*por Vítor Antunes
“Se fosse eu, nunca aceitaria um papel desses. Se eu encontrar com o ator na rua eu vou surtar contra ele, viu?”. Esta é a fala de uma telespectadora, identificada como Vera Lúcia, que comentou uma postagem no Facebook sobre uma matéria jornalística onde constava o ator Cláudio Tovar. Seu personagem em “Travessia” não tem sequer nome. Porém, tem gerado fortes discussões tanto na internet como fora dela. Na trama de Gloria Perez, o ator vive um pedófilo que lança mão de um deepfake para conseguir conteúdo íntimo de Karina (Danielle Olímpia). Para tal, o violador usa da imagem de Bruna Schuller (Giullia Buscacio). Para Tovar, foi difícil fazer o papel, contudo, apostou interpretá-lo em razão do seu valor social. “Pedofilia é um é uma covardia, uma maldade, uma crueldade. Você não pode fazer isso com uma criança. Mas até por isso mesmo eu resolvi topar vivê-lo. E fui. Sabendo que era difícil, mas que a causa seria boa”.
Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH), “denúncias de exposição de crianças e adolescentes na internet estão entre os cinco tipos de violações mais relatados ao Disque 100, telefone do órgão para este fim. O levantamento sobre esse tipo de violência considera casos de pedofilia, cyberbullying e pornografia infantil. Ainda de acordo com o MDH, repercutindo um relatório da Norton Cyber Security, “em 2017, o Brasil se tornou o segundo país com o maior número de casos de crimes cibernéticos”. Dados da SaferNet Brasil mostram que, “em 2018, o Brasil registrou um total de 133.732 queixas de delitos virtuais, 110% a mais em relação ao ano anterior. O principal crime denunciado foi a pornografia infantil”. Daí a urgência da discussão do tema.
Ícone da revolução sexual e da contracultura dos anos 1970, Tovar é um dos componentes históricos do Dzi Croquettes – grupo que trazia uma forte discussão sobre a temática LGBT e androginia em plena ditadura militar. Comparando estes dois momentos, o artista celebra. “Meu Deus, como o mundo mudou! Quando os Dzi Croquettes apareceram era como se fôsemos uma coisa extraordinária. Hoje em dia isso não é nada. As pessoas brincam disso, inclusive. No meu tempo, quando eu era jovem, era muito mais difícil com relação a preconceito e tudo mais. Hoje não. As pessoas têm direito, principalmente de amar quem quiser, de morar com quem quiser, viver com quem quiser. Acho que as coisas facilitaram muito”, diz.
Aos 78 anos, o ator lida bem com a maturidade e o envelhecimento. “Eu acho a maturidade um negócio ótimo. Se me perguntarem se eu tenho medo da morte, eu diria não ter não. Creio que a morte é um novo estágio, e não falo nem reencarnação, nem nada. Na minha peça, “As Meninas Velhas“, falo sobre isso. A morte trata-se de um outro estágio. Você sai para um outro mundo. Tal como quando saídos da barriga da mãe chegamos à Terra, iremos para outro estágio depois da morte. Creio que ela seja assim: um relaxamento. Um dormir-mas-não-dormir. Como se houvessemos tomado uma anestesia”, poetiza.
NAS RAIAS DA MALDADE
O perverso personagem de “Travessia” vem gerando muita discussão na trama das 21h, trazendo à tona um assunto muito pouco falado: o estupro virtual. O homem vivido por Tovar chantageia Karina (Danielle Olímpia), ameaçando revelar as fotos íntimas da moça que foi ludibriada por ele, que se passou pela influenciadora digital Bruna Schuller (Giullia Buscacio). O tema, arriscado porém necessário, gerou sentimentos confusos ao próprio intérprete. “Comecei com muito medo. Na verdade, quando veio o convite e me foi revelado que eu ia fazer um pedófilo5, senti uma coisa estranha. Porque pedofilia é uma covardia. Uma maldade, uma crueldade. Não se não pode fazer isso com uma criança. Considerando isto, topei fazer a participação, sabendo que seria por uma boa causa a do debate sobre o tema”.
