Patrícia França apoia remakes, relembra estafa em ano de sucesso e desabafa: “Gostaria muito de voltar à TV”


A atriz da primeira versão de “Renascer” e de “Malhação” expressa seu desejo de retornar à televisão, mesmo enquanto se dedica ao teatro e ao cinema. Ela valoriza a escolha de papéis que realmente lhe interessem, recusando aqueles que não a satisfazem. “Quero fazer aquilo que me apeteça, independente do tamanho do papel”. Atualmente, trabalha na montagem teatral “O Brasil que a Chiquinha Gonzaga não Viu” e no filme “Princesa Adormecida”. Patrícia também refletiu sobre a pressão que enfrentou no audiovisual e compartilhou sua experiência com a saúde mental na indústria. “Senti ser engolida pela indústria, pela máquina”. Ela critica a importância excessiva das redes sociais para medir talento e destaca a relevância do teatro na formação de atores

*por Vítor Antunes

A música de abertura da série Tereza Batista, que marcou a estreia de Patrícia França na televisão, dizia: “Para saber de Tereza, meu bem, pergunte primeiro a mim. Tudo que sei de Tereza, meu bem, conto tim-tim por tim-tim”. A canção de Dorival Caymmi (1914-2008) traz a alma da personagem de Jorge Amado (1912-2001). Nesta entrevista, a própria atriz revela sua alma, além da vontade de voltar à televisão – ainda que tenha projetos no teatro e um longa-metragem em pré-estreia: “Princesa Adormecida”, baseado na obra de Paula Pimenta, sucesso entre os adolescentes. “Gostaria muito de voltar a fazer televisão, sim. Eu quero, mas quero fazer aquilo que me apeteça, independente do tamanho do papel. Já fui chamada para fazer um papel imenso numa novela e recusei por não ser aquilo que eu queria contar. Não queria falar sobre aquela história”. Além da ânsia pelo retorno, ela fala um pouco sobre seu mais novo projeto teatral, a montagem O Brasil que a Chiquinha Gonzaga não Viu, que está em produção.

Renascer, atual trama das 21h, é o remake de uma obra icônica de 1993 – isso não há quem não diga. O grande sucesso da trama original, na qual Patrícia França interpretou Maria Santa, também se verteu numa grande cobrança à menina que daria vida à personagem na releitura da novela, quando de sua estreia no início deste ano. E, tal como França, Duda Santos foi abraçada, não só pelo público mas pela própria Patrícia. “Mandei um recado dizendo que sabia que ela tinha me procurado e que eu estaria à disposição, gravei um vídeo para o programa da Patrícia Poeta. Conversamos e foi uma conversa muito muito bacana”.

“Eu acho o maior barato remake, acho um show. Acredito que tem que ter remake para que essa geração nova veja essas pérolas. Francamente, eu fiz parte da história da TV com esses trabalhos” – Patrícia França

Em razão do sucesso de “Renascer” e de “Tereza Batista”, Patrícia foi chamada a fazer “Sonho Meu”, que protagonizava ao lado de Leonardo Vieira e Fábio Assunção, e que em paralelo fazia uma peça. Naturalmente isso se reverteu em uma estafa. Algo que se discute mais atualmente. “Mais se fala sobre a saúde mental do artista. Na época, disseram que era depressão, mas foi apenas cansaço mesmo. E hoje, olhando com um distanciamento, o sucesso não me deu medo, mas sim, sentir-me engolida pela indústria, pela máquina. No ano de 1993 tudo aconteceu”.

Patrícia França de volta aos palcos e ao cinema (Foto: Priscila Nicheli)

EVOCAÇÃO DO RECIFE

“Tudo lá parecia impregnado de eternidade. Recife… (…). Recife bom, Recife brasileiro”. Tal como Manuel Bandeira, o frevo e a Rua da Saudade, Patrícia França vem da cidade que se orgulha de ser a Veneza dos trópicos, ainda que tenha sangue holandês (e preto, e indígena). Mas por anos, o sotaque aceito era apenas o de cariocas e paulistas. Por vezes, o de baianos. Afinal, cria-se, de forma velada, que o “Brasil acabava na Bahia”. É o que Patrícia aponta. “Hoje é bonito falar com sotaque, mas eu mesma fui desenvolvendo o suavizar o sotaque. Eu via o Jornal Nacional, via as atrizes de novela falando. E fui tentando me adequar. Eu hoje tenho esse entendimento. O nordestino é muito diferente e hoje com a globalização [há uma tolerância], mas eu vim antes da globalização então ainda havia muito preconceito com sotaque”.

