Paula Cohen vive papel que foi de Nathalia Thimberg em ‘Elas por elas’ e analisa a crueldade do etarismo na sociedade


“O mundo está ficando mais velho do que jovem. Quero ver protagonistas de 70, 80 anos na TV. Interessam histórias de todas as idades, cada vez mais. Restringir a dramaturgia à juventude é reduzir a nossa capacidade de contar histórias e de nos ver representados”, comenta a atriz que está em ‘Elas por Elas’, na Globo, como a misteriosa enfermeira Miriam. Com quase 30 anos de carreira, ela celebra o fato do folhetim assinado por Thereza Falcão e Alessandro Marson ter das sete protagonistas, seis acima dos 40 anos, e aprofunda a discussão sobre o preconceito com a idade nas criações televisivas, apontando para uma transição de narrativas. “A maturidade ou a velhice de hoje são diferentes de anos atrás e é importante lançar luz sobre essas questões, nos enriquece como sociedade. As histórias têm que ser contadas de maneira real. Hoje não posso falar de uma mulher de 70 anos e restringi-la ao clichê da vovó. Com todo respeito às avós. Ela também pode ser avó, mas talvez não seja só isso que a defina, tem uma vida ativa, se relaciona, viaja, produz. Assim vamos estar realmente espelhando a sociedade e construindo narrativas mais coerentes com os tempos”

*Por Brunna Condini

Temos visto Paula Cohen de volta à TV na pele de Miriam, a misteriosa personagem que na versão original de ‘Elas por Elas‘, aquela de 1982, teve como intérprete Nathália Timberg. O sarrafo é alto, coisa que também é estímulo para que a atriz dê o seu melhor na composição da enfermeira responsável por trocar o filho de Helena (Isabel Teixeira) e Jonas (Mateus Solano) por outro bebê na maternidade. Aos 49 anos e tendo começado a carreira aos 23, Paula também exalta o fato de estar em uma novela em que das sete protagonistas, seis já passaram dos 40 anos: Lara (Deborah Secco, aos 44 anos); Helena (Isabel Teixeira, aos 50); Adriana (Thalita Carauta, aos 41); Renée (Maria Clara Spinelli, aos 48); Natália (Mariana Santos, aos 47); e Carol (Karine Teles, aos 45). A exceção, é Késia Estácio (Tais) que está quase lá (39). E reconhece que isso aponta para narrativas com menos etarismo na TV e com maior valorização da experiência no audiovisual. “É fundamental que isso aconteça!”, diz ela, que antes da trama das seis, esteve na emissora em ‘Nos Tempos do Imperador‘ (2021).

A artista também comenta sobre o retorno à telinha vivendo um personagem de destaque. “Fiz muitos papéis no teatro e no cinema antes de chegar na televisão. A minha primeira novela na TV Globo foi aos 40 anos, de lá para cá, foram três novelas e três séries na casa”. E sublinha:

O mundo está ficando mais velho do que jovem. Quero ver protagonistas de 70, 80 anos na TV. Interessam histórias de todas as idades, cada vez mais. Restringir a dramaturgia à juventude é reduzir a nossa capacidade de contar histórias e de nos ver representados –  Paula Cohen

Paula Cohen faz personagem que foi da Nathalia Thimberg em ‘Elas por Elas’, novela tem trazido nomes mais maduros para papéis importantes na dramaturgia (Foto: Helton Nóbrega)

Paula Cohen faz personagem que foi da Nathalia Thimberg em ‘Elas por Elas’, novela tem trazido nomes mais maduros para papéis importantes na dramaturgia (Foto: Helton Nóbrega)

