*Por Vitor Antunes
No Retiro dos Artistas, onde mora desde 2020, depois de interpretar um rabino na novela épica ‘Jesus’, na Record, Paulo César Pereio, um dos maiores atores do cinema nacional com 80 trabalhos no currículo, tem uma vida tranquila. O ator procurou a instituição – que acolhe grandes nomes das artes -, de própria vontade, no início da pandemia, e não por razões de ordem familiar ou financeira. Embora tenha o seu apartamento em São Paulo, destinou-se à Casa a fim de sentir-se ainda mais cuidado. Não aposentou-se. Sua moradia no Retiro é estruturada e, além disso, o ator tem acompanhamento de profissionais de saúde e possui a família presente – ele tem quatro filhos dos casamentos com a atriz Neila Tavares, mãe de Lara; depois, com Cissa Guimarães, com quem teve dois filhos – Tomás e João; e com Suzana César de Andrade, nasceu Gabriel.
O ator de voz grave – incensando também no mercado publicitário durante anos – transita entre o genial e o genioso e é sob este paradoxo que pautou sua carreira, passando por correntes artísticas importantes como o Cinema Novo, cinema marginal, pornochanchadas, e imprimindo a seus personagens traços de sua personalidade: a irreverência, a corrosiva ironia, o espírito anárquico, o deboche. Agora, aos 81 anos, faria uma continuação do primeiro filme em que atuou, “Os Fuzis” (1964). O diretor Ruy Guerra tornaria a investir no longa-metragem 58 anos após o seu lançamento seguindo uma trilogia. Com esta obra cinematográfica, Guerra fora premiado com o Urso de Prata de Berlim numa categoria extraordinária, em 1964. Em razão da pandemia o projeto está parado.
Sobre “Os Fuzis”, Pereio aponta como sendo um dos grandes filmes de sua carreira. Há nesta produção um fato inusitado: na época em que as mixagens aconteciam em separado das gravações, a voz de seu personagem não era a dele. O ator – que mais tarde faria fama justamente com a voz – não foi escolhido para dublar a si. Em seu lugar entrou Cecil Thiré (1943-2020): “Tratou-se de uma vingançazinha, houve um desentendimento entre nós…”, confidencia, sem portanto revelar o nome de quem se tratava, muito menos o contexto em que isso se deu. Prestes a cometer uma inconfidência, optou pela discrição: “Não quero enveredar pelo perigoso caminho da pequena intriga”. Por fim, foi elogioso ao trabalho do filho de Tônia Carrero (1922-2018) e sobre o trabalho, classificou: “Foi um trabalho positivo”.
A equipe do Retiro dos Artistas – presidido pelo ator Stepan Nercessian -, diz que Pereio tem uma vida discreta e que, rotineiramente, dá dicas de oratória para o staff: “Ele já aconselhou à psicóloga que falasse mais alto e que eu falasse mais baixo”, relatou-nos uma das profissionais, que destacou “embora de humor variável, Pereio é muito elegante”.
A grande quantidade de filmes sobre a prateleira de sua sala reitera a sua paixão pela Sétima Arte: “Sempre gostei muito de cinema. Nunca o abandonei”, pontua. Com efeito, o ator não deixou a cinematografia. Em decorrência do fechamento da Embrafilme, em 1990, as montagens brasileiras se escassearam, pois que a empresa – que embora de capital misto era gerida pelo Governo Federal – era a responsável pelas Leis de Incentivo à produção cinematográfica. Com a sua extinção, vários atores, com algumas exceções, como Pereio, que também emprestou sua voz para inúmeras publicidades, ficaram desempregados. “Houve uma situação, num Festival, em que seis filmes brasileiros concorriam. Eu estava nos seis”, lembra.
Ainda sobre ser um dos poucos artistas a trabalhar no cinema em um período desértico de produções, pormenorizou: “(Trata-se de) Uma coincidência histórica”. Perguntado sobre o Kikito que recebera em 1975 e sobre a premiação que o filme de Ruy Guerra recebera, o ator pareceu não seduzido à exaltação egoica que uma estátua dourada costuma trazer: “Isso aí é algo totalmente apartado da minha vivência. Os prêmios que ganhei não são algo aos quais eu me refira com muita importância. E esta não é uma temática a qual eu queira abordar”.
Um dos papéis mais relevantes da carreira do ator, vivido em “Lucio Flavio, o passageiro da agonia”, chamava-se Dr. Moretti e era inspirado na biografia de Mariel Mariscott (1940-1981), policial envolvido com grupos de extermínio nos anos 1970. Por mais que fosse uma ficção inspirada em fatos reais, o militar não gostou de ver-se “representado” na fita através do personagem vivido por Paulo Cesar: “É complicado mexer neste vespeiro. Dependendo dor resultado do filme, pode-se até condenar uma pessoa. Então tomamos muito cuidado com relação a isso”, disse Pereio, explicando que os personagens da película deveriam ser o mais distanciado possível das personalidades aos quais o roteirista José Louzeiro (1932-2017) e o diretor Hector Babenco (1946-2016) referenciavam-se.
E lembrar que a trajetória do ator Paulo César Pereio começou quando um grupo de jovens gaúchos resolveu criar um espaço onde pudessem fazer seus textos e um teatro a seu jeito, com peças engajadas e potentes. Numa época em que Porto Alegre não tinha muitos teatros nasceu o Teatro de Equipe, que tem em Pereio um de seus fundadores, junto a Linneu Dias (1927-2002), Mário de Almeida (1931-2022), Luiz Carlos Maciel (1938-2017) e Lílian Lemmertz (1937-1986).
Assumidamente “não muito sociável”, o artista já descreveu a si da seguinte maneira: “num set de filmagem pode haver três problemas: crianças, animais e Pereio”. Trata-se de um homem de extremos, que alterna seu comportamento. Que varia do Teatro que fundara em Porto Alegre – cuja lotação era de 120 lugares – à sétima maior bilheteria do cinema nacional, em “A Dama do Lotação”, filme que teve quase sete milhões de espectadores e contou com Sonia Braga no elenco. Pereio voltaria a trabalhar com Sonia em
“Eu te Amo”, lançado em 1981. O longa foi o vencedor do Kikito de Melhor Atriz para a sua protagonista feminina e do APCA de Melhor Direção, feita por Arnaldo Jabor (1940-2022).
Sobre o filme, o cineasta classificou a sua gravação como sendo “uma psicanálise coletiva”, no que Pereio, hoje, se opõe: “Acho que comparar o cinema com a psicanálise é uma coisa meio babaca”, dispara.
O ator acumulou vários adjetivos durante sua carreira. Para além dos prêmios, dos títulos e dos adjetivos, talvez o que mais o defina seja um substantivo: artista.
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