Patrícia conta que quando foi fazer “Tereza Batista” tinha liberdade para falar com o acento nordestino, ainda que ela fosse baiana, assim como Santinha de “Renascer”. A trama seguinte, “Sonho Meu”, era a vez de dar vida a uma curitibana. Somente quando foi fazer teatro com o diretor Ulisses Cruz, ele assumiu que cada ator era de uma região e, por isso, cada personagem tinha um sotaque.

Marcello Antony e Patrícia França em “Salsa e Merengue” (Foto: Divulgação/Globo)

Sobre bons personagens, além dos que já foram falados, Patrícia destaca a Madalena, protagonista de “Salsa e Merengue” . “O Miguel Falabella escreve maravilhosamente, é diferente, tem uma carpintaria incrível e eu adorei fazer a novela. Foi uma experiência maravilhosa, dentro da pegada pop e sofisticada dele”. Outro trabalho que destaca é “Malhação”, na qual foi a protagonista madura. Mas das novelas que esteve à frente, uma é um destaque negativo. “‘Suave Veneno foi um desacerto”. No início do mês passado a trama de Aguinaldo Silva entrou no catálogo da Globoplay e até mesmo seu autor lamenta a realização.

Eu entendi que eu quero ser feliz na minha profissão. Às vezes ,a gente faz o que gosta, mas nem sempre se faz o que se gosta com alegria. Às vezes, você faz um trabalho porque precisa sobreviver, mas sabendo que ele não vai te deixar feliz. Além de tudo, em televisão há de se considerar que chega um ponto em que não se é mais a protagonista, mas a mãe da protagonista, o que é natural. E significa que não morri e que não sou de plástico” – Patrícia França

Patrícia França e Glória Pires, as protagonistas “virtuais” de “Suave Veneno”. Elas e o autor não t~em boas lembranças da trama (Foto: Nelson di Rago/Globo)

QUANTO AO TEMPO

Num tempo em que os atores são medidos pela quantidade de seguidores, Patrícia usa o Osmar Prado – companheiro de cena na primeira versão de “Renascer” para mostrar o quanto a internet e a rede social são desimportantes para medir talento. “Ele não está hoje fazendo sucesso na televisão e ninguém tá preocupado quantos números de seguidores ele tem. O talento dele vem à frente, porque Osmar é um grande ator. Quanto a mim, minha filha sabe quantos números de seguidores eu tenho. Eu não sei. Talvez eu devesse saber, mas eu tenho uma resistência”. Patrícia, no tempo em que ficou fora das telas, dizia-se que ela estava dedicando-se à carreira de empresária, o que ela nega. “Eu sou atriz. Não tenho outra profissão. Quando não estou atuando, estou fazendo minhas aulas de canto, ou estou com os meus filhos. Não sou empresária. Pretendo ser um dia. Esse é um projeto de vida”.

“Hoje há grandes atrizes que só fazem televisão, acho ótimo, mas tem gente que acontece e depois desaparece. Então esse era o meu medo. O sucesso é efêmero e a escola do ator é o teatro” – Patrícia França

Tão longeva quanto o sucesso de Patrícia França, é Chiquinha Gonzaga, a quem ela dará vida às músicas, no teatro, em breve. “Chiquinha morreu com 100 anos. Nessa montagem, vou cantar as músicas de Chiquinha e costurar o espetáculo com suas canções”. Chiquinha abriu o coração em uma época de repressão à mulher, com a mesma transparência que Patrícia se entrega à sua arte. “Transparência para mim é uma coisa fundamental. É importante falar sem ter amarras”, afirma ela. Não é a Patrícia da Veneza americana, da Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais. Não é a Patrícia do Recife dos Mascates. Mas a menina artista, do Beberibe, que fala.

Patrícia França (Foto: Priscila Nicheli)