A nosso pedido, Paula aprofunda a discussão sobre o etarismo no audiovisual, que de forma geral, atinge ainda mais as mulheres. De tempos recentes para cá, mulheres maduras vem ganhando mais espaço em muitas áreas, como a publicidade e a moda, por exemplo, meios historicamente preconceituosos, em um movimento impulsionado pelas discussões de gênero, por uma questão de longevidade e por uma demanda crescente, afinal, as pessoas desejam se ver representadas em todas as idades. Acredita que esse movimento vai pressionar o ambiente de criação na TV para que cada vez mais se tenham tramas interessantes, relevantes, também com personagens mais velhos, rumando para uma transição de narrativas? “Sim e é urgente que assim seja. Existem muitos assuntos para serem tratados a cada ciclo da vida. A maturidade ou a velhice de hoje são diferentes de anos atrás e é importante lançar luz sobre essas questões, nos enriquece como sociedade. As histórias têm que ser contadas de maneira real”.

Hoje não posso falar de uma mulher de 70 anos e restringi-la ao clichê da vovó. Com todo respeito às avós. Ela também pode ser avó, mas talvez não seja só isso que a defina, tem uma vida ativa, se relaciona, viaja, produz. Assim vamos estar realmente espelhando a sociedade e construindo narrativas mais coerentes com os tempos – Paula Cohen

"Quero ver protagonistas de 70, 80 anos. Interessam histórias de todas as idades, cada vez mais" (Foto: Helton Nóbrega)

“Quero ver protagonistas de 70, 80 anos. Interessam histórias de todas as idades, cada vez mais” (Foto: Helton Nóbrega)

E conclui: “Não me recordo agora de ter vivido um fato específico sobre esse tipo de preconceito, lembrando que, muitas vezes, essas coisas acontecem de forma velada. Mas deve ter ocorrido. O etarismo é um debate que toda a sociedade enfrenta, ainda mais quando somos mulheres. Mas estou contente de viver este momento em que estamos evidenciando certos temas, e que questões importantes como essa estão sendo debatidas e aos poucos transformadas”.

Sobre maturidade e envelhecimento, a atriz que completa 50 anos em abril do ano que vem, discorre. “Acho uma fase incrível, mas isso não nega que tenham também questões, como em todos os ciclos. É um momento bom no sentido que a maturidade acompanha confiança e liberdade, pois de certa maneira nos emancipamos de uma série de julgamentos e opiniões. De qualquer forma, é inevitável deparar-se com as transformações físicas e a consciência da finitude passa a ser mais presente. Isso é, por vezes, duro, mas ao mesmo tempo lindo, pois é a vida acontecendo no seu ciclo natural”, observa.

"O etarismo é um debate que toda a sociedade enfrenta, ainda mais quando somos mulheres" (Foto: Helton Nóbrega)

“O etarismo é um debate que toda a sociedade enfrenta, ainda mais quando somos mulheres” (Foto: Helton Nóbrega)

A mesma novela, mas diferente

Em ‘Elas por Elas‘, Paula faz a mesma personagem de Nathália Timberg, separadas pelo tempo, contexto e autores, já que a trama assinada por Thereza Falcão e Alessandro Marson, é um remake atual. “Vejo como uma releitura da obra do Cassiano Gabus Mendes (1929-1993). Eram outros tempos, outras questões e outra linguagem. Tenho essa novela no meu imaginário de infância e assisti algumas partes no Globoplay antes de fazer esta nova versão. A Nathalia para mim é uma das maiores atrizes que temos mundialmente falando. A personagem que na trama de 1982 chamava-se Eva, era realizada por ela de maneira magistral, uma mulher em estado de  suspensão, misteriosa, altiva, um elemento ameaçador de fora da casa que desestruturava, evidenciava a vulnerabilidade daquela família. Acredito que Miriam também evidência essa vulnerabilidade, desestabiliza, mas Miriam tem uma trama distinta. A relação com Danilo, por exemplo, o fato de ter sido vítima de um feminicídio. Ela foi enterrada viva e sobreviveu a isso”, esclarece sobre as camadas da personagem, que sabe sobre o segredo que Sérgio (Marcos Caruso) esconde e reaparece para chantageá-lo.

