para o Globoplay, segundo fontes ligadas ao Acervo da Globo. Apenas 13 capítulos foram preservados. O telespectador verá, então, partes da trama que trouxe a primeira grande vilã de Fernanda Montenegro na Globo, e Vera Fischer vivendo a ambiciosa Luiza, designer de joias e protagonista absoluta da trama e que emprestava seu nome à música de abertura da novela. Depois de “Dancin’ Days” e Água Viva“, a Globo apostou alto em Gilberto Braga. “Brilhante” teve cenas gravadas em Londres, um tema escrito sob encomenda por Tom Jobim (1927-1994) e um elenco de peso. Foi a primeira novela de Laura Cardoso na Globo. E talvez tenha sido, também, o primeiro grande fracasso de audiência de Gilberto Braga no horário nobre.
Ainda que a trama tenha toda sorte de atravessamentos, da crítica, da Globo, da Censura, e do próprio Gilberto, que sempre a adjetivava de forma pouco honrosa – “fracasso retumbante”, “triste”, “fraca” – Fernanda Montenegro, intérprete de Chica Newman, aponta que o autor era “um ser avante do seu tempo”. Não só por trazer o tema da homossexualidade, mas por falar de alpinismo social e de crítica à classe média. Fernanda, inclusive, apostava tanto em “Brilhante” que deixou, antecipadamente, a novela anterior no horário, “Baila Comigo” (1981), de seu amigo Manoel Carlos, para viver a grande megera de “Brilhante”. Chica não teve o final infeliz tradicional para uma vilã de novela.
Outras questões da agenda de costumes atrapalharam “Brilhante“. A Censura agiu duramente tanto com a personagem protagonista, Luiza, como com Ciça (Neuza Caribé). O Jornal do Brasil , em 21 de março de 1982, dizia que a personagem de Vera Fischer ficou grávida por intermédio “do Espírito Santo, já que o assunto foi tratado nas entrelinhas”. Já quanto à personagem de Neuza Caribé, que engravidava na adolescência, esta acabou tendo que casar-se com Fred (Caíque Ferreira [1954-1994]), já que o tema não podia ser falado abertamente. “Mudou a história original que Gilberto tinha na cabeça. Tanto que a minha personagem pediu para se separar”, conta Neuza Caribé.
Tínhamos muita raiva da Ditadura. Só fui saber agora, 40 depois, que a minha personagem foi censurada. Víamos o capítulo já editado e nem sempre sabíamos ser ação da Censura (…) É difícil quando estamos vivendo, percebermos estar fazendo História. A gente não tinha ideia e nem imaginava isso. Preocupavamo-nos apenas em fazer um bom trabalho – Neuza Caribé
Neuza Caribé lamenta o apagamento da novela, ainda que considere que “naquela época a Globo não tinha o dinheiro que viria a ter mais tarde. Esse tipo de economia, de gravar por cima do que estava previamente gravado, era o que era possível de ser feito, já que os videotapes eram caros”. Janser Barreto, intérprete do personagem Lino, relembra que haviam cenas gravadas especialmente para a Censura e que eram enviadas com muita antecedência para apreciação dos Censores. Às vésperas do Réveillon, diz Janser, havia um capítulo que teria de ser enviado para Brasília e não haveria tempo de marcar todas as cenas e os atores. Então os diretores lançaram mão de uma câmera fixa diante de um sofá onde todo o elenco passava as suas falas.
“O assistente de estúdio gravava o número do capítulo e da cena e chamava personagem a personagem e numa velocidade absurda, onde o texto era apenas falado. O suficiente para dar tempo de gravar e enviar. Semanas depois, gravamos tudo de novo, com cuidado, com as marcas e intenções”. Ele também queixa-se por a novela haver sido perdida. “É triste. Tem tantas novelas boas e bacanas que eu adoraria rever”. E a fala dele se coaduna à de Neuza Caribé: “As fitas eram caras. Para manter aquilo e preservar era necessária uma condição climática especial. Hoje com baixo custo se mantém a mídias e a novelas inteiras. É a história da TV e dos atores. É o retrato de uma época”. Para além das questões relacionadas à Censura, Janser relembra a generosidade dos atores da velha guarda que faziam parte do elenco. Tarcísio Meira (1935-2021) foi à TV gravar teste com o elenco jovem, em pleno domingo. E não apenas ele, mas também Joana Fomm.
