Com a pandemia o cinema nacional atravessa um período de incertezas e inseguranças, agravada pela ausência de políticas de estímulo ao setor. Neste cenário, vermos filmes ganhando projeção é para celebrar! É assim que Pedro Nercessian se sente ao retornar do Festival de Cannes, na França. Em um dos mais prestigiados e famosos festivais de cinema do mundo, o ator prestigiou a exibição do curta ‘Nada de bom acontece depois dos 30‘, no qual é protagonista. A obra, com direção de Lucas Vasconcelos, foi exibida no Short Film Corner, mostra não competitiva, na 74ª edição do Festival de Cannes, e se passa em um futuro distópico, onde o governo institui a morte compulsória dos cidadãos no dia do seu aniversário de 30 anos. “É o maior festival do mundo e nunca tinha ido. Estava com saudade dos festivais. O filme é uma ficção científica, um gênero que vem criando uma identidade recente no cinema brasileiro. Um exemplo, é o próprio ‘Bacurau’. Acho que é um tipo de cinema que temos muito potencial”, diz Pedro.
“Não sei se por muito tempo o gênero teve pouco interesse por parte dos produtores e diretores. Adoro o estilo e com a oportunidade, caí dentro. Foi um filme feito sem incentivo e os efeitos estão muito bem acabados. A fotografia, a produção, estão bem feitos, é surpreendente. Temos vários festivais de cinema fantásticos, de ficção científica e acho excelente para buscarmos nosso caminho de fazer, com a cara do Brasil. Criar uma nova plateia que não fique só ‘viciada’ no olhar americano para o gênero. As novelas já flertaram com o universo fantástico, temos que ir mais fundo no cinema. Agora está mais barato filmar e a indústria se aqueceu”, analisa Pedro, sobrinho de Stepan Nercessian.
O filme foi a estreia no festival do diretor e roteirista Lucas Vasconcelos, filho do diretor Pedro Vasconcelos, em seu sexto curta-metragem. Pedro Nercessian, fala do encontro dos dois, que até já poderia ter acontecido antes. “Apesar do filme falar de uma questão política, também pensamos na questão do tempo. O Lucas tem só 24 anos, mas eu tenho mais de 30. E temos uma história engraçada. Eu já trabalhei com o pai dele, Lucas mora no meu bairro (Jardim Botânico) e a produtora é no mesmo local, mas nunca havíamos nos cruzado. Fomos nos conhecer em um festival de cinema no Maranhão. Logo depois, ele me convidou pra fazer o filme”, lembra.
O tempo e a morte sem tabus
Pedro esclarece ainda que o curta “é uma reflexão política muito atual, não é sobre crise de idade. Mas se pararmos para pensar nisso, eu já tinha passado por essa crise bem antes de atuar no filme. Hoje adoro ver o passar dos anos, porque quando somos mais novos temos mais angústias. Claro que rola aquela angústia, do ser humano, de quando pensa que os anos estão passando, porque acaba sendo algo como morrer a cada dia. Uma vez perguntei para a minha psicóloga quando as pessoas começam a levar essas questões com a morte para consulta e ela disse que desde a infância. Vivemos ao longo da vida as pequenas mortes, as saudades. E pensar nisso é muito doido, porque a morte agora está muito presente em nossa vida. Tenho perdido vários amigos e estamos atravessando uma pandemia, onde a morte é latente”.
Sobre a pressão social para não envelhecer em nossa sociedade, o ator também opina. “Tem uma questão no filme que dialoga com isso. Na história existe um programa do governo que obriga as pessoas a morrerem aos 30 anos. Tudo acompanhado de uma grande campanha midiática que induz a todos a fazerem isso felizes e em prol de um interesse maior. E isso dialoga com a questão, quando pensamos no âmbito social, de entender o motivo pelo qual as pessoas sentem a necessidade de fazer tantas intervenções cirúrgicas no país, muitas vezes tentando adiar o envelhecimento, por exemplo”, observa. “Não é uma crítica, se isso é um desejo, ok. Mas quando vem da pressão social, acho ruim. No final das contas, tem gente que se beneficia com isso, gente que se beneficia e sofre, e gente que só sofre neste ciclo. Acho importante pensar quem é você nele. Como artista, também sofro as imposições dos padrões estéticos. Hoje existe na sociedade um movimento bonito de olhar mais para essas questões, mas é tudo muito lento ainda. Acho importante continuarmos falando sobre essa pressão”.
E completa: “No filme, por mais que seja desagradável, também visitei a minha relação com a morte. Perdi muitos amigos nos últimos anos e a morte vai permeando a gente. Mas quando vivenciamos uma pandemia, é coletivo, esse estado de morte fica mais latente, no ar. Por isso acho importante falarmos sobre a morte, tirar esse tabu do tema. E tentar entender como lidamos com ela de uma forma pouco saudável. Claro que é ruim, principalmente quando pode ser evitada. E nem falo da questão política da Covid, porque isso é outro assunto. Falo das mortes inevitáveis. Mas vivemos em uma sociedade em que não podemos ficar tristes, ninguém sabe lidar direito com o luto. Se ficamos tristes é problema, se não ficamos, também. Acho que também precisamos falar sobre a morte, ainda mais neste momento”.
Em nome do audiovisual
Em breve, Pedro Nercessian poderá ser visto ainda nos longas ‘Medida provisória‘, dirigido por Lázaro Ramos, que estreia em novembro, e ‘Silêncio da chuva‘, sob a direção de Daniel Filho, ainda sem data de lançamento. Sobre as expectativas para o setor, Pedro não tem ilusões, mas dá seu recado. “De todas as formas de arte, o audiovisual está mais ligado à indústria. Então, se o país não dá atenção, gera menos empregos, é uma tragédia. Se você pega uma área que anda, produz, mas não alimenta, breca todo um setor, é uma irresponsabilidade. Os grandes produtores continuam fazendo filmes, quem mais se prejudica são os pequenos, que desenvolvem um cinema mais autoral, artístico. A indústria de sabão em pó precisa continuar vendendo, então sempre teremos novelas, séries. Quando não incentivamos os filmes, quem perde é o país. Se não olharmos para as leis de incentivo e pararmos de demonizá-las, sem ao menos conhecê-las de fato, vamos perder artisticamente, identidade e dinheiro. Porque isso move a indústria”.
Diretor, produtor e gestor cultural, com 15 anos de trajetória dedicados ao teatro e audiovisual, Pedro conclui: “Não consigo me sentir animado neste momento, porque ainda não temos perspectiva das pessoas lotarem os cinemas. Quem quer estrear agora? É um pouco frustrante. Mas sigo estudando e fazendo planos”.
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