Petrônio Gontijo: carreira, síndrome do pânico e novos trabalhos após fim de vínculo com a Record


O ‘Janeiro Branco’, campanha que completa dez anos, abre os debates acerca da Síndrome do Pânico, cujos índices de pessoas que a desenvolve não para de crescer. O ator Petrônio Gontijo falou-nos sobre como enfrentou e controla a Síndrome descoberta durante uma gravação de novela. “Inicialmente houve a necessidade de terapia e medicação. (…) Acredito que minha Síndrome do Pânico tenha sido resultado de um perfeccionismo somado a um excesso de trabalho”, alega o ator que hoje administra bem esta condição. Desvinculado da Record junto à leva de atores que deixou a casa no final de 2022, Petrônio anuncia para 2023 o projeto teatral “Entre 4 Paredes”, um texto de Jean-Paul Sartre (1905-1980), dirigido por Elias Andreato. Fala sobre os desafios de fazer novelas bíblicas e como lidou com o fato de ter interpretado o Bispo Edir Macedo nos filmes da série “Nada a Perder”, onde a biografia do religioso foi adaptada aos cinemas, e assim como “Os Dez Mandamentos”, os três longas figuram entre os dez filmes mais vistos do cinema nacional. Tido como um galã em sua juventude, Gontijo mantém a beleza na maturidade e lida bem com o amadurecimento: “O tempo é um atestado de sobrevivência”

*por Vítor Antunes

No Janeiro Branco, mês dedicado a lançar luz sobre as questões e necessidades relacionadas à saúde mental e emocional das pessoas, conversamos com o ator Petrônio Gontijo sobre quando começou a sentir os primeiros sintomas da Síndrome do Pânico durante o final das gravações de uma novela, e como hoje é voz ativa em prol de ajudar o próximo com seus relatos. Desde 2013, a campanha propõe um olhar para os transtornos de ansiedade que desembocam no pânico e a necessidade de manter um bem-estar, a qualidade de vida, estando bem consigo e com os outros. Petrônio “acredita ter a Síndrome do Pânico sob controle, sem medicamentos, mas que, inicialmente houve a necessidade de “terapia e medicação”. O artista pondera haver “aprendido a não abusar dos caminhos que me levaram a ela (…)”. Na época em que os sintomas se apresentaram, o ator estava terminando de gravar uma novela, iniciando as gravações de outra, numa outra emissora, e encenando uma peça. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicados em 2022, mostram que pelo menos um bilhão de pessoas do mundo vive com algum problema relacionado a esse transtorno, algo que foi agravado pela pandemia de Covid-19.

Um dos principais nomes da Record desde a sua retomada à teledramaturgia, em 2006, o artista esteve por 17 anos naquela TV, ainda que tenha tido uma passagem relâmpago pela Globo. Depois de inúmeros trabalhos bem sucedidos na emissora vice-líder de audiência, como “Cidadão Brasileiro”, “Os Mutantes” e “Os Dez Mandamentos”, o ator não está mais contratado por ela, que desfez quase todo o seu cast no fim de dezembro de 2022. Para 2023, Gontijo pretende retornar ao teatro, num texto sartriano: “Entre 4 Paredes”.

Após anos de Record, Petrônio Gontijo anuncia retorno ao teatro em 2023 (Foto: Fábio Audi)

ESTRADA

Um quadro de estafa acabou por evidenciar no ator a manifestação de uma Síndrome do Pânico. Conta ele que as gravações de uma novela na Band, “Serras Azuis”, e uma peça bem-sucedida em cartaz assoberbaram suas emoções: “Acredito que minha Síndrome do Pânico tenha sido resultado de um perfeccionismo somado a um excesso de trabalho. Eu suava muito e sentia que ia desmaiar antes de entrar em cena”, relata.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o transtorno de ansiedade, que leva à doença, atinge de 2% a 4 % da população global. O mês corrente é um dos quais volta-se para a discussão acerca deste tema, e por isso recebeu o título de Janeiro Branco, numa campanha que completa 10 anos em 2023.

