*Por Brunna Condini
Pedro Caetano está na série ‘Sentença‘ que estreou quinta-feira, na Amazon Prime, vivendo na pele as experiências de um personagem que traz temas importantes para a roda. Ele interpreta Rogério, um advogado apaixonado pelo senso de justiça, ex-policial, homem negro gay, que saiu da corporação após sofrer inúmeros casos de homofobia, e encontrou no direito seu refúgio para continuar lutando por justiça para as minorias. O ator, que está na produção ao lado de Camila Morgado, também fala aqui da sua própria experiência em relação ao preconceito e racismo. Entre outras coisas, como a descoberta da sua voz artística há 16 anos.
Aos 39 anos, Pedro, que nasceu e se criou no Méier, Zona Norte do Rio, onde foi ‘descoberto’ para trabalhar como modelo, antes de se tornar ator, revela que já passou por casos de racismo escrachado, como os mostrados na ficção. “Na verdade, continuo passando, diariamente. E embora seja difícil e recorrente, tenho tentado colocar minha energia na transformação através do fortalecimento, da ação objetiva com os nossos. Como pai de uma menina preta de 7 anos (Alice) preciso acreditar que consigo deixar o mundo um pouco melhor para ela. Então tento sempre pensar em que tipo de mecanismos posso criar para que ela cada vez mais reconheça sua potência e lugar nesse mundo? Essa é minha motivação diária”.
O ator comenta que, infelizmente, as notícias que viraram rotina, foram a inspiração para viver o papel. “Tentei contato com um policial que encontrei na internet, durante minhas pesquisas, mas não consegui. O caso dele ficou bem conhecido em São Paulo, então devorei todos os vídeos e matérias que encontrei. Me pareceu uma experiência difícil, profunda. No caso do Rogério, tentei trazer esse estado de tensão, de alguém que dedicou uma parte de sua vida à uma instituição que tem como objetivo servir e proteger, mas que ao mesmo tempo escolhe a quem servir e a quem proteger. A mesma instituição que jura proteção se torna sua maior ameaça e sua maior inimiga”.
E também se encontra no papel, mesmo com as histórias de vida tão distintas: “Acredito que o Rogério tem uma necessidade de leveza, independente de todos os processos complicados em sua trajetória. Ele ama a vida, adora sorrir e está sempre pronto para ajudar quem mais precisa. Acho que temos o mesmo coração”, completa sobre o personagem, que é sócio na ficção de Camila Morgado, em um escritório conhecido por defender os menos favorecidos.
Pedro Caetano aproveita ainda para revelar uma curiosidade sobre a parceira de cena: “Talvez seja um lado desconhecido para o público, mas Camila é divertidíssima! Nossos dias de gravação eram certeza de inúmeras risadas. É muito difícil não se apaixonar pela intensidade dela, além de ser um dos maiores talentos que já tive a oportunidade de trabalhar. Um presente pra vida”.
Da conta de todos
É inquestionável a desigualdade racial ainda existente na sociedade brasileira atual. Para o ator, é importante conscientizar sobre a importância da luta contra o racismo, que significa, em última análise, um combate contra a injustiça. “Acho que todos nós conhecemos alguém ou algum caso de de injustiça racial, e se não conhecemos, devemos nos questionar o motivo pelo qual nosso mundo é tão diferente do que vemos noticiado diariamente nos jornais, nas redes, no dia a dia. Acho que o mais importante a ser feito é justamente assumirmos essa responsabilidade para nós mesmos, principalmente quem é branco. Quanto mais eu invisibilizar esse fato em minha vida, mais estou contribuindo para a manutenção dessa estrutura”, observa.
Recentemente, Pedro comentou em seu Instagram sobre o episódio envolvendo Jada Smith, esposa de Will Smith. Ela sofre de alopecia há anos (doença que que provoca a perda de cabelos), e na cerimônia de premiação do Oscar deste ano, Chris Rock, que apresentava, fez piada com sua cabeça raspada. Will Smith levantou e esbofeteou o comediante. A atitude repercute até hoje para Smith. E aqui, o ator chama à atenção para sua análise de um recorte da situação. “Muitas vezes, quando falamos de racismo, ouvimos que somos todos iguais. No entanto, na maioria dos casos, esse discurso é seletivo. Como pessoas pretas, a cobrança sobre nós é muito mais violenta. A cobrança por excelência, por calma, por inteligência”, aponta.
“O problema é que dentro dessa lógica, as subjetividades são apagadas. Se não partimos do mesmo lugar, como podemos ser iguais? Como bem disse nossa diva Elza Soares: “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. A nós é sempre permitido o prejulgamento, a negligência com nossas estruturas, nossas vidas. Busco contribuir para o empoderamento efetivo do povo preto a partir dos seus. Quem somos nós enquanto comunidade, enquanto grupo, enquanto potência. Quero ver pessoas pretas tendo poder de decisão sobre o que querem fazer e onde querem estar”.
O carioca começou a trabalhar como modelo aos 17 anos e com 19 já estava morando em Nova York. Viajou o mundo entre campanhas e semanas de moda e, em 2003,conheceu o grupo ‘Nós do Morro’, na comunidade do Vidigal. Foi amor à primeira vista. “Eu e um amigo tínhamos acabado de conhecer o Jonathan Haagensen em um evento e acabamos ficando próximos. Ainda era modelo na época e conversávamos sobre como o ‘Nós’ tinha sido importante na vida dele. Entramos então em contato com o grupo e descobrimos que seria o primeiro ano em que abririam vagas para não moradores da comunidade. Fizemos o teste e passamos. Ali tive algumas das experiências mais incríveis da minha vida. O Nós do Morro me ensinou a sonhar, me ensinou a honrar minhas possibilidades, me ensinou a honrar minha comunidade, a trabalhar em equipe. O ‘Nós do Morro’ se tornou minha casa. Em muitas situações difíceis da minha vida, o Guti Fraga atuou como pai, me abraçou, conversou, aconselhou. Tenho um amor enorme pelo grupo”.
E determina onde deseja chegar: “Quero ser referência para os meus. Mostrar que um ator preto brasileiro pode atuar em inglês, em produções internacionais. Quero mostrar que podemos ser mais do que 2% dos diretores de audiovisual do país. Que temos muitas coisas a falar que são maiores que nossas dores”.
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