*por Vítor Antunes
Quando Paulo Gorgulho explodiu em seu primeiro grande sucesso nacional, a novela “Pantanal“, da Manchete, a trama de Benedito Ruy Barbosa dizia que a preservação daquele naco de Brasil era necessário para que “os filhos, dos filhos, dos filhos dos nossos filhos” vissem. Trinta e quatro anos depois do peremptório sucesso da novela da Manchete, Paulo analisa aquela intensidade do sucesso com muita lucidez: “O sucesso avassalador q vivi com ‘Pantanal‘ foi transformador e o novo assusta, exatamente por ser desconhecido. Percebi que minha vida não seria a mesma como vivia até então, mas que possibilidades se abririam e eu viveria dos reflexos dessa dinâmica”. Ainda que nunca o tenha deixado, Paulo está de volta aos palcos depois de uma década com “Entre Franciscos – O Santo e o Papa“, que propõe um olhar filosófico e dialético, mas sobretudo generoso a uma humanidade adoecida. Na montagem, o Papa Francisco encontra-se com seu santo padroeiro, São Francisco de Assis. O espetáculo conta com César Mello no elenco, além de texto de Gabriel Chalita, direção de Fernando Philbert, e estreia dia 15 de março, às 19h, no Teatro Domingos Oliveira, no Planetário da Gávea.
Sob a ótica do autor da encenação, Gabriel Chalita, “o desejo de falar sobre o amor concreto, o amor como compromisso ético, o amor como um movimento em direção ao outro. São Francisco é o santo do “cuidar”. E o Papa Francisco segue essa inspiração. Sua voz em defesa dos que mais sofrem, seus gestos concretos de caridade repetem o santo que revolucionou a história”. A fala de Chalita se coaduna com a de Gorgulho. “O Papa Francisco é significativo nos tempos atuais por haver tocado em assuntos que foram feridas na Igreja Católica. Ele é o Papa num momento em que o mundo está convulsionado e que não consiste em apenas seguir os dogmas e pronto. Não. Trata-se da maior instituição religiosa do mundo e que precisa se reinventar. A peça lança um questionamento que é se o santo apareceu ou se está na cabeça do Papa”.
Além da peça, Paulo está sondado para dois longas, cuja escalação ainda não foi fechada. “mas para televisão ainda não há nada. Quanto à peça pretendemos ficar com ela por bastante tempo ainda”. Inclusive, o ator, formado pela Escola de Arte Dramática (EAD-USP), é crítico para a ascensão dos influencers que suplantam os atores profissionais. “Um ator que tem a formação que eu tenho ver que uma pessoa é escalada a interpretar um personagem só pelo número de seguidores é inconcebível”, afirma.
Além disso, o ator tem um olhar crítico para a realidade/inteligência virtual. Ela “nos traz essa realidade aumentada. Declarações e cenas são montadas, falas sincronizadas e parece que a pessoa disse aquilo que nunca disse ou é colocada num lugar em que nunca esteve. A tecnologia vai levar a um alargamento da consciência humana ou a sua extinção e isso só o tempo dirá. O mundo mudou muito em três, quatro décadas. Ou se entende e abraça ou se nega a mudança. Acho mais grave da tecnologia é que investe no atraso da evolução humana, pois vem travestida de progresso. Acho que é uma evolução externa que invisibiliza a empatia”, analisa.
Que é um mundo novo, é. Se é admirável, veremos – Paulo Gorgulho
PROFISSÃO DE FÉ
“Entre Franciscos” não é a primeira obra a contar com Paulo Gorgulho e que tangencia um tema religioso. Ele também esteve em “Carmem”, na Manchete, que tinha uma Pombagira como protagonista, e ao menos três novelas na Record com a temática evangélica. Como Paulo transita nesse universo? “Como ator, essas energias compõem o ofício. Ele nos permite isso, essa abrangência, esse leque de possibilidades e vivências. O ator deve ser o arauto do seu tempo e da experiência em sermos humanos em todas as suas facetas e possibilidades. Para mim é natural a miscigenação e o sincretismo. Me sinto privilegiado em ter trabalhado nessas obras e falar sobre o imponderável. Falar só de realidade enquanto realidade cansa um pouco, então vemos saída, através da fé, para algumas questões básicas e fundamentais do ser humano”.
Para Gorgulho, “haveria espaço para Carmem na TV aberta hoje sim. Sempre procuro acreditar no ser humano e creio que sempre haverá espaço para toda e qualquer manifestação do que é humano, mas hoje, reconheço que é algo incerto em razão da intolerância, da tentativa de homogeneização do pensamento, em que todos acham que têm razão e não há muito espaço para a divergência, para os mais variados jeitos de ser.
Se toda forma de amor vale a pena, toda forma de crença e fé vale a pena – Paulo Gorgulho
A peça “Entre Franciscos”, atual projeto de Gorgulho, permite a cada um, olhar para si mesmo, se reconhecer aperfeiçoar e lapidar. A fé é um exercício imenso. Há quem tenha fé de que não vai chover, fé na vitória do jogo da loteria… Mas nessa montagem, se eu pudesse definir em uma palavra, diria que ela fala sobre o amor”. Para Gabriel Chalita, “o teatro tem uma trama, um um enredo e uma razão para dizer uma verdade. A verdade dessa peça é que é preciso nos incomodarmos com as violências, as invisibilidades, com o desamor. Acredito na arte como iluminadora de novos comportamentos. Acredito na arte como ensinadora do respeito as diferenças. O mundo pode ser melhor. Ao menos o mundo das nossas calçadas”.
FÉ NO FUTURO
Iniciamos esta matéria falando de “Pantanal” (1990) que foi definitiva e transformadora para Paulo Gorgulho. Para o ator, um sucesso arrebatador como aquele “tem dinâmica e dialética próprias. Sucesso e fracasso não me assustam mais. O Antonio Abujamra (1932-2015) dizia que administrar o fracasso é mais fácil que administrar o sucesso. Este último cria expectativas, vaidades, e o fracasso exige o seguir em frente”.
O ofício do ator tem que ser transformador e não mantenedor. É para fazer quem te ouve ou lê pensar, sentir-se transformado e não sair de uma obra artística da mesma forma que entrou. à arte interessa o movimento, a transformação e não a manutenção – Paulo Gorgulho
Aos quase 65 anos, Paulo diz que este é o momento dos jovens atores. “O mundo é deles. Eu já consolidei consolidei minha carreira na TV, com competência para isso e são os novos atores que vão se encarregar dessa vanguarda. Ainda há espaço para trabalhar e a minha expertise nunca vai perder lugar. À nova geração, que ocupará esse espaço, torço que sejam felizes e que permitam a evolução humana”.
Pai de três filhos, o ator diz que “a paternidade me ensinou a ser uma pessoa melhor. A gente sozinho tende a achar que somos autossuficientes. Ter um filho nos mostra que a vida tem outro foco, outra função. Vejo a paternidade como uma doação. Independentemente de se há retorno, se há acerto. Não se edifica um ser humano sem se permitir. Definitivamente fui transformado ela paternidade”.
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