Para além da estreia de ‘A Pequena Sereia’ – de seres mitológicos às telas: o que sereias da ficção nos ensinam?


O remake live-action da animação clássica de 1989, ‘A Pequena Sereia’, filme da Disney estrelado por Halle Bailey trouxe depois de 30 anos do desenho animado, uma Ariel negra, símbolo de representatividade e esperança. Aqui, ‘mergulhamos’ em águas mitológicas para recordar personagens e produções que trazem a personagem para o universo pop interpretadas por Isis Valverde, Ingra Liberato, Daryl Hanna, Jessica Córes. Um convite ao encanto, vem!

*Por Brunna Condini

A Pequena Sereia‘, filme da Disney que estreou na quinta-feira (dia 25), trazendo depois de 30 anos do desenho animado, um remake live-action da animação clássica de 1989 com uma Ariel negra, vivida pela atriz Halle Bailey… é representatividade que inspira! A história de amor de uma sereia que se transforma em humana para viver um relacionamento com um príncipe trouxe também novos diálogos, atualizados para os tempos em que a representatividade se impõe — e provoca reflexão e mudanças na vida real e na ficção. É sobre pertencimento, como bem diz a música tema do longa, que aposta na identificação do público infantil. “Quando vi os vídeos com as reações das crianças, chorei. Fiquei muito emocionada porque me lembrei da garotinha que eu era, e se eu visse uma sereia negra quando era mais nova, isso teria mudado toda a minha perspectiva de vida”, conta Halle, em entrevista ao ‘Fantástico’.

Não é de hoje que a ficção se inspira nestas figuras mitológicas, que estão em nosso imaginário com seu canto sedutor, seus mistérios e suas histórias, seja na literatura, em novelas, séries ou filmes. Mas o que as sereias das histórias no ensinam? Vem descobrir!

O remake do filme 'A Pequena Sereia' (Divulgação/Disney)

O remake do filme ‘A Pequena Sereia’ (Divulgação/Disney)

Antes de qualquer coisa, vamos à bombada história de ‘A Pequena Sereia‘ e seu original, que não tem a leveza da Disney. O original do escritor dinamarquês de Hans Christian Andersen é um tanto sombrio e segue o viés educativo da época. A história se passa no mar nórdico, e uma pequena sereia, apaixonada por um homem mortal, recorre a uma bruxa para que possa assumir uma forma humana e assim se aproximar de seu amado. No processo acaba abrindo mão da sua imortalidade e perdendo a capacidade de falar. Para que o encantamento se tornasse permanente, ela deveria conquistar o amor de seu escolhido; caso contrário, se transformaria em espuma do mar. Mas a sereia falha em seu propósito, e comovidas com a situação, as suas irmãs fazem um trato com a bruxa do mar. Em troca de suas belas cabeleiras, a bruxa dá a elas um punhal, com o qual a pequena sereia deveria matar o seu amado. Desta forma, estaria livre do seu triste fim. Mas em nome do amor, ela não faz isso e desaparece nas águas em forma de espuma do mar. Contos de fada! De sereia! Que até acaba ganhando uma alma como sonhou, porque comoveu os outros espíritos com sua história.
A sereia aqui está disposta a dar a sua vida nos mares e a sua identidade para conseguir o amor de um príncipe humano e uma alma. Mas nos anularmos por um ‘príncipe’ ou qualquer pessoa que seja, é uma das lições que ficam para além da fábula, não é mesmo?
O filme de animação americano 'A Pequena Sereia' (Foto: Divulgação/ Disney)

O filme de animação americano ‘A Pequena Sereia’ (Foto: Divulgação/ Disney)

Isis Valverde e suas sereias na dramaturgia

Na minissérie ‘O Canto da Sereia‘ (2013), Isis Valverde fez Sereia, uma cantora de sucesso que é assassinada em cima do trio elétrico em pleno carnaval. Assim como na ficção, em que a personagem encanta a todos e se torna a rainha do axé, na mitologia, ‘o canto da sereia’ é uma expressão que designa algo que tem grande poder de atração para as pessoas.

A atriz estava sedutora em cena, com figurino inspirado em escamas de peixes e em elementos do fundo do mar. Na cena em que foi assassinada, por exemplo, usou um vestido todo feito com pérolas, escamas de madrepérola e fios de poliamida com xales de escamas de acetato. Sereia mostrou o amor de uma artista por sua música, cumprindo seu papel junto ao público até o fim. Isis Valverde mencionou na época, que a intensa vivência e preparação para a personagem foram um divisor de águas no seu amadurecimento profissional.