OS “PROBLEMAS” DE INÁCIO, DE GILBERTO E DE INGRID BERGMAN
Um dos eixos centrais envolve Inácio (Dennis Carvalho), um homossexual, cuja mãe quer fazer um casamento de aparências dele com Leonor (Renata Sorrah) a fim de esconder da sociedade o fato de o rapaz ser gay. Segundo relatado no livro recém-lançado “Gilberto Braga – O Balzac da Globo“, de Artur Xexeo (1951-2021) e Maurício Stycer, como a Globo sabia do reacionarismo vigente, ao apresentar a sinopse à Censura chamou o personagem que seria de Dennis por outro nome, Olivério, e sublimou o fato de ele não ter atração por mulheres como sendo uma ausência de “vontade de constituir família”. Ainda com discrição, os Censores apontam que deveria haver cuidado ao se retratar “o comportamento de Olivério”.
Em um primeiro momento, o que chamou a atenção da Divisão De Censura De Diversões Públicas foi a tendência de Olivério/Inácio a beber. Depois, os censores acharam que ele tinha tendências a ter atração com a própria mãe. Somente no avançar dos capítulos, entre os capítulos 51 e 53, eles percebem – e autorizam – uma “leve insinuação de um relacionamento homossexual” entre Inácio e Sérgio (João Paulo Adour [1944-2018]). No capítulo 72, nota-se claramente a homossexualiadade do personagem, ao qual os censores referem-se como “o problema do Inácio”.
Além disto, cortes em cenas nos capítulos 127, 128, 137, 145 e 152. Somente no último capítulo, o 155, aprovado sem cortes, Inácio pode viver seu amor em paz. Ele vai embora do Brasil junto do namorado, Cláudio (Buza Ferraz). A marcação da Ditadora com a homossexualidade foi sempre muito cerrada e só amainou em 1988, com o fim da Censura. Em “Vale Tudo” (1988), havia um casal, Cecília e Laís, vivido pelas atrizes Lala Deheinzelin e Cristina Prochaska, respectivamente.
Em nota mão assinada na Revista Manchete, um jornalista aponta que um dos grandes problemas de “Brilhante” não haver vingado deveu-se em razão de Gilberto Braga haver cedido a uma “estética elitista”. Na mesma revista, Valério de Andrade apontou, ainda no início da trama, que ” Gilberto Braga ofuscou-se da realidade ao supor que uma pessoa com ar de Ingrid Bergman [como Vera Fischer] não possa ser pobre (…) andar de ônibus ou metrô. Além de nada brilhante, inútil ideia (…) Gilberto Braga começou mal. (…) Um sucesso que poderá ser menos dele e mais da máquina global”. O extinto semanário da Bloch também comparou “Brilhante” com “Jogo da Vida” trama das 19h, e as razões que a fizeram ganhar mais destaque junto ao público. Dentre outros, o humor da novela das sete.
No campo da sofisticação conceitual de “Brilhante“, um deles chama a atenção que é o corte de cabelo de Vera Fischer – que não agradou ninguém. Nem à Vera, nem ao personagem, nem a Tom Jobim, que escreveu uma música que fazia menção aos cabelos compridos e louros de Vera, que se transformaram em um corte curto, crespo e quase ruivo. A figurinista Marília Carneiro disse em entrevista que o corte de cabelo de Luiza foi inspirado em Ingrid Bergman (1915-1982) no filme “Por Quem os Sinos Dobram” (1943). Para disfarçar a “tragédia”, a solução foi amarrar uma bandana no pescoço de Vera, e direcionar os olhares para ele e não para o cabelo equivocado. O ato virou um grande modismo entre as mulheres oitentistas.
Outro destaque de “Brilhante” foi a modelo Lilian Stavik. É ela a moça da abertura, belíssima, que transita entre espelhos e gatos angorá. Aliás a abertura de “Brilhante” foi plagiada pela Televisa, na novela “Vanessa“. Coincidentemente ou não, a trama é uma adaptação de uma outra novela brasileira “Ídolo de Pano” (1973). “Brilhante” foi vendida para mais de 20 países, entre eles França, Itália e Polônia. A novela também foi exibida, em 1988, no Marrocos, onde foi premiada com o título Coeur de Diamant, e alcançou grande sucesso pela TVM, então única emissora do país.
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