*por Vítor Antunes
A Record estabeleceu uma nova parceria coma a produtora Seriella, em vez da sua dobradinha com a Casablanca. Junto a isso, deu um salto de ousadia na produção da série “Até onde ela vai?“. Inspirada em fatos reais, aborda deliberadamente, ainda que com muito trato, a biografia de uma mulher que sofreu vários tipos de violência – tanto física, como psicológica, como sexual. E dando vida à Bárbara, essa mulher controversa, Louise Clós. A atriz disse haver mergulhado fundo no universo da personagem, e que isso a fez associar com a realidade de muitas outras mulheres. “A história é de Bárbara, mas também de Marias, Fernandas, Joanas, Rafaelas… O tempo todo vemos mulheres sendo destroçadas no Brasil por abuso sexual e violência. Bom que temos essa informação e reconhecemos os abusos psicológicos, e a manipulação a qual ela vive”.
Mesmo quanto temos voz somos invalidadas. Hoje em dia, muitas pessoas não falam sobre os abusos que sofreram por que nós, mulheres, somos invalidadas e colocadas em jogo a todo tempo. Questionamentos como “será que ela não queria? Será que ela não fez nada para resistir a isso?” acabam sendo presentes. As mulheres que sofrem abuso sexual temem ficar estigmatizadas e toda mulher tem um relato que dialoga com o que viveu minha personagem. Elas têm muitas coisas que são engolfadas por más escolhas – Louise Clós
Segundo o Anuário Brasileiro de Violência Pública, com dados publicados em 2023, no ano anterior, o Brasil registrou o maior número de casos de estupros da série histórica Ao todo, foram 74.930 vítimas, uma média de 205 estupros por dia, o que representa um aumento de 8,2% na comparação com 2021. A taxa é de 36,9 casos para cada 100 mil habitantes. No caso da violência contra crianças e adolescentes, o aumento é de 68%. “Até Onde ela Vai” estreou no dia 11 de março e vem encontrando boa repercussão na UniverVideo, plataforma da Record. Em paralelo a isso, Louise estará no projeto “Jorge da Capadócia“, uma produção Brasil-Turquia que se debruça sobre a história de São Jorge que estreia dia 18 e será distribuída pela Paris Filmes. O longa é co-protagonizado e produzido por Louise, que pretende também neste ano fazer uma releitura de “El – Uma jornada dentro de mim“, que encenou na pandemia.
BARBARIDADE!
O uso da interjeição gaúcha não é inadequado já que Louise é nativa daquele estado e, não apenas isso, mas a sua personagem, Bárbara, é por boa parte da série uma mulher auto-destrutiva. A personagem é uma paranormal cujo dom é visto como algo amaldiçoado. Fora isso, há as graves questões com as quais ela convive, muitas resultantes de um desequilíbrio familiar. “Bárbara vê espíritos, escutar vozes, sofre abuso sexual familiar e violência doméstica. Quando sai dessa situação, na fase adulta passa a ser cobrada pela família por ser uma mulher bem-sucedida e em ascensão profissional, mas que não é amada. Ela acaba se vendo tendo que provar e prova a eles que pode ser feliz sozinha e tomar decisões da própria vida e isso faz com que ela tome atitudes impulsivas com o objetivo de ser feliz e de conquistar o que quer”, observa.
Contudo, ainda segundo Louise, “Esses traumas familiares foram algo que ela não superou. Ela se torna uma adulta com muitas questões. Somos o que fazemos do que fizeram de nós. Ela é uma mulher ferida, machucada, traumatizada”. Ainda que hoje haja uma maior recorrência em se falar sobre saúde mental, isso ainda é um tema tabu. “Ninguém nos fala como lidar com traumas. Ainda que sejamos de uma geração que fala muito sobre autoconhecimento de autoajuda, não se abre totalmente. Tal como ela, a família lhe oferece apoio, ajuda e ela nega por entender que as pessoas próximas lhe fizeram mal. Mesmo o casamento acaba por lhe trazer uma vida desgraçada”
Consoante os dados constantes no Anuário Brasileiro de Violência Pública, 82,7% dos agressores mantêm laços afetivos ou conhecimento prévio das vítimas, ao passo que 17,3% permanecem anônimos. No âmbito infantojuvenil, até os treze anos de idade, destaca-se que os principais abusadores são elementos familiares, responsáveis por 64,4% dos incidentes, enquanto 21,6% derivam de relações conhecidas, mas não ligados a familiares.
Entre as vítimas com idade igual ou superior a quatorze anos, se evidencia que 24,4% dos abusos foram perpetrados por parceiros ou ex-parceiros íntimos, 37,9% por membros familiares, e 15% por outras relações conhecidas. Apenas 22,8% dos casos de violação perpetrados contra pessoas com mais de 14 anos foram atribuídos a indivíduos desconhecidos.
“Nunca sabemos o contexto emocional dela” diz Louise, “os traumas e como ela aprendeu a amar e ser amada. Como essa história chega em lares e famílias e nas mulheres que viveram essa experiência pode ser uma chama de esperança através do autoconhecimento, do amor e da coragem. Bárbara contou sua história. Muitas não puderam contá-la”. A personagem na qual Bárbara foi inspirada existe, porém não foi amplamente divulgada pela Record.
Esta personagem é a primeira protagonista de Louise, após fazer seu primeiro papel robusto, em “Reis”, como falamos dele aqui, na ocasião de seu lançamento. “Os diretores viram meu teste para “A Rainha da Pérsia“, novela que ainda vai estrear, e assim fui convidada a fazer a série”. Para preparar-se para tamanha densidade, Louise disse-nos haver se fechado 60 dias em casa para viver esse projeto. Emagreceu 6kg, e estudou para vivê-la fisicamente. “É um papel de grande carga dramática que me fez preparar inclusive emocionalmente”. Ainda que asse por grandes batalhas, a personagem se reencontra através da fé.
Nos outros projetos da Record os homens bíblicos se sobressaem. Ver uma mulher como protagonista é muito bonito. É ótima essa abertura da casa para a contemporaneidade que permite uma identificação aproximada – Louise Clós
DIGA LÁ MEU CORAÇÃO
Além deste trabalho, que margeia também por questões religiosas, outro transita pela fé. É “Jorge da Capadócia“. Baseada na biografia de São Jorge, o longa tem produção de Louise que também atua como atriz. “Esse filme me fez crescer como ser humano. A gente encontrou diversos desafios e problemas, equipamentos retidos por três dias na Turquia, a questão do idioma e diplomática. Afora isso, trata-se de uma obra épica, incomum no Brasil. A estreia está prevista para o dia 18/04”
Neste ano, 2024, Louise completa 10 anos de formada. Graduou-se em teatro na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O que a atual atriz, protagonista produtora de projetos internacionais, diria para aquela recém-saída do banco universitário? “Que vale a pena. Que agradeço a tudo que consegui conquistar por ter um sonho como objetivo. Olho para trás e vejo que as escolhas que fiz, ainda que tenha duvidado de algumas, fizeram valer meu coração. É preciso ter amor pelo que se faz e as coisas acontecem”. Como diria Gonzaguinha, na canção que abre esse segmento do texto, diga lá, coração, da alegria de rever essa menina, que conta a história das pessoas, e que saber que é precisa, mais que nunca, prosseguir.
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