*Por Brunna Condini
Após ser exaltado e premiado no Festival do Rio do ano passado, ‘M-8 – Quando a Morte Socorre a Vida’ chegou aos cinemas brasileiros este mês. O filme de Jeferson De é baseado no livro homônimo de Salomão Polakiewicz e conta a história de Maurício, vivido por Juan Paiva, que começa a estudar medicina por meio de cotas e dá de cara com o racismo no ambiente da universidade. O longa também escancara a negligência com os corpos negros (mesmo após a morte), quando Maurício passa a ter pesadelos e visões com cadáver M-8 e busca descobrir o que aconteceu com ele.
Outra história que chama à atenção no filme, é a da relação de Maurício com a mãe, Cida, uma mulher batalhadora, vivida por Mariana Nunes, que brilha como a enfermeira que fez de tudo para que o filho chegasse lá. É um filme sobre o racismo em várias esferas. Mas também é uma história sobre a relação de um filho com uma mãe acolhedora, companheira e que acredita na educação para transformar a vida em algo melhor.
A presença de Mariana nas cenas carrega um misto de força, alegria e fé no caminho traçado. Ela faz uma Cida que dá duro e estimula o filho, mas que também sabe ‘colocá-lo’ quando necessário, e com a mesma potência. Como quando dá uma ‘bronca’ nele e afirma com a autoridade que lhe cabe: “Eu sou uma mulher preta falando, não me interrompa!”. Essa cena foi muito comentada, que lembrança tem dela? “Essa frase remete muito à Marielle Franco. Tem uma construção parecida com uma das frases icônicas dela (dita na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro). Tem um pouco dessa força e acho que é por isso que as pessoas se identificam tanto, a frase toca. No dia da filmagem eu estava tensa, sabia da responsabilidade da cena”, diz Mariana, citando a referência da frase da vereadora que completou 1000 dias de morte nesta terça-feira (8), ainda sem conhecimento dos mandantes de seu assassinato.
A atriz também atribui o desempenho no trabalho à parceria com Juan Paiva e à maternidade construída. “Não sou mãe na vida real. Só da minha cachorrinha, a Pecola. E isso foi um primeiro susto neste papel. Quando conheci o Juan, vi que era um menino grande e eu não tinha essa referência de tempo, de responsabilidade que essa mulher teve para fazer esse menino chegar até ali”, recorda. “A Cida vem de vários lugares…primeiro da construção da relação com o Juan. Tivemos um tempo de preparação para construir essa relação de mãe e filho. Existe um bate bola forte ali entre eu e ele. E isso me deu força para vivê-la. O personagem do Juan, o Maurício, é silencioso, concentrado, e isso meio que acabou provocando uma reação minha como atriz de construir a personagem com os elementos que tinha, me deu força para dar sustentação para esse menino. Primeiro pensando nessa relação direta dos dois, e depois, pensando nas histórias das mulheres da minha família. São muitas mulheres bem diferentes entre si, mas são referências”.
Felicidade no reconhecimento
Mariana foi escalada para a novela ‘Quanto mais vida melhor’, de Mauro Wilson, prevista para substituir ‘Salve-se quem puder’ no horário das 19h. “Vou fazer a Joana, uma médica cardiologista, excelente profissional. Ela trabalha na clínica da família do Mateus Solano na trama. Ele é ótimo médico também, mas vaidoso, acostumado a não ter suas vontades negadas. E a minha personagem é o braço direito do personagem do Mateus e apaixonada por ele. Começo a gravar nesta sexta-feira. Estou empolgadíssima para experimentar essa coisa nova que é novela para mim”, vibra ela, que fez participações em folhetins anteriormente, mas no cinema, reina. São mais de 20 filmes no currículo, e mais alguns por estrear como ‘A Morte Habita a Noite’, ‘Um dia qualquer’. E o longa sobre a história do Luiz Gama, ‘Prisioneiro da Liberdade’, também dirigido pelo Jeferson De.
O ‘M-8’ ser lançado em um momento como o que vivemos no país, diz o quê? Principalmente depois dos episódios de violência e racismo explícitos que aconteceram recentemente, como o caso da morte do João Alberto Silveira Freitas, no Carrefour… “Acho que as pessoas não-negras não conseguem fazer tanta conexão assim do racismo com esse episódio do Carrefour, do George Floyd ou com tantos outros que aconteceram, acontecem, e estão acontecendo agora. Isso é tão naturalizado, que não sei se as pessoas não-negras têm habilidade para fazer esse tipo de link. E quando fazem, acho que fazem de uma forma muito superficial”, reflete.
“O filme tem uma abordagem muito ampla, ele é muito além do que uma história sobre racismo. É sobre uma família, uma mãe que cria um filho e fez de tudo para que esse menino pudesse dar certo. Na verdade, é uma história de sucesso, de vitória. Também é uma história de resgate entre os antepassados e os que não conseguiram vencer. Para os que estão vindo, para os que estão vencendo também. A Cida é uma mulher que galgou e logrou muito. Então, acho que é interessante o filme vir neste momento. Claro que um filme tem a capacidade de ajudar a mudar uma realidade, de abrir a cabeça das pessoas, isso até pode acontecer, mas é muita responsabilidade para um filme só. Principalmente em se tratando de um tema em que as pessoas não estão interessadas em mexer, porque também mexe na estrutura privilegiada de muita gente”.
Durante novembro, por conta do movimento de Consciência Negra, além de estar no especial ‘Falas Negras‘, na Globo, você também se juntou a outras atrizes que lançaram o manifesto Afeto é Força. A ideia é acreditar que quanto mais potente uma for, mais mulheres serão? “Menina, está rolando um movimento tão maravilhoso entre atrizes negras, algo super espontâneo. E uma vontade grande de estar junto, trocar experiências. São tantas atrizes negras trabalhando hoje, claro que não está equiparado, não é 50% a 50%. Outro dia mesmo, eu estava assistindo a uma novela e nem me lembro qual, mas era nítido que durante muito tempo só aparecia gente branca. E eu pensei: ‘Estamos no Brasil?’. Mas estou vendo muita gente preta trabalhando em diferentes programas, mídias, nos streamings, filmes. E isso me deixa feliz”, observa Mariana.
“Antigamente, você ia fazer um teste e para o personagem que você ia ser testada, tinham mais quatro atrizes negras, de diferentes perfis e a gente sabia que só uma ia pegar. Hoje, apesar de ainda ser pouco, vemos mais espaços. Não podemos perder de vista que ainda precisa melhorar, mas também temos que comemorar as vitórias. Estamos nos reconhecendo, nos enxergando, tendo prazer em estar junto nesta existência, celebrando as que vieram antes, abrindo caminhos. Acho que é um momento que estamos felizes com a gente”.
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