*Por Vítor Antunes
Tal como diz a música “Go Back”, do primeiro álbum dos Titãs, Paulo Miklos não tem tempo a perder. Na última semana houve o lançamento do filme “Clube dos Anjos”, adaptação da obra de Luis Fernando Verissimo, no qual vive um personagem de destaque e que, tal como tantos outros de sua carreira de ator, flerta com a vilania. O artista comenta sobre esta recorrência em papéis de malvado e diz gostar destes. Miklos também fala sobre o álbum novo de inéditas que lançou após a pandemia e da turnê de divulgação do álbum, além de destacar a atemporalidade de “Cabeça Dinossauro”, icônico disco dos Titãs lançado em 1986 e que, segundo o músico, “poderia ter sido lançado hoje”. A banda, aliás, completou 40 anos em 2022 e promete pronunciar-se dia 16/11 sobre um possível reunion. Quanto à polarização política, o astro é esperançoso com o novo Governo.
“CLUBE DOS ANJOS” E “DO AMOR”
“Clube dos Anjos” é um filme de Ângelo Defanti. Recém-lançado, o longa que é o primeiro do diretor, conta a história de sete amigos que se reúnem mensalmente há décadas o qual chamam do “Clube do Picadinho” – ganhou este nome em razão do prato que lhes é servido. Após a chegada de um cozinheiro misterioso, vivido por Matheus Nachtergaele, um integrante do grupo passa a aparecer morto. O filme mescla humor ácido com mistério e traz, além de Miklos, os atores Otávio Müller, Augusto Madeira, André Abujamra e Ângelo Antonio. Segundo o ex-Titã, o elenco do longa é uma “seleção brasileira. Foi uma coisa fantástica aquela convivência. Tanto que até hoje temos um grupo no WhatsApp que é o “Clube do Picadinho”, que é super ativo. Nós comentamos fatos, trocamos ideia… São atores talentosos, mestres. Fiquei na maior felicidade em contracenar com a galera”.
Dentre outras questões, o filme se destaca por ser, um elenco majoritariamente maduro. Todos os atores em cena tem mais de 55 anos, o que não é algo frequente. Segundo a ótica de Miklos a idade deles não quer dizer muita coisa, pois são homens que não evoluíram. “São estagnados. Vivem na zona de conforto, movidos pelo prazer. Tanto que este é o fim deles. São caras que embora privilegiados, não oferecem nada, nunca se viram diante de questionamentos. Mesmo os que têm diferenças ideológicas acabam por não se diferenciar entre si. São homens homofóbicos, racistas, que pararam no tempo, que não avançam nem se redescobrem”. Uma cena importante do longa, inclusive, acontece quando dois dos amigos – um alinhado à direita e outro à esquerda – brigam na mesa de Natal por conta de política.
Nos bastidores dizíamos que aquela cena vai refletir o Natal da família brasileira, [com gente] discutindo, subindo à mesa… Tamanha a divisão que ocorreu por conta desse assunto. Foi muito aguda a polarização. O filme é muito atual – Paulo Miklos
Augusto Madeira fala também o que os faz unir bastidores muito divertidos e se admiravam muito e é algo que foi muito azeitado e também reitera a atividade do grupo de WhatsApp entre eles e ressaltou que a amizade transparece em cena. André Abujamra, que também era diretor musical do filme, salientou a química. Otavio Muller define os personagens como “hediondos”, mas que o trabalho entre os atores era um grande parque de diversões.
Sobre a passagem do tempo, Muller destaca que “a sensação de finitude chega. A meninice dos Anos 1980, indo no [show] Cabeça Dinossauro e pulando como loucos, e consumindo coisas deliciosamente loucas acaba. Ou ela acaba com você ou você acaba com aquilo e continua. Eu acho o tempo bacana pra mim. Sou pai, tenho um casamento de 26 anos, vejo os filhos crescerem. Isso é muito bonito”. Já Abujamra define que “depois dos 50 é como chegar no topo de uma montanha prestes a descer”.
