*Por Brunna Condini
Em ‘Cara e Coragem‘, substituta de ‘Quanto Mais Vida, Melhor‘, no horário das 19h a partir de 30 de maio, vamos ver um casal preto como protagonista. Taís Araújo e Paulo Lessa farão par romântico. Ela, como Clarisse, dona de uma companhia siderúrgica, e, ele – que entrou no lugar de Fabrício Boliveira -, como Ítalo, um instrutor de parkour, apaixonado pela personagem de Taís. Sobre a parceria com a atriz, Paulo revela uma curiosidade. “A vida sempre nos surpreende, são as voltas que ela dá. Muito louco. Já fiz figuração para a Taís em ‘Da Cor do Pecado’ (2004). Na época, lembro que conversei muito com a mãe dela, Mercedes, nos bastidores. E ela me encorajou a seguir na carreira. Hoje estou aqui, fazendo par com Tais, que é uma grande parceira”, conta.
“Valorizam muito o protagonista por conta da visibilidade na história. É muito importante este momento na minha carreira. Meu nome é ansiedade para essa estreia (risos). Há uns anos nem poderia sonhar que estaria aqui, protagonizando uma novela . É conquista e representatividade”.
Aos 40 anos, e com 14 de trajetória profissional que inclui filmes e novelas como ‘Gênesis‘ (2020) e ‘Jesus‘ (2018), ambas na Record, o ator celebra a atual conquista, mas com uma visão realista. “Passa um filme na cabeça. Muitos ‘nãos’, ‘quases’, muitas ‘bolas na trave’. E de repente você colar com uma galera dessas, que admiro, com carreiras consolidadas na TV. É realização e responsa. O protagonista tem um glamour envolvido, mas tem também uma dedicação quase integral. Tenho uma filha pequena, a Jade, de 1 ano, e estamos nos vendo pouco. Tem sido uma batalha, a família tem que jogar junto, e aqui jogamos. Estou o tempo todo gravando, estudando”, diz Paulo, casado há 15 anos com a dentista cabo-verdiana Cindy Cruz.
O carioca reconhece ainda a acessível parceria da veterana Taís Araújo. “A trama já começa com a história do meu personagem e da Taís acontecendo, com o ‘bicho pegando’. Então, você tem que ter uma super intimidade ali de cara. E se tem algo que agradeço mesmo à ela, é por sua disponibilidade, que é imensa. Taís sabe o tamanho que tem, o que representa para muita gente, e se disponibilizou desde o primeiro momento para fazer preparação extra comigo, ensaiar mais. Porque eu preciso dessa transpiração, sabe? Isso tem sido fundamental. A gente chega meio perdido, então o trabalho intenso com ela facilitou a minha chegada”.
Legado
Paulo Lessa é filho de Idalice Moreira Bastos, a Dai – que morreu em 2012 – a mãe foi uma cabeleireira, trancista, intelectual orgânica e mobilizadora social brasileira. Uma das profissionais de beleza pioneiras na valorização da estética negra no Brasil e vanguardista ao instituir, entre as cabeleireiras étnicas do Rio de Janeiro, uma abordagem reflexiva, sensível e conscientizadora sobre a condição da mulher negra no país. “Minha mãe morreu de um câncer chamado mieloma múltiplo. Ela conviveu com esse câncer durante cinco anos, e faleceu aos 62. Partiu nova, mas viveu e realizou muita coisa. Uma mulher incrível, cheia de representatividade no movimento negro. Teve um salão afro por muitos anos, e agora no dia 6 de junho, em homenagem à ela, aos projetos que fundou, foi instituído o Dia da Trancista. A data foi oficializada tanto no município, quanto no estado. Minha mãe formou muita gente nas comunidades do Rio de Janeiro, com cursos gratuitos de cabeleireiros afro. Hoje, no mesmo sobrado na Lapa onde funcionava a ONG Espaço de Estética e Cultura Afrodai, estamos fazendo um instituto”, conta.
O ator compartilha que nas gravações da trama das 19h, enfrentou um momento desafiador, que trouxe um outro tipo de emoção para a cena. “Já foi divulgado que a personagem da Taís Araújo morre no início da novela. Então, tem a cena que faço o reconhecimento do corpo dela, e foi difícil pra mim. Primeiro, porque o set é um lugar caótico, desafiador para se concentrar em cenas de emoção. E depois, e principalmente, porque perdi minha mãe e precisei passar por isso. Mesmo ela tendo falecido em 2012, é algo que não se apaga dentro da gente, fica ali guardadinho”, divide.
“Conversei com o Adriano Mello, diretor geral, e pedi a ele pra fazer essa cena uma única vez. Nos preparamos pra isso, e rolou. Mas não foi fácil”.
Paulo exalta o legado que a mãe construiu e revela que pretende dar seguimento ao trabalho. “O salão dela, o Afrodai, funcionou por mais de 30 anos, primeiro em Copacabana, e depois foi para esse casarão na Joaquim Silva, na Lapa. Ela atendia muita gente do Movimento Negro, a Benedita da Silva, Zezé Motta, Toni Tornado, Djavan, faziam cabelo com ela. Bebi de muitas fontes, passava os dias no salão quando era pequeno. Era uma representatividade importante, em uma época em que não tinha isso na TV. Depois de um tempo de salão, ela decidiu passar seu conhecimento adiante, foi quando foi para a Lapa. Precisava de um lugar maior para fazer a escola de cabelo afro. Depois minha mãe também começou a fazer os projetos sociais. E foi muito bem nesta empreitada, tanto em quem 2008 foi reconhecida pela ONU, como uma das 40 práticas do mundo, com esse trabalho”, diz, emocionado.
“Decidi após o luto, e que a minha Jade nasceu, retomar a casa, e virou o Instituto AfroDai. Acho que posso, com outras pessoas, manter esse legado e movimentar do meu jeito também. Estamos tentando fazer do lugar um centro cultural. Hoje temos o Boteco & Gafieira Seu França lá, do Rodrigo França, tem uma loja só de empreendedores negros, pequenas marcas, que têm dificuldades de assumir um local sozinhos. E também planos de colocar um estúdio audiovisual, exposições, rodas de conversas, cursos. É o que tenho de mais concreto para deixar pra Jade. Quem foi a avó dela? Minha filha, mesmo pequena, já frequenta o lugar. Além disso, é um espaço que me dá certa autonomia. Sabemos que a vida do artista é cheia de altos e baixos, muitos de nós não têm segurança. A casa acaba sendo essa alternativa de porto seguro também. Dialogando com algo que acredito, e na tentativa de colaborar para melhorar o entorno ali da Lapa, que anda tão abandonada pelo poder público. Quero que o instituto ajude neste florescimento do lugar, chamando outras pessoas para investirem, se aproximarem”.
E finaliza: “Estou vivendo um momento que antes nem sonhava. O protagonismo via para outros colegas, nem imagina comigo, não tive esse ‘espelho’ na minha infância, adolescência. Então, ser esse cara que conquistou isso em 2022, e poder ser injeção de ânimo, autoestima para outros, me realiza. Quebrar esses esteriótipos que foram reforçados todos esse anos, poder inspirar, já me deixa em um lugar bom. Mas não quero parar aqui, quero voar mais. Desejo ter saúde para continuar sendo um agente transformador”.
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