Paula Braun: “Tive depressão, ansiedade. Se não fossem Mateus e as crianças, eu acho que teria afundado”


Atriz, que estreia na direção com o documentário “Ioiô de Iaiá”, focado na relação de sete casais juntos há cerca de 50 anos, fala do casamento com Mateus Solano, dos momentos difíceis durante o distanciamento social e das barreiras quebradas para fazer o longa-metragem. “Quando ia apresentar o projeto, ouvia que era a mulher do ator ou coisas como ‘mas você é atriz, é a bunda de ‘O cheiro do ralo’, vai dirigir?’. Passei por tudo isso e segui”, lembra ela. E mais: uma das preocupações da atriz é manter a coerência. “Não adianta postar que o corpo da mulher é livre e bonito de qualquer forma se você for uma mulher branca dentro do padrão de magreza e beleza com horário marcado na dermato para congelar gordura que não existe. Vai ser só mais uma foto quase opressora”, observa

*Por Simone Gondim

Após quase três décadas de uma carreira consolidada como atriz, Paula Braun decidiu alçar novo voo: virar cineasta. Na estreia, ela assina a direção e o roteiro de “Ioiô de Iaiá”, documentário focado na relação de sete casais que estão juntos há cerca de 50 anos. Casada desde 2008 com o também ator Mateus Solano, a artista, acostumada a lidar com o julgamento alheio e as cobranças de uma sociedade machista, precisou driblar o preconceito na hora de pedir apoio para o filme. “Quando ia apresentar o projeto, ouvia que era a mulher do ator ou coisas como ‘mas você é atriz, é a bunda de ‘O cheiro do ralo’, vai dirigir?’. Passei por tudo isso e segui”, lembra.

O longa-metragem demorou a sair – planejado em 2011 e filmado em 2014, só chegou às telas em 2020, abrindo a competição do Cine PE, o Festival do Recife, em sua 24ª edição. Paula acabou desistindo de conseguir patrocínio e encarou as dificuldades de uma produção de baixíssimo orçamento. “Vieram os gastos da pós e dos direitos autorais, que eu acho importante serem pagos, mas me cobraram a mesma quantia que uma grande produtora. Foram anos negociando, vendo o que entrava e saía do filme por causa do custo”, conta. “Filmei grávida, tive filho, parei, segui quando deu. Tive uma equipe linda de mulheres incríveis que me deram a mão e força em muitos momentos, além do carinho de pessoas que me abriram a casa e as histórias de uma forma tão bonita e generosa que aquilo ficou comigo durante todo o processo e todas as dificuldades que enfrentei. É uma vitória estrear, ainda mais agora”, acrescenta.

“É uma vitória estrear, ainda mais agora”, diz Paula Braun sobre o filme “Ioiô de Iaiá”, sua primeira experiência na direção (Foto: Divulgação)

Em meio ao turbilhão de 2020, a artista, como a maioria dos profissionais da área cultural, teve projetos paralisados, como uma peça de teatro. “A estreia do ‘Ioiô de Iaiá’ foi o que mais mexeu comigo. Todo o planejamento de vendas, divulgação, tudo parou. Em determinado momento eu já não sabia o que fazer, como prosseguir”, recorda. “Acredito que um novo caminho de produção e exibição de filmes está sendo tateado. Para o teatro também. Tem uma coisa que o isolamento trouxe e acho que mesmo com vacina vai continuar acontecendo: mostrar o trabalho online. A gente perde muito? Com certeza. Mas também fica muito mais democrático. E isso é bom. Tem que achar ainda qual a medida de cada coisa”, especula.

A superação também está presente fora das telas. Em um ano de distanciamento social por causa da pandemia de Covid-19, Paula admite que não foi fácil, mesmo tendo a companhia do marido e dos filhos, Flora e Benjamin. “Ficamos muito mais do que 24 horas juntos, foram meses. Eu saí algumas vezes para o mercado, só. Até voltar a encontrar com um ou outro amigo ou trabalhar presencialmente, demorou. Se não fossem Mateus e as crianças eu acho que teria afundado, porque foi bem difícil para mim. Eu digo que me salvaram, nos salvamos”, confessa. “Cozinhei, dancei na cozinha, bebi meu vinho, testei receitas. Tive depressão, ansiedade e algumas crises também. Tudo com eles e minha mãe, que esteve junto. Tiveram momentos lindos e outros de desabar. Um segurou o outro. Nunca vou esquecer. Aqui os laços ficaram mais fortes, com certeza”, completa.