Já a relação de Paulo Miklos é outra. A maturidade ensinou-o, aparentemente, a não tolerar o intolerável, mas a ser paciente com o relógio: “Amadurecer me trouxe paciência com o tempo, que ele é o importante. Em especial para se poder ter uma profissão onde você é obrigado a viajar, a estar longe de casa… Tudo isso tem um custo emocional esse lance da família. A mochila nas costas pesa o tempo todo, e já pesava no começo, mas é um estilo de vida. A família se adapta a isso, as amizades também, para não serem perdidas, mas é claro que isso tem um custo. Atualmente é mais fácil tem um facetime a gente se vira. Mas, claro, tem o lado positivo. A gente faz amigos pelo Brasil todo, conexões e conhece pessoas diferentes”.
Além do filme, Miklos está em turnê de divulgação do disco “Do Amor não Vai Sobrar Ninguém”. O disco, produzido em plena pandemia, trouxe uma experiência nova ao artista que viu-se tendo de produzi-lo todo à distância. “É um projeto pandêmico. As canções foram compostas por mim, letra e música. Não consegui encontrar os meus parceiros, estávamos todos isolados, então foi uma experiência diferente, já que ele foi todo estruturado via WhatsApp. É um disco muito moderno, luminoso, romântico, leve”. No dia 13/11, o artista se apresentará divulgando o álbum em Fortaleza, no Cine São Luiz. O show acontecerá logo após a mostra de outro filme que ele participa, chamado “O Homem Cordial”.
A pandemia trouxe essa pausa reflexiva. Acabei compondo um disco inteiro e me vi com o meu violão me trouxe um equilíbrio psicológico uma saúde mental. pude descobrir algo dentro de uma sensação claustrofóbica provocada pela crise sanitária – Paulo Miklos
UM HOMEM MAU?
Ainda que a carreira de ator esteja num outro ponto cronológico da sua estrada, chama a atenção a grande quantidade, especialmente nos cinemas, de vilões os quais vive Miklos. Ele diz gostar desses papéis, justamente por sua complexidade. “O mocinho é sempre sem graça, sem sal e o vilão é, na maioria das vezes, controverso. Todo mundo quer entender o jeito que ele age. É um personagem que instiga mais a curiosidade. Quem me conhece sabe que eu sou uma pessoa pacata e tranquila, diferente do palco, onde sempre fui muito provocador”
Os vilões são aqueles personagens que causam o conflito, eles têm uma atuação dramática bacana. Existe um gosto por fazer os vilões, algo que todo mundo gosta de comentar – Paulo Miklos.
O ator prossegue: “Eu sempre gostei muito de ser provocador de reações, de cantar e dançar e trazer junto essa extroversão. A música dos Titãs me proporcionava essa atitude e sempre fizemos shows gigantes. Afinal, para manter aquele povo todo é preciso colocar muita voz, muitos gestos grandes, a coisa tem que ir longe para envolver o público todo. Talvez tenha sido isto o que o Beto Brant tenha visto em mim quando me convidou para fazer seu filme, ‘O Invasor’”. No longa de Brant, Miklos vivia um matador profissional.
Sobre sua estreia como ator de cinema, ele diz que “a primeira experiência foi algo que me descortinou uma possibilidade de realização artística que eu desconhecia. Tanto que quando eu assisti o filme sob um impacto tão grande que não parecia que eu estava vendo a mim na tela. Vi-o como a outros que eu já havia visto. Quando o longa acabou, as pessoas foram me cumprimentar e só então despertei dessa espécie de transe e me dei conta de que tudo que a gente tinha feito estava na tela e havia servido para contar a história. Só então comecei a ver todos os filmes de maneira diferente e observar outros aspectos que nunca tinha me dado conta. E de filme para filme eu continuo aprendendo. Aprendo com os colegas de cena, sobre a câmera, sobre o set, sobre como as coisas funcionam, sobre maquiagem, figurino, caracterização. Esse processo para mim é uma grande novidade e a cada trabalho eu aprofundo aspectos neste ponto.