Isis Valverde conquistou o público na minissérie 'O Canto da Sereia' (Foto: Divulgação/ Globo)

Isis Valverde conquistou o público na minissérie ‘O Canto da Sereia’ (Foto: Divulgação/ Globo)

Isis foi responsável por levar a tendência do sereísmo ao gosto do público. Em ‘A Força do Querer‘ (2017), ela viveu Ritinha, personagem que acreditava ser sereia e filha de um boto. A tendência se tornou uma das fantasias mais buscadas para festas como o Carnaval, por exemplo, as mulheres aderiram a elementos dos figurinos da personagem nas roupas, na maquiagem e nos acessórios. A atriz usou três caudas ao longo da novela: uma idêntica à primeira, por segurança, e uma outra mais leve, de 12 quilos, para as cenas em que a cauda precisa ser carregada. Ritinha era espontânea, autêntica, fiel à sua essência e aos sonhos que tinha, por mais fora do padrão e da realidade que parecessem.

isis Valverde viveu Ritinha, adepta do sereísmo em 'A Força do Querer' (Foto: divulgação/ Globo)

isis Valverde viveu Ritinha, adepta do sereísmo em ‘A Força do Querer’ (Foto: divulgação/ Globo)

As sereias da extinta Manchete

O Canto das Sereias‘ foi uma minissérie de oito capítulos produzida pela extinta Rede Manchete em 1990, de Paulo César Coutinho, com direção de Jayme Monjardim, que contou a história da sereia Teoxíope (Ingra Lyberato), de 3 mil anos, que se apaixonava pelo escritor Ulisses (José de Abreu), que havia se mudado para uma ilha, local onde se desenrola a história, a fim de buscar um ambiente adequado para seu trabalho e tentar salvar seu casamento com Sophrosine (Mika Lins). Contudo, com a presença das sereias no local, outras três histórias de amor acontecem por lá, uma vez que elas não só seduzem os homens, como despertam a paixão em todos os seres humanos das redondezas. Sem regras morais, Sophrosine, madrasta do filho de Ulisses, Telêmaco, apaixona-se pelo próprio enteado. A sereia Aglaope (Andreia Fetter), por sua vez, perde a imortalidade ao se casar com o pescador Orpheu e acaba morrendo. E a sereia Parthenope (Nani Venâncio), que atormenta o faroleiro Hélio (Marcus Caruso), leva-o à loucura. O enredo da minissérie foi considerado confuso para o público habitual da televisão brasileira, com uma narrativa lenta e as belas paisagens de Fernando de Noronha. Com tema musical atraente, composto por Marcus Viana, a produção inspirou o contato com a natureza, deslumbrante.

Ingra Lyberato foi uma das sereias da minissérie 'O Canto das Sereias' da extinta Manchete (Reprodução/ Manchete)

Ingra Lyberato foi uma das sereias da minissérie ‘O Canto das Sereias’ da extinta Manchete (Reprodução/ Manchete)

Uma sereia clássica no cinema

O filme ‘Splash – Uma Sereia em Minha Vida’ (1984) é um clássico não apenas por seu sucesso de público quando lançado, mas por causa das extensivas exibições na televisão aberta brasileira durante os anos 1990 e 2000. Com direção de Ron Howard, o filme conta a história de um garoto (Tom Hanks), salvo de um afogamento por uma sereia por quem ele se apaixona. A figura mitológica reaparece em sua vida duas décadas após o incidente e eles precisam driblar vários desafios para conseguir manter um relacionamento. Terminamos de assistir o longa no maior clima de ‘tudo por amor’! E tendo a certeza que na pele das sereias também bate um coração…

Daryl Hanna é a estrela do filme 'Splash - Uma Sereia em Minha Vida' (Divulgação)

Daryl Hanna é a estrela do filme ‘Splash – Uma Sereia em Minha Vida’ (Divulgação)

Sereias no streaming

Os seres mitológicos também invadiram ‘Tidelands’, disponível no catálogo da Netflix. A primeira produção australiana da Netflix, tem o brasileiro Marco Pigossi no elenco, e conta a história de Calliope McTeer (Charlotte Best), recém-saída da prisão, que retorna a cidade natal determinada a buscar justiça e ter respostas sobre o passado. À primeira vista parece ser uma trama comum, envolvendo rede de tráfico de drogas na cidade litorânea, policiais corruptos, segredos de família, mas em ‘Tidelands’ isso tudo é entremeado por elementos sobrenaturais, em uma rede de conspirações envolvendo assassinato, drogas e sereias.

Vale assistir para nos lembrar que “Há mais coisas entre o céu e na terra, do que sonha a nossa vã filosofia”, como escreveu William Shakespeare, em ‘Hamlet’.

‘Tidelands’ é uma série de mistério disponível na Netflix com presença de seres mitológicos e elementos sobrenaturais

Na primeira temporada da série ‘Cidade Invisível’, também na Netflix, Jessica Córes interpretou Iara na produção brasileira criada por Carlos Saldanha, que traz diversos seres mitológicos da cultura brasileira, como a bruxa Cuca (Alessandra Negrini), o Saci Pererê (Wesley Guimarães) e Curupira (Fábio Lago), e está em sua segunda temporada. Na trama protagonizada por Marco Pigossi no papel de Eric, ela vive a cantora Camila de dia e Iara, uma das maiores lendas do folclore brasileiro, à noite. A atriz comemorou a oportunidade de interpretar uma versão diversa da mulher metade humana e metade peixe, que seduz homens desavisados para matá-los embaixo d’água. Série brasileira das boas! E um mergulho em nosso folclore de forma criativa, inclusiva e onírica.

Jessica Cores é Iara, cantora de dia e sereia à noite, na primeira temporada de 'Cidade Invisível' (Foto: Vinicius Mochizuki)

Jessica Cores é Iara, cantora de dia e sereia à noite, na primeira temporada de ‘Cidade Invisível’ (Foto: Vinicius Mochizuki)