“Mais do que as histórias contadas, gosto muito das entrelinhas”, diz Paula sobre seu filme (Foto: Reprodução Instagram)

O casamento com Mateus Solano, aliás, segue ótimo. Os dois costumam trocar declarações em público, especialmente nas redes sociais, e Paula deixa claro que o ciúme é algo que não cabe após 12 anos juntos. “Com o tempo, a gente entende que o ciúme nada mais é que uma forma de controle, e geralmente esse controle vem do homem, daquela herança patriarcal que ‘a mulher é minha’. Quando vem da mulher, é recheado de insegurança. Veja bem, não estou dizendo que é uma regra geral, mas acho que quando a gente passa a entender a história das relações e do peso que tiveram ao longo dos anos, principalmente para as mulheres, o ciúme passa a dar preguiça”, afirma a atriz.

Os laços fortes também marcam os casais entrevistados em “Ioiô de Iaiá”. O filme proporciona uma reflexão sobre a passagem do tempo e trata da velhice, tema que encanta a atriz, roteirista e cineasta. “Mais do que as histórias contadas, gosto muito das entrelinhas, os pequenos momentos. Amo quando a dona Maria mostra o enfeite do bolo da comemoração de 70 anos, o seu José capina a roça aos 98… Adoro quando a Jacira se solta cantando a música do Jorge Ben sozinha na sala e quando o Ubaldo começa a cantar, do nada, uma música na praça”, diz Paula.

Paula Braun e Mateus Solano: amor e cumplicidade (Foto: Reprodução Instagram)

A sensibilidade de Paula ajuda a dar o tom do documentário. “Amo a espontaneidade da Raquel, o sorriso. Ela é uma rainha. Ainda tem a inteligência da Maria Helena, que mulher, como inspirou o marido e como seguiram. Ester e Fátima, o jeito que falam sobre as coisas sem filtro e o momento de passar a receita da mousse para a filha, é das coisas que mais amo. Acho que é um filme para ser mais observado do que escutado. A vida é tão complexa que o pequeno se torna bonito demais”, ressalta.

Quando se trata de amor, a diretora prefere recorrer a uma das entrevistadas no longa-metragem para dizer algo a quem sonha com um final feliz. “A gente nunca sabe quanto tempo vai ficar junto. O ideal, para mim, é viver um dia de cada vez. Maria Helena, personagem do filme, me disse uma coisa muito bonita sobre relacionamentos duradouros: amar não é olhar só um para o outro, é olhar juntos na mesma direção”, argumenta.

O fascínio de Paula pela velhice vai na contramão de uma sociedade que supervaloriza a juventude e exige, especialmente das mulheres, que não mostrem sinais da passagem do tempo. “Existe um limbo para atrizes da minha idade sem retoques. Na faixa dos 35 – 45 anos, você não faz mais a mocinha, mas também não faz a mãe. Durante muito tempo, isso foi o que a gente tinha sendo mulher e atriz. Para ajudar a mudar esse quadro e também para trabalhar, saí do lugar de atriz e passei a escrever, dirigir. Vejo vários colegas fazendo isso”, explica.

Sobre a quarentena: “Tive depressão, ansiedade e algumas crises também”, revela Paula Braun (Foto: Divulgação)

Paula já perdeu a conta das ocasiões em que precisou lidar com o preconceito de quem esperava que uma atriz e “mulher de um famoso” seguisse um determinado modelo. “Ao me compararem com Mateus já ouvi de tudo. Tanto em comentários na internet quanto na imprensa. Desde que eu era velha e não era famosa até coisas bem pesadas que não valem a pena serem mencionadas”, descreve. Não foram poucas as vezes em que ela fez testes para papéis e, mesmo com retornos positivos como “você foi muito bem”, “a personagem é você”, “seu teste foi excelente”, “é você, reserva as datas”, no fim a escolha foi a de uma celebridade que se encaixava nos padrões impostos.

A liberdade de exibir o próprio corpo sem retoques digitais fez Paula Braun virar assunto em 2019, depois que ela publicou em uma rede social uma foto de biquíni em uma praia da Bahia. “Demorei meses para postar aquela foto. Meses. Porque sempre fui muito criticada e algumas vezes me abalei, machucou. Hoje, não mais. Mas sabe o que aconteceu quando postei? Muitas mulheres agradecendo e dizendo como era bom ver e ler aquilo, muita gente se identificando. É muito libertador aprender que não precisamos agradar ninguém”, revela.

