Peça criada por Junior Vieira abre programação na ONU e ator é convidado para dirigir campanha de negritude na Globo


A campanha “Quero ser Feliz” juntou nomes como Karol Conka, Lellêzinha, Thiago Martins, Roberta Rodrigues e outros para falar sobre como combater a invisibilidade social. Sobre o convite do departamento de responsabilidade da Globo para dirigir as campanhas de negritude da plataforma “Tudo Começa Pelo Respeito”, ele pontuou: “Inicialmente achei que era pra ser um dos personagens convidados, mas quando disseram que era pra dirigir fiquei super feliz e muito orgulhoso, ainda me surpreendo quando vejo para onde o ‘Nosso Legado’ tem nos levado. E para completar a minha alegria a maior parte da equipe que produziu as campanhas de negritude da Globo era formada de pessoas negras, assim como fizemos com o ‘Quero Ser Feliz’

*Por Karina Kuperman
Potencializar a voz das favelas e periferias e contribuir para reverter o mecanismo de invisibilidade social. Esse foi o objetivo da campanha “Quero ser Feliz”, que abriu a programação cultural de direitos humanos da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e foi a grande vencedora do Festival Internacional Rio Web Fest como melhor web publicidade. O nome por trás da empreitada é Junior Vieira. Ator, diretor e roteirista, ele juntou nomes como Karol Conka, Roberta Rodrigues, Thiago Martins, Lellêzinha e outros famosos que têm legitimidade para falar em nome de zonas de vulnerabilidade social.
Na peça, eles recitam a letra da música “Rap da Felicidade” e inserem suas experiências pessoais. “Sou maranhense, negro e de família muito pobre. Morei em diversas favelas do Rio de Janeiro e passei muitas dificuldades. E mesmo hoje, morando em um bairro nobre e com a vida um pouco mais estruturada, sinto um abismo grande. Na maioria dos lugares que frequento no meu bairro sou um dos poucos negros. A postura das pessoas, os olhares são diferentes pra mim, como se em todo momento tentassem dizer que não pertenço aquele lugar. Em um país em que mais de 54% da população é negra, uma pessoa como eu ser a exceção diz muito sobre nossa sociedade. E quando me questionam por que continuo frequentando esses lugares eu afirmo que não vou para outro lugar porque é isso que eles querem, que eu ache que esse lugar não é meu e que não mereço estar ali. O meu lugar é onde eu quiser! Sou livre e tenho livre arbítrio pra frequentar e estar onde eu bem entender. Hoje posso ainda ser exceção, mas em breve serei regra. Não quero ver os negros apenas em posições subalternas. Quero que sejamos clientes, sócios, donos. Quero me ver em outras mesas, outros ambientes, outras funções, somos plurais e potentes”, destaca, em entrevista exclusiva.

Junior Vieira (Foto: Divulgação)

Foi com isso em mente que Junior conectou seu potencial artístico com a veia empreendedora de Larissa Lopes, sua sócia, e, juntos, eles criaram a ONG que produz conteúdo audiovisual de impacto. A comoção em torno da morte da vereadora Marielle Franco, de quem Junior foi muito próximo, somado a esse aumento do assassinato de jovens negros em favelas, fez com que o projeto surgisse. “Me revoltou de tal forma que senti a necessidade de fazer algo concreto. Estava no banho recitando e interpretando o ‘Rap da Felicidade’ e percebi o impacto da letra desse hino das favelas do Brasil, que foi escrito há mais de 25 anos, mas infelizmente continua tão atual. Comentei com amigos do mercado do audiovisual, que tenho o privilégio de ter acesso, como o Marcelo Martins Santiago, o Felipe Bretas e o Mikael Santiago. Eles curtiram a ideia e disseram que só eu poderia dirigir algo tão particular e próximo a mim. Eu até então tinha trabalhado em produtos bem pontuais como diretor, mas comprei a ideia. Resolvi gravar um vídeo em que eu recitaria a letra da música e postaria nas minhas redes, mas notei que esse projeto era maior do que eu e do que eu havia pretendido inicialmente, e decidi então convidar outras vozes para que nossa voz ganhasse força e projeção. Dessa forma o coletivo de pessoas que abraçaram o projeto voluntariamente foi crescendo até que virou o ‘Quero Ser Feliz‘. E, graças ao presidente do nosso conselho, Marcus Vinicius Ribeiro, um defensor incansável dos direitos humanos, nós abrimos a programação cultural de direitos humanos da Assembleia Geral da ONU esse ano, seguido da exibição do filme “Marighella“. Foi a realização de um sonho potencializar a voz da favela e da periferia para tão longe, de Nova York para o mundo”, emociona-se.