Após desvincular-se da Record, que desmobilizou todo o seu aparato de teledramaturgia no fim do ano passado, para 2023 Petrônio voltará aos palcos, numa montagem dirigida por Elias Andreato, junto das atrizes Lavínia Pannunzio e Vera Zimmerman. Ainda sem data definida para estreia, o espetáculo chama “Entre 4 Paredes” e tem texto de Jean-Paul Sartre (1905-1980). Segundo o ator, “há anos eu e Elias queremos trabalhar juntos e chegou o nosso momento. Fizemos muitas leituras para um texto que fosse comum às nossas vontades. Esta é uma turma dos sonhos”.

O mercado de trabalho para os atores sofre muitas transformações e hoje nenhum deles está fortemente ligado a uma emissora, como no passado. A tendência é o streaming. O ator acredita que este movimento é positivo, e diz que “tudo é bom quando se abre o mercado de trabalho com projetos consistentes. Acredito que estamos amadurecendo para atuarmos em todos os tipo de plataformas, cada vez mais surpreendentes. É preciso focarmos em bons roteiros. Creio que só o trabalho gera o aprimoramento”.

Outro braço a acolher os artistas é o cinema. Em 2018 foi lançado o filme “Nada a Perder”, a cinebiografia do Bispo Macedo, baseado no livro homônimo que conta a sua História. No longa, coube a Gontijo interpretar o líder da Igreja Universal, que, também preside o Grupo Record de Comunicação. Perguntamos a Petrônio qual o desafio em viver um personagem como ele, que além de uma figura controversa, era seu chefe. Além disto, se considera o filme, bem como a sua continuação, “Nada a Perder 2”,  um projeto chapa-branca. Ele diz: “Se eu fizesse uma imitação de Macedo não surtiria o efeito necessário que o roteiro do filme pedia. Foi preciso introjetar o personagem, com todas suas características, deixá-lo passar por um filtro pessoal e chegar numa terceira figura, vinda desse aprofundamento. Não houve dificuldade ou pressão diante do fato de o bispo ser dono da Record. Tive apenas apontamentos de onde gostariam de chegar. O filme conta uma história: dificuldades, vida, erros, acertos, retratações. Acredito que quem assistir poderá tirar suas próprias conclusões e classificá-lo como quiser, já que o filme oferece material para isso”.

Petrônio Gontijo representando Edir Macedo, na cena em que o religioso consegue a concessão da TV Record em “Nada a Perder” (Foto: Divulgação)

Os dois volumes de “Nada a Perder”, tanto aquele lançado em 2018 como o que ganhou as telonas em 2019, assinalam, respectivamente, o segundo e o nono lugar entre os filmes brasileiros mais vistos da História. Outro filme no qual Petrônio trabalhou, o bíblico “Os Dez Mandamentos”, é a terceira maior bilheteria do cinema nacional. E esta não foi a única experiência do ator no audiovisual segmentado. Ele fez “Milagres de Jesus”, “Gênesis” e “Jesus”. Há algum desafio especial em fazer obras voltadas ao público religioso? “É o texto que indica a postura do ator, em cena. Penso que o maior desafio é encontrar o tônus físico e emocional do personagem. Uma postura muito naturalista em frente às câmeras não surte o efeito necessário que as novelas, digamos, épicas, pedem. Para tanto, penso ser necessário bastante trabalho em grupo para que o ator se sinta confortável numa dinâmica não-naturalista”, aponta.

Petrônio Gontijo numa das novelas bíblicas da RecordTv (Foto: Munir Chatak/RecordTV)