“É muito libertador aprender que não precisamos agradar ninguém”, afirma Paula (Foto: Reprodução Instagram)

Uma das preocupações da atriz é manter a coerência. “Não adianta postar que o corpo da mulher é livre e bonito de qualquer forma se você for uma mulher branca dentro do padrão de magreza e beleza com horário marcado na dermato para congelar gordura que não existe”, observa. “Vai ser só mais uma foto quase opressora, porém com a legenda ‘correta’. Não sou uma mulher de beleza plus size, mas também não sou uma mulher de beleza publicitária padrão. Tenho dobrinhas reais, peito grande, barriga flácida… Não sou diva, então por que essa tem que ser a minha imagem? Algumas vezes emagreço, outras vezes engordo e tudo bem. Tenho saúde”, completa.

Dar o merecido espaço para as mulheres é outro cuidado da artista. “Minhas peças, meu filme, o livro que vai vir, todos têm lugar de destaque para mulheres. E isso não pode ser considerado uma tendência, isso é regra, sempre estivemos aqui, sempre tivemos questões mais profundas e ricas do que correr atrás de homem ou disputá-lo com outra personagem. Então, por que sempre fomos retratadas assim?”, questiona. “Se falarmos na mulher negra o quadro piora! Quantos negros estão nos elencos de filmes e séries produzidos aqui no país? Eles são mais da metade da nossa população, natural seria se fosse assim também em cargos e elenco. Mas não é. Vamos mudar isso! Mas precisamos sair do discurso e partir para a ação”, enfatiza.

(Foto: Divulgação)

A mudança começa em casa. Como mãe de um menino e uma menina, Paula procura fazer a sua parte para que os filhos contribuam com um mundo menos preconceituoso. “Eu me preocupo muito mais em ensinar ao meu filho a parar quando escuta um não, a entender que a responsabilidade dele sobre as coisas é igual a dela, salvo a diferença de idade, do que interferir na liberdade da minha filha. E faço questão de dizer a ela que pode fazer e ser o que quiser, é livre e poderosa”, garante. “É óbvio que também digo que tem muita maldade no mundo, a gente passa a abrir a janela quando permite o acesso às redes sociais e internet. Sempre quis adiar ao máximo esse momento, mas achei importante ela se comunicar com as amigas, estava muito só na pandemia. Flora tem 10 anos. Essa nova abertura na vida dela rendeu longas conversas sobre a maldade humana e sobre ela ser menina em um mundo muito legal e cheio de informação, que é a internet, mas também cheio de cantos escuros, sombrios e gente má. É muito importante supervisionar e alertar”, ensina.

Por falar em futuro, Paula já pensa em seus próximos passos profissionais. “Tenho uma peça que escrevi montada em Portugal e um outro texto meu, sobre maternidade, sendo montado aqui, comigo e Flávia Tápias. Um projeto que tem me dado muito orgulho porque mistura documentário com dança e teatro. Criamos e ensaiamos remotamente, mas depois de agosto incluímos encontros presenciais”, adianta.

Família, fonte de amor e apoio para Paula (Foto: Reprodução Instagram)

Mas as novidades não se restringem ao palco. “No cinema, além do lançamento do ‘Ioiô de Iaiá’, tenho um filme pra estrear como atriz, chamado ‘Do outro lado da lua’. E meu próximo longa como diretora vai ser uma ficção que comecei a escrever há dez anos, no curso de roteiro da escola Darcy Ribeiro, e deixei na gaveta. Tirei há uns três anos, entrou no Laboratório Varilux de Roteiro e trabalhei nele. No ano passado, andei com o projeto embaixo do braço em Cannes para fechar parcerias internacionais, já que aqui o mercado está difícil. Agora tudo parou, mas ele vem, sim. Ano que vem dou um mergulho nele”, promete.

Em relação à crise na cultura que o Brasil atravessa, Paula procura ser otimista, apesar da tristeza. “Mexe muito comigo e me deixa arrasada, dá vontade de sumir e desistir de tudo. Fico ansiosa, triste, deprimida”, lamenta. “Depois, lembro da história do mundo, da história do Brasil e da nossa resiliência. A gente recupera, sim. Pode demorar, mas a gente recupera. E a história desse período torto quem vai escrever somos nós, artistas, jornalistas, cientistas, cineastas e a periferia. Os lugares de criação. Vai passar”, torce.