Ele idealizou e dirigiu a campanha “Queron Ser Feliz”, que abriu a programação da Assembleia de Direitos Humanos da ONU (Foto: Divulgação)

“A verdade é que produzir esse tipo de conteúdo surgiu da necessidade de abordar com seriedade e qualidade temas relacionados aos direitos humanos. A gente sabe que as relações sociais e a busca por informação vêm migrando para as redes sociais intensamente nos últimos anos e com isso a gente assiste passivamente o surgimento das fake news e de toda desinformação nas redes. Resolvemos arregaçar as mangas e produzir um conteúdo que aborda especialmente o combate à todo tipo de discriminação. Começamos despretensiosamente e tem sido muito bom chegar tão longe. Realmente não imaginava tudo que tem acontecido, mas sei que tem muito por vir”, analisa.

“A favela e a periferia têm muita potência, muita riqueza. Mas com todo preconceito e discriminação, muitas vezes as vozes dos moradores da favela não são ouvidas. Quem vive no asfalto se enxerga em uma realidade muito distante desses territórios, como se fosse outro mundo. Quando há uma naturalização e uma falta de indignação por uma parcela da sociedade, a desigualdade social se aprofunda e a violência cresce. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Em proporção negros têm três vezes mais chances de serem vítimas de assassinato do que brancos. Meu próprio irmão foi assassinado há alguns meses endossando ainda mais esses dados”, lembra.

Para aproximar os mundos, Junior usou uma música nacionalmente conhecida e chamou artistas com alto potencial midiático, mas também artistas não famosos, como os Poetas do Vagão, que fazem poesia e música nos vagões do metrô do Rio de Janeiro. “Fiz questão de eu mesmo falar com cada um dos porta vozes individualmente e gerar proximidade e maior propriedade sobre o resultado do projeto. Alguns não me conheciam e aqueles que me conheciam não sabiam que eu dirigia. Expliquei pra cada um o conceito e a essência do projeto e a maioria aceitou de cara. Aqueles que não puderam estar presentes no vídeo por causa de agenda contribuíram de alguma forma com a realização do projeto, como o Emicida e o Fióti que nos apoiaram através da Lab Fantasma. No set era um clima leve e super descontraído e a conversava ao pé do ouvido com cada porta-voz era orientada para que fosse o mais sincero possível com seu sentimento. Grandes referências toparam entrar com a gente no projeto com humildade e escuta, estar à frente de um movimento tão importante para a nossa sociedade e que está ganhando o mundo enche meu coração de felicidade e orgulho”.

(Foto: Divulgação)

O enorme sucesso rendeu muitos frutos e Junior foi convidado pelo departamento de responsabilidade da Rede Globo para dirigir as campanhas de negritude da plataforma “Tudo Começa Pelo Respeito”.  “Inicialmente achei que era pra ser um dos personagens convidados, mas quando disseram que era pra dirigir fiquei super feliz e muito orgulhoso, ainda me surpreendo quando vejo para onde o ‘Nosso Legado’ tem nos levado. E para completar a minha alegria a maior parte da equipe que produziu as campanhas de negritude da Globo era formada de pessoas negras, assim como fizemos com o ‘Quero Ser Feliz’.  Eu acredito que se lutamos pela inclusão e pela diversidade é importante que sejamos coerentes com o nosso discurso em todo o processo, que perpassa pela produção de conteúdo, pela direção e também pela produção em si. As campanhas começaram a ser lançadas a partir do dia da consciência negra, com três a cinco episódios para as plataformas virtuais da Globo, onde empreendedores e criadores debatem o impacto da criação de oportunidades para combater o preconceito”, adianta.
“Tanto eu quanto a Larissa já estamos desenvolvendo a próxima campanha do Nosso Legado, mas ainda não divulgamos o tema. Estamos na fase de pesquisa, estruturando narrativas e parcerias de coprodução. Nós ainda estamos colhendo os frutos do lançamento do ‘Quero Ser Feliz‘ e muitas portas estão se abrindo, no próximo ano vem muita coisa boa por aí! O dia a dia desse trabalho nem sempre é prazeroso, lidar tão de perto com tanto preconceito e discriminação dá raiva muitas vezes, sentimento de impotência. Mas, no final do dia, quando vejo que trabalho e luto pelo o que eu acredito, surge uma força interna enorme que me dá gás pra seguir”, diz.