Este projeto parece ter aberto as portas para a vilania. Uma das experiências mais recentes do ator, ainda como um personagem perverso foi na franquia “Carrossel”. No filme baseado na novela exibida no SBT, ele interpretou González e viveu uma experiência singular: “As crianças quando se deparam comigo no shopping, fugiam. Viam em mim o personagem. Houve uma ocasião, quando eu fazia a peça “Chat Baker”, em que o neto da camareira pediu que ela se afastasse de mim já que eu era “do mal”. As crianças me reconhecem instantaneamente e há essa coisa interessante de serem testemunhas das maldados do personagem. Elas viram aquilo.
Eu conheço de longe os meus fãs por que eles têm medo de mim – Paulo Miklos
POLARIZAÇÃO POLÍTICA
Miklos passou por todas as fases modernas da política brasileira. Desde a ditadura à redemocratização, incluídos aí tanto a eleição de Collor como seu impeachment e, alguns anos depois um novo impedimento, que subtraiu de Dilma Rousseff à Presidência. Ainda que veja com esperança a nova eleição de Lula para seu terceiro mandato, o artista se preocupa com o avanço dos protestos antidemocráticos em decorrência da derrota de Bolsonaro na eleição de 2022: “Na eleição do Collor a gente viu coisas bem parecidas, inclusive [os discursos] se assemelhavam nessa falácia da corrupção, nesse discurso do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”. Como vemos, no Brasil há pedidos de recontagem de votos e por intervenção militar. É muito triste ver uma parcela, que eu imagino ser pequena, que clama e se diz saudosa da ditadura. Eu não consigo nem ter dimensão do que seria a minha vida se meus ídolos tivessem tido liberdade e não tivessem sido expatriados. Quando os Titãs apareceram já estava nos estertores da censura. A gente veio como uma grande festa democrática e no meu caso, o rock da gente explodiu numa fase de redemocratização plena”, analisa.
Ainda sobre aqueles que seguem nas ruas o cantor prossegue: “São pessoas que não querem participar do jogo democrático achando que pode ganhar na força, no grito. É muito triste perceber isso, já que poderíamos ter amadurecido mais e a estamos nos vendo diante dessa extrema-direita ainda inflada pela ruptura ocorrida após o Impeachment da Dilma, em 2016. Dali adiante foi só ladeira abaixo”.
Quanto ao futuro do Brasil, eu o vejo como brilhante. Eu sou muito otimista para o que vem pra frente. A direita pôde se reorganizar e quem se associou a essa extrema-direita vai ter a chance de amadurecer. A esquerda se reuniu numa frete ampla democrática e se revela de forma estruturada depois de 4 anos [de Governo Bolsonaro] – Paulo Miklos.
A MELHOR BANDA DE TODOS OS TEMPOS
Os Titãs nasceram em 1982– com o nome de Titãs do Iê-Iê. Em 2022, portanto, completou 40 anos. Durante a produção desta reportagem, os cantores atualizam as fotos das suas redes sociais simultaneamente e com fotos semelhantes tiradas pelo mesmo fotógrafo, o que acendeu a possibilidade de uma reunião celebrativa, sobre a qual o grupo se pronunciará dia 16/11.
Os primeiros álbuns dos Titãs foram lançados em vinil, tanto em long-plays como em compactos e em fitas cassete. O que parece muito anacrônico para as gerações atuais, que se utilizam das plataformas digitais para consumir música. E não foi apenas isto que mudou de lá pra cá. Até mesmo os lançamentos mudaram de formato e chegam no streaming a partir de singles ou EP’s. Perguntamos ao cantor se há uma mudança significativa tanto no perfil consumidor como no artístico para música hoje: “Eu continuo fazendo os discos da mesma maneira. Sempre penso num apanhado de canções que conversem entre si, num conceito de tempo e espaço que tenham a ver com aquele momento, então esse disco por exemplo, tem 13 musicas novas e inéditas. Eu acho que existe uma estratégia de lançamento, por singles, que talvez não seja tão diferente do que era feito nos anos 80, quando lançava-se um compacto simples e depois íamos divulgar nas TV’S e rádios até que houvesse o lançamento de um disco “cheio”. Hoje em dia há mais sortimento de possibilidades por que essas músicas estão soltas em playlists”.