Sobre as cenas, Tovar explica como sucederam: “Tanto eu quanto a Danielle Olímpia, fomos nos adaptando. Nós gravamos em cenários diferentes. Ela não quis ter contato comigo no começo por querer ficar isolada em seu personagem”, disse ele, sobre o fato de Olímpia querer surpreender-se com a imagem do ator. Sobre a composição, que aconteceu de forma bem objetiva, Cláudio conta sobre os bastidores. “Mauro Mendonça Filho, o diretor, me perguntou como eu estava fisicamente. Disse que estava com quase 80 anos. Daí o realizador perguntou se eu me incomodava em fazer a cena mostrando o corpo e eu disse não me incomodaria. Tanto que eu faço as cenas com a camisa aberta, a barriga de fora e tal, não tem nada de charmoso naquilo tudo, ao contrário. É tudo é muito pesado”.
Toda a estética relacionada ao personagem de Tovar é rude: “Quando eu cheguei no cenário que representava o quarto dele, tudo era o pior possível. Abro a geladeira e tem um pedaço de pizza velho, eu pego água e bebo na garrafa de plástico, há um monte de revista de mulher pelada na frente. Tudo muito pesado, assustador passar por isso”. Tovar relata que ele e Danielle, intérprete de Karina, hoje “nos falamos mais, nos curtimos, temos um contato carinhosíssimo um com o outro, mas vencer isso tudo, principalmente pra ela, foi muito mais difícil”.
LUPU LIPMPIM CLAPA TOPO
Um dos mais importantes trabalhos de Cláudio Tovar na televisão foi, justamente voltado ao público infantil. O programa “Lupu Limpim Clapa Topo”. O clima lúdico era tão presente que o aparentemente confuso nome do show era nada menos que o dos apresentadores – além dele, a também atriz Lucinha Lins – na “língua do P”, idioma fictício usado pelas crianças. “A gente curtia muito. Não tinha tanto a questão do Ibope. Ficamos lem gravações as pessoas até hoje lembram. As crianças daquela época são homens e mulheres de quarenta, cinquenta anos e falam do programa com saudade. É bacana isso”. Cláudio, no entanto, lamenta o desmazelo com a memória do programa, ainda antes do fim da emissora. “Eles gravaram em cima das fitas do “Lupu Limpim“. Tem alguma coisa na internet, nós dançando ou cantando. É uma lembrança ótima que a gente tem e uma pena por que foi uma boa fase, uma época da nossa vida, da nossa carreira e que me entristece saber que não tem mais nada daquilo”. Com o fim da Manchete, o acervo da emissora rodou de mão em mão, e as fitas acondicionadas de maneira errada. Não é possível afirmar categoricamente nem sobre o estado do material nem o que sobrou das milhares de Betamax que compunham o arquivo da TV.
Além de “Lupu”, Tovar fez outros projetos infanto-juvenis famosos como o “Jardim das Borboletas“, escreveu “Sapatinho de Cristal“, “que foi um sucesso extraordinário e acabamos a temporada junto com o Ney Matogrosso no Chico Tihany, em São Paulo. Depois eu fiz o “Simbá de Bagdah, um musical lindo, no qual eu trouxe todas as coisas, inclusive tecidos, do Marrocos”.
…. AS INTERNACIONAIS!
Cláudio Tovar compôs o histórico grupo performático Dzi Croquettes, que ousou trazer à cena o humor e a acidez LGBT, numa época de grande repressão, que foi a ditadura militar. Sobre esse momento, Cláudio diz que “Esta foi uma das melhores épocas da minha vida, minha grande escola. Foi ali que eu aprendi tudo, não só dançar, mas como estar em cena e todos nós ensinamos alguma coisa uns aos outros. O Lennie Dale (1937 — 1994) foi um mestre extraordinário. Foi com os Dzi que eu consegui assumir mais meu trabalho de figurinista porque a cada dia a gente mudava o figurino. Foi uma época muito linda, em que conhecemos pessoas maravilhosas como Josephine Baker (1906 — 1975), Nureyev (1938 – 1993), a Jeanne Moreau (1928 – 2017), vivemos experiências fantásticas que passaram nas nossas vidas e a gente fluiu delas”. O contato com estas personalidades justificava o slogan e uma das canções do grupo, que dizia “Dzi Croquettes, as internacionais“. Em 1986 e em 2012, houve uma remontagem dos Dzi, dos quais Claudio participou apenas como figurinista. “Quando o tempo foi passando e eu casei, tive filho, não quis mais dançar, estava enjoado de tanto fazer aula, de tanto dar aula. Não quis mais. Acho que passou o meu tempo”.
