O ano de 2018 começou levantando a bandeira do feminismo, através do movimento Time’s up, e seguindo esta pauta a Globo irá lançar uma série que fala sobre a violência contra mulher. Assédio, nome temporário do programa, é inspirado na vida de Roger Abdelmassih, um ex-médico brasileiro que estuprou centenas de mulheres em suas clínicas e fazia experimentos com o corpo das pacientes. O profissional era especialista em reprodução humana, sendo um dos pioneiros da fertilização in vitro no Brasil. O caso começou ser apurado em 2009 e ele foi condenado a 278 anos de prisão. “Precisamos ser fiéis à narrativa das vítimas e homenageá-las, pois tiveram coragem de lutar e ir contra uma personalidade poderosa. Ao fazer uma cena, me lembrava de vídeos que assisti com estas mulheres. O que aquele médico fazia virou uma tragédia inimaginável na vida de muita gente. Algumas pessoas foram agredidas pelo marido, que não havia entendido o que aconteceu, outras se mutilavam no lugar onde este homem havia tocado e há também quem não sabe até hoje se o filho que gerou é mesmo dela. Ele fez atrocidades, assediando e implantando óvulos de outras pessoas no útero das pacientes”, explicou Pedro Nercessian, que faz parte do elenco. A montagem foi inspirada no exemplar do jornalista Vicente Vilardaga, A Clínica – A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih.
O ator Pedro Nercessian entra na narrativa como o assessor de imprensa do criminoso, que é interpretado por Antonio Calloni. O personagem precisa ir contra a maré de acusações que estão sendo ditas sobre o cliente para defendê-lo frente à população. “Ele não chega a ser um vilão, porque não sabia o que o cliente fazia. Quando descobre, fica na dúvida se o médico havia feito aquelas atrocidades. Existe uma relação ética e pessoal que se confrontam neste papel ao se perguntar o porquê da vítima ter ficado quieta por tanto tempo. O que é assustador é que não é pontual, tem muita gente com esta visão”, comentou.
O fato de fazer um assessor de imprensa não representou um grande desafio a partir do momento que o ator está o tempo todo em contato com jornalistas. A parte mais complicada da criação do personagem foi, especificamente, o assunto da série. “É um trabalho muito delicado que requer mais cuidado em tudo. Qualquer coisa que eu falo, penso em como representar. Hoje em dia, precisamos ter mais cuidado com as palavras. Tem muita gente que encara esta ideia como chatice e preferia que nada se alterasse, mas o mundo é outro. ‘Cuidado’ é uma palavra muito presente nesta trama”, explicou. Apesar da delicadeza com a qual o tema precisa ser levado, o ator conseguiu aproveitar vestígios de outros trabalhos na criação deste conteúdo. “Conheço e estudo sobre o universo da mulher e do assédio, porque produzo o espetáculo Amanheceu que fala sobre violência contra a mulher. A peça foi feita a partir da experiência pessoal da própria atriz do monólogo, Juliana Bebé”, relatou. A montagem teatral está em cartaz há cinco anos e, neste meio tempo, já percorreu vários locais do Rio de Janeiro. O foco principal foi levar este material para as favelas.
Assédio representa uma grande aposta da emissora nas plataformas on-line, visando atrair os internautas. A mudança não está na forma como a dramaturgia se desenvolve, a alteração está na maneira como o trabalho será lançado no meio digital. O ator, que já participou do elenco de doze séries, afirmou que não percebeu nenhuma alteração na dramaturgia. “Acredito que o investimento maior será na plataforma em si do que no próprio conteúdo. Justiça, por exemplo, foi feito para a televisão, mas é um dos programas mais vistos na internet. Isto prova que a Globo já está pronta para as novas mídias no quesito estética”, lembrou. A decisão da emissora representa uma tentativa de acompanhar a nova maneira dos espectadores de consumirem televisão. Pedro Nercessian, por exemplo, cancelou o pacote de televisão por assinatura e assinou duas plataformas digitais. “Estou feliz em estar no campo das séries, estamos mudando a forma de fazer televisão”, garantiu.
Saindo do campo das séries e entrando no cinema, o artista ganhou, em novembro, o prêmio de melhor ator coadjuvante no Los Angeles Brazilian Film Festival por sua atuação no longa Canastra Suja, de Caio Soh. O longa ainda ganhou melhor ator, filme e direção. “Ganhei o prêmio em Los Angeles, Estados Unidos, na capital do audiovisual. O mercado de lá acaba sendo uma vitrine, conheci pessoas dos estúdios americanos. É engraçado que receber um título fora acaba trazendo mais respeito dentro. Quando isto acontece, é bacana que os espectadores passam a olhar mais para o trabalho do ator com mais cuidado. Ainda estou batalhando o meu lugar no espaço, não tive a oportunidade de fazer um protagonista de uma novela, por exemplo”, acrescentou.
Pedro também faz parte de outro filme brasileiro que está em processo de finalização, Plano Coletivo. “O roteiro é muito especial, porque começou a partir de um coletivo de pesquisa feito há quatro anos. Éramos um grupo de jovens que queria mostrar o seu trabalho. Chamamos orientadores, já sabíamos qual o diretor queríamos e tínhamos contratado alguns profissionais para aprimorar. O trabalho era flutuante, porque alguns amigos saíram e outros entraram no meio do caminho. Há dois anos, encontramos uma diretora, fechamos o grupo e começamos a tentar produzir”, explicou. Inicialmente, os jovens pretendiam fazer um texto teatral, no entanto o projeto acabou se tornando um longa-metragem. As filmagens duraram cerca de dez dias e as cenas gravadas foram capturadas em um final de semana, com direito a noite viradas. “Esta correria só foi possível, porque o filme conta cinco histórias independentes e o que liga é a temática. Fala sobre relações humanas, como nós precisamos um do outro e encontros desconhecidos”, informou. O longa foi realizado por dez atores, Igor Angelkorte, Aline Fanjú, Olivia Torres, Camilla Molica, Raquel Alvarenga, Pedroca Monteiro, Guilherme Dellorto, Pedro Yudi, Renata Guida e o próprio Pedro.
A rapidez com a qual o projeto foi realizado teve um motivo. O projeto foi inteiramente financiado pelos próprios atores, devido à falta de patrocinadores. Este fato é muito recorrente no mercado artístico, visto que é difícil conseguir incentivo fiscal. “Empresas sabem que patrocínio dá retorno, mas preferem investir em projetos que possuem um retorno direto, como Cirque Du Soleil e outros eventos de grande circulação. Em comparação com os outros, apostar em algo menor, como o coral do Jalapão, acaba não sendo tão bom por não se saber se haverá retorno. A lei, da forma que está, acaba deixando a decisão de qual produto patrocinar na mão dos grupos empresariais. Incentivar a cultura é barato e é um sistema que dá certo, apenas precisa atender os interesses dos brasileiros e não apenas o das companhias”, criticou. A gente assina embaixo.
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