SOMBRA EM NOSSO OLHAR

Em 1991, Petrônio Gontijo estreou na televisão, interpretando o protagonista de “Salomé”, novela de Sérgio Marques. E sua primeira aparição pública foi elogiosa. A crítica Marília Martins disse no Jornal do Brasil, em 13/6/1991: “Destaca-se (…) o estreante Petrônio Gontijo, o galã Eduardo”. Na trama, que tinha a música “Sombra em Nosso Olhar”, de Selma Reis (1958-2015) como tema de abertura, o ator interpretava um personagem baseado no cantor Mário Reis (1907-1981). A seu lado, outra personagem de destaque na trama, Carmem Terezinha (Andréia Veiga) era inspirada na vida de Carmen Miranda (1909-1955). Eram grandes os desafios para o, então, jovem ator estar à frente de uma novela da Globo e com um personagem muito relevante, mais ainda por que ele havia sido aprovado para fazer outra novela, “O Dono do Mundo”, e foi redirecionado para esta. Gontijo explica: “Estreei em “Salomé” no ano de 1991. Estava prestes a me formar em Artes Cênicas na Unicamp e o Luiz Fernando Carvalho foi até a universidade testar atores para um especial de fim de ano da dupla Chitãozinho e Xororó. Fui chamado para fazer esse especial e, depois, convidado por Gilberto Braga (1945-2021) e Daniel Filho para fazer um teste para a novela “O Dono do Mundo”. Passei no teste, mas no outro dia fui remanejado pelo Herval Rossano (1935-2007), para protagonizar “Salomé”, apenas quatro dias antes de começarem as gravações”, relata. O personagem que interpretaria em “O Dono do Mundo” acabou sendo interpretado por Marcelo Serrado.

Recém saído dos bancos universitários, Petrônio diz que atuar em “Salomé” “foi um susto imenso pois não estava acostumado ao ritmo industrial da televisão. Foi difícil conseguir memorizar diariamente uma quantidade enorme de cenas, sem ter tido experiência anterior nisso. Mesmo assim fiz o meu melhor ali, com todas as minhas imperfeições. Creio que aprendi na marra a me comportar nos meandros da televisão”.

O sucesso como o galã de “Salomé”, ainda que a novela não tenha tido grande repercussão, acabou credenciando ao novato fazer a capa da trilha sonora da novela. E não apenas. Ainda que não seja cantor, gravou músicas que compuseram o LP da trama. “Fazer capa de disco de novela era uma sensação entre os atores e atrizes. O mesmo aconteceu na gravadora Som Livre: tive que cantar sem ser cantor”.

Petrônio Gontijo foi Duda em “Salomé”, da Globo, em 1991 (Foto: Bazilio Calazans/TV Globo)

Na ocasião, a Globo experimentou a possibilidade de levar ao ar uma trama inteiramente gravada, o que não foi bem sucedido. A emissora tornaria a lançar mão do mesmo expediente em 2021, em razão da crise oriunda do Coronavírus – e não repetiu uma experiência positiva. Em duas situações, o ator viveu algo semelhante. Tanto em “Salomé”, como em “Os Ossos do Barão”, (SBT, 1997), que “estreou no dia em que terminaram as gravações”. A contrário do que aponta o site Memória Globo o ator relata que a novela de Sérgio Marques não foi totalmente gravada antes de ir ao ar, mas que “estreou com apenas 18 capítulos prontos”. Sobre a experiência nas tramas noventistas, nas quais as gravações e a exibição não aconteciam simultaneamente, ele diz que “é um problema sim. Enquanto uma novela está no ar, dificilmente um ator, que trabalha com contrato por obra, consegue um outro trabalho no campo da TV aberta”.  Outra fala importante sobre este trabalho, diz respeito a Herval Rossano, profissional com fama de irascível: “Ele era muito rígido, embora um diretor brilhante e, principalmente, justo. Vários anos depois de “Salomé”, ele e Hiran Silveira me ofereceram um contrato que se estenderia por longo tempo na Record TV”.

Meus personagens me possibilitaram cantar, reger uma orquestra, escalar o K2 [Uma das 14 montanhas mais altas do mundo]. Este é o trabalho do ator: tornar crível o que não se é – Petrônio Gontijo

Aos 55 anos, o ator lida bem com a passagem do tempo e com os desafios da maturidade. “Não trocaria minha idade por menos 20 ou 10 anos de forma alguma. Sei o que vivi para chegar até aqui com a cabeça fresca e sem nenhum tipo de amarra emocional com o passado. Trabalhei minha baixa-estima, meus julgamentos, minha timidez por muito tempo para chegar onde estou”, diz.

Tenho orgulho de ser quem eu sou quando olho pra trás. O tempo é um atestado de sobrevivência – Petrônio Gontijo

Num mundo de redes sociais cada vez mais antissociais e onde se discute empatia, benevolência e respeito, Petrônio Gontijo diz que o verbo que definirá 2023 a seu ver é “tolerar”. E comenta: “Penso que sem tolerância nos tornamos peões de ideias alheias e cada vez mais fechados em nossos julgamentos externos”.