Quanto aos Croquettes, Cláudio afirma acreditar que o documentário produzido por Tatiana Issa ajudou a imortalizar o grupo. “Depois dele as pessoas descobriram que houve os Dzi. Deu um novo alento. As pessoas ficaram muito surpresas de saber que houve um grupo como aquele em 1972, numa época tão difícil de ditadura, onde os militares só foram sacar muito depois do que se tratava motivo pelo qual nos exilamos na Europa. As pessoas reconhecem-nos hoje em dia com muito carinho”.
A tendência no Brasil é que as coisas sejam esquecidas. Hoje em dia, se você fala do Lennie para essa geração, ninguém sabe quem é. Se você falar de Elis Regina (1945 — 1982) pra determinadas pessoas, a garotada aí não sabe quem é. O Brasil é muito ingrato com seus artistas – Cláudio Tovar
Diante de perspectivas nas quais apontam o teatro moderno como careta ou tradicional, Tovar discorda. “Quanto ao teatro hoje em dia, não acho careta não. Acho que tem coisas espetaculares, lindas que eu vejo pela aí. Acho que só cresceu. Os musicais são muito mais bem feitos, todo mundo absorveu bastante a escola americana [de teatro musical] e nós temos muitos atores e atrizes que dançam e cantam. Na minha época eram raros os que atuavam e sabiam cantar. Há espetáculos do Brasil que não devem nada às grandes montagens da Broadway. Acho que o teatro cresceu, mudou. Está diferente”.
Bissexual, o artista está casado desde 1983 com Lucinha Lins. E aponta que há uma grande transformação no mundo, no que tange à questão LGBT . “O mundo mudou! Quando a gente apareceu, o Dzi era tido como uma coisa extraordinária. Hoje em dia, é naturalizado. Já existe casamento de pessoas do mesmo sexo. Todo mundo fala sobre isso, não tem nem discussão. As pessoas se assumem mais tranquilamente sem medo de serem contestadas. No meu tempo era muito mais difícil. Hoje as pessoas têm direito, especialmente de amar quem quiserem, de morar com quem quiserem, então eu acho que as coisas facilitaram muito. Tem mais conquistas a serem feitas? Com certeza. O ser humano está sempre em evolução e acho que essa questão também tem que evoluir. As pessoas estão assim, vivendo uma vida muito mais tranquila em relação a sua sexualidade. E isso é muito bom. Todo muito mais aberto a a discutir, a falar sobre isso, e que bom as pessoas estão conquistando o direito de amar quem elas quiserem”.
QUANTO AO TEMPO
Aos 78 anos, Cláudio Tovar vê com otimismo a maturidade. “Eu me sinto muito ágil, por exemplo, mas a Covid deixou sequelas. Fico mais cansado atualmente do que antes. Atualmente prefiro ver um filminho em casa, ler um livro, ou desenhar que sair. Não tenho mais vontade de fazer coisas que eu já fiz. Acho a maturidade é um negócio ótimo. Se perguntarem se eu tenho medo da morte eu digo que não. Creio que a morte é um novo estágio, e não falo sob a perspectiva da reencarnação não, inclusive cito isso na minha peça, “As Meninas Velhas“. A morte trata-se de um outro estágio você sai pra pra um outro mundo. Tal como quando saídos da barriga da mãe e chegamos na Terra, iremos para outro estágio depois da morte. Creio que ela seja assim, um relaxamento. Um dormir-mas-não-dormir. Como se houvéssemos tomado uma anestesia”, finaliza.
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