O problema do nosso tempo é a falta de curadoria já que no bolso há uma discoteca com infinitas possibilidades, mas não há quem diga quais os novos lançamentos, como vamos saber dessas coisas essa é a grande charada, é onde, num universo de possibilidades vamos fazer a sua opção de musica que gostamos e conhecer outras novas – Paulo Miklos
O artista relata que, ainda que consuma música em seu formato digital, não abre mão de seus discos de vinil, que coleciona desde os 14 anos, bem como pretende lançar este novo trabalho nesta mídia física, tal como fizera em seu disco anterior.
Numa listagem publicada no site G1, do Grupo Globo, que trata sobre o ranking das bandas e/ou cantores mais ouvidos em julho deste ano, 2022, chama a atenção que entre o top 200 de artistas, a melhor posição do gênero rock seja a 39ª, com o extinto grupo Charlie Brown Jr. Na mesma época, outras reportagens traziam a alarmista manchete “O Rock morreu”. Miklos desmente esta assertiva: “O rock está presente. Mais uma vez estão decretando a morte do rock’n’roll. Essa é uma coisa cíclica, mas se há algo resistente é o rock. Há ritmos que tomam conta da mídia e isso é muito presente. Há quem diga que, num determinado momento não há espaço para um determinado gênero ou outro. No momento há uma grande exposição tanto do funk carioca como do sertanejo e eu acho que é normal de acontecer. Quanto ao rock há bandas novas surgindo, às vezes há uma redescoberta, pelo menos esta é minha experiência. As pessoas continuam ouvindo, querem saber as músicas antigas do meu repertorio, elas têm interesse pelo que ando fazendo, por músicas novas”.
Ainda tratando-se do rock, um dos álbuns mais expressivos do gênero foi lançado pelos Titãs, em 1986: “Cabeça Dinossauro”. Algo mudou de lá pra cá, socialmente ou sonoramente? “Não. O disco é muito atual, continua falando de uma maneira ampla aberta e as motivações podem ser diferentes hoje, mas a realidade é muito difícil. Canções como “Família” e “Estado Violência”, por exemplo, continuam iguais. Especialmente esta última.
O Estado permanece e injusto, são dois pesos e duas medidas e a gente vê isso acontecer no Brasil. Existe a Justiça dos ricos e dos pobres. Eu acho que é um disco q é muito atual. Ele poderia ser feito hoje, tanto no discurso como na sonoridade – Paulo Miklos
O FUTURO É HOJE, CABE NA MÃO
As redes sociais democratizaram o verbo e a intolerância. Miklos diz não temer o cancelamento: “Eu adoro bloquear gente chata! As pessoas estão muito desagradáveis e essa onda recente contra a cultura, de perseguição aos artistas, de não achar que a cultura merece incentivo é algo tão torto que até mesmo eu, que sou um defensor voraz da democracia não as tolero”.
O rock tem, ou teria a fórmula da juventude? Há sempre um pensamento de que os roqueiros são jovens, elétricos… Como lidam com a passagem do tempo? “Essa história meio Peter Pan que o rock’n’roll tem, uma coisa que eu chamo de circo do rock’n’roll, de estar cada dia numa cidade. É sobre isso de ser sempre jovem e, ao mesmo tempo em que temos 35 anos de carreira dizem-nos “os rapazes dos titãs”, deveríamos ser “os senhores”. As pessoas têm uma imagem marcada do grupo cantando e pulando no Chacrinha (1917-1988), com 20 anos. Então, eu acho que tem essa maneira de as pessoas nos enxergarem com essa visão sempre jovem e ainda talvez tenha ainda uma distorção de a gente mesmo se enxergar assim”. Se há uma imagem de juventude cristalizada, há muita história a ser escrita. E, reiterando mais uma canção Titã, “enquanto houver sol ainda haverá outras tantas”.
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