Marcos Caruso e Paula Cohen em cena de 'Elas por Elas' (Reprodução/ TV Globo)

Marcos Caruso e Paula Cohen em cena de ‘Elas por Elas’ (Reprodução/ TV Globo)

“Além das questões iniciais que envolvem a troca de bebê, a personagem atravessa outros mares na trama. Ainda vai ter muita surpresa pelo caminho. Acredito que a Miriam, além dos mistérios que fazem parte da narrativa original, traz outras questões e se utiliza de várias máscaras sociais para conseguir o que deseja, nas duas versões, e isso sim, acredito que está evidenciado na construção das duas atrizes, na minha e da Nathalia. Tanto Eva quanto Miriam na essência são altamente manipuladoras’, completa.

Uma história latina americana

Filha de uruguaios e nascida no Brasil, a atriz, também formada em jornalismo, conta sua história. “Meu pais vieram para o Brasil comigo dentro da barriga da minha mãe. Somos uma família de imigrantes que nos estabelecemos aqui no Brasil”. E continua:

Vivemos uma fatalidade terrível, o meu pai faleceu muito cedo, quando eu tinha 12 anos. Era um momento que poderíamos ter voltado para o Uruguai, mas mamãe decidiu ficar aqui, ela diz que muito por mim, que disse me sentir Brasileira e querer ficar – Paula Cohen

“Então mamãe, Carlitos, meu irmão, e eu ficamos. Embora meu irmão sempre, a partir dos 17 anos tenha morado fora, em diversos países, e depois ficou indo e voltando, até se estabelecer de uma vez na Espanha, que é onde ele mora até hoje. Eu era bailarina desde sempre e aos 16 anos experimentei o Teatro, aí foi paixão avassaladora. Aos 19 entrei na na Escola de Arte Dramática (EAD/ USP) e desde aquele dia soube que era a arte o caminho da minha vida. Nunca mais parei a partir daí”.

Amor e trabalho

Ela também estará no teatro em ‘Finlândia’ com seu marido, o também ator Jiddu Pinheiro, espetáculo previsto para estrear em junho de 2024. “Nós já tínhamos feito uma peça juntos há muitos anos. Na época, éramos só amigos, depois de estarmos casados vai ser a primeira. A experiência de produção e execução de uma peça é sempre bem intensa e profunda, mexe com questões, uma aventura artística nos transforma e traz à tona muitas emoções, creio que vivenciaremos tudo isso com muito prazer. Há quatro anos buscávamos o que fazer juntos no teatro, e achamos esse texto inédito no Brasil e super contemporâneo, que estreou na Espanha em 2023 e aborda temas relevantes e pertinentes. Acho que vai fortalecer a nossa parceria e trazer ao debate questões boas para serem refletidas”.

Paula Cohen e o marido Jiddu Pinheiro estarão juntos em cena no espetáculo 'Finlãndia' (Foto: Helton Nóbrega)

Paula Cohen e o marido Jiddu Pinheiro estarão juntos em cena no espetáculo ‘Finlãndia’ (Foto: Helton Nóbrega)

Juntos há cinco anos, Paula fala sobre a relação. “Sempre nos admiramos, mas cada um tinha suas relações e nunca calhou de estarmos solteiros na mesma época, ou estávamos, mas não aconteceu o encontro nesse lugar, não era a hora certa talvez. Um belo dia esse olhar mudou e algo despertou com mais força nesse sentido do romance. Numa noite de festa no seu espaço cultural, chamado Barco, ele me perguntou em espanhol se gostaria de tomar um vinho e falar sobre poesia latino-americana um dia com ele, pirei! Jiddu morou na Argentina durante um ano quando era jovem, então tem também como eu uma formação poética, musical e literária de lá. Para mim é muito rico isso, poder trocar com alguém referências latinas que estão na base da minha formação é algo incrível. Temos muito por fazer em descobrir coisas juntos. Queremos viajar e criar muito juntos”.

Eu e Jiddu não temos filhos de carne e osso, mas em 2024 estrearemos o nosso primeiro filho artístico – Paula Cohen