Pane no Sistema! Cinco novelas que, como “Travessia”, trouxeram robôs como personagens e floparam na audiência


Trazer robôs em novelas é algo que dá certo? Ao menos cinco novelas criaram androides como personagens e tiveram sua trajetória marcada pelo insucesso. “Travessia” se aproxima do Capítulo 100 sem mostrar a que veio e com Haroldo, seu personagem robótico sendo alvo que chacota na Internet ; “Tempos Modernos” resultou no afastamento de seu autor do gênero e a classificação de Grazi Massafera por ser esta a sua “pior novela”; “Apocalipse” também não pontuou bem na Record e “Morde e Assopra” só saiu-se melhor depois que tirou o destaque dos robôs que compunham a trama. Veja cinco novelas que, coincidentemente ou não, possuíam robôs em seu elenco e não tiveram boa repercussão, quer junto a crítica, quer junto ao público

*por Vítor Antunes

Na atual trama das 21h, “Travessia”, que tem o robô Haroldo, trabalhando como garçom e fazendo um antagonismo com Joel (Nando Cunha), o personagem androide vem encontrando muitas resistências tanto do público como da crítica. Nas novelas que se propuseram a tratar o assunto e a trazer robôs em papel de destaque nenhuma logrou sucesso. Em “Tempos Modernos“, Frank, um robô, e dividia a cena com Antônio Fagundes, o protagonista. Fato semelhante aconteceu em “Morde e Assopra“. Na primeira, o robô foi desligado para tentar recuperar a audiência, algo que não aconteceu. Além destas, tramas como a religiosa “Apocalipse”, da Record optou por trazer uma personagem ginóide – uma robô fêmea – para exemplificar o sentimento de superioridade dos homens frente a Deus. A trama falhou tanto na pregação religiosa como na tentativa de falar sobre modernidade e teve uma repercussão nula ou depreciada. Outra a trazer, desta vez um androide, foi “Transas e Caretas“, de Lauro César Muniz. Desta vez coube ao ator portador de nanismo Quinzinho interpretar o robô, na trama que hoje é um ícone cult, ainda que tenha fracassado em sua exibição original.

Não é incomum haver a tentativa da inclusão da tecnologia em projetos audiovisuais. Nas novelas, quando houve algum investimento no recurso tecnológico, via de regra, houve insucesso. Temporadas de “Malhação” como “malhação.com” e “Malhação Ao Vivo” tinham participação direta dos telespectadores e não foram bem aceitas. A série “Norma” também lançou mão do mesmo expediente e é um dos projetos mais malsucedidos da emissora carioca, que tirou-o do ar depois da exibição de três episódios, que foram ignorados pelo público telespectador. Falando de tecnologia ou trazendo androides à cena, a tentativa de modernidade não costuma ter boa repercussão. Veja cinco casos de novelas que trouxeram robôs como personagens e, coincidentemente, decepcionaram na audiência.

Haroldo e Joel (Nando Cunha) em cena em “Travessia”. O robô divide as opiniões e a audiência da novela é morna (Foto: João Miguel Junior/TV Globo)

Travessia (2022/2023)

Travessia se propõe a discutir a influência da tecnologia nos dias modernos. Tanto que sua protagonista é uma moça vítima de deep-fake, técnica que emula através de inteligência artificial, as características humanas. Brisa (Lucy Alves) é acusada de sequestrar uma criança em razão de terem feito um deep-fake de seu rosto. Além dela, o mocinho da trama Oto (Rômulo Estrela) é um hacker. O mergulho na tecnologia também é dado a partir do robô Haroldo, que chega para trabalhar como garçom no bar de Nunes (Orã Figueiredo), causando desconfiança do funcionário da casa, Joel (Nando Cunha). O público estranhou a presença do “personagem androide”, tanto que estendeu às redes sociais as suas críticas. No Twitter, um usuário identificado como Debb, classifica a participação de Haroldo na trama como algo que infantiliza a novela de Glória Perez e por isso compara-a aos folhetins infantojuvenis do SBT: “Parece que estou assistindo Carrossel, Poliana, Carinha de Anjo ou Cúmplices de Um Resgate“. Outro, Ramon, aponta como incoerente o fato de um personagem haver “dado gorjeta para um garçom robô”. Haroldo é só mais um alvo da criticada trama das 21h, que atinge a segunda pior audiência do horário nos últimos cinco anos, perdendo apenas para “Um Lugar ao Sol” (2021/2022).

Robô Haroldo não despertou interesse do público e a crítica foi ferina contra ele: “Constrangedor” (Foto: João Miguel Junior/Globo)

Tempos Modernos (2010)

Em “Tempos Modernos”, primeira e única novela solo de Bosco Brasil, a inovação era trazer um robô, Frank (Márcio Seixas) em função de destaque, sendo ele a personagem-orelha de Leal (Antônio Fagundes). A importância do robô/computador era tão grande que um dos nomes provisórios da trama foi “Bom dia, Frankenstein“. Leal era um milionário excêntrico que mandou construir um edifício em São Paulo, o Titã II, e destinou Frank, uma inteligência artificial para seu  monitoramento. O objetivo do autor era evidenciar uma relação homem-máquina, no Século XXI. Frank foi inspirado em Hal 9000, de “2001: Uma Odisséia no Espaço” e era dublado por Márcio Seixas. A crítica apontava que Frank “era o mais burro dos computadores inteligentes”. Depois ddeuma saraivada de críticas, e ele foi desligado durante a trama, cabendo à vilã Deodora (Grazi Massafera) transformar-se numa ginóide. Em declaração recente, a atriz classificou esta como sua pior novela. “Tempos Modernos” derrubou a audiência das 19h colocando-se no ranking das novelas com a pior média do horário naquele momento.

Frank era o robô de “Tempos Modernos”. Um fracasso às 19h (Foto: Reprodução/TV Globo)

Apocalipse (2017/2018)

Cercada de polêmicas, “Apocalipse” foi a primeira novela bíblica contemporânea da Record. Desde as propagandas escancaradas à Igreja Universal , manifestas de forma panfletária, o teleculto dramatúrgico de Vívian de Oliveira passou por toda sorte de problemas. Desde a interferência da cúpula da Universal à troca de atores e encurtamento dos capítulos, diminuídos em 60 episódios. A fim de mostrar a degradação da humanidade, o folhetim lançou mão de uma robô humanóide, Melina (Giselle Batista). A personagem, inclusive, seria interpretada por Thaís Melchior e precisou ser substituída às raias das primeiras gravações por um problema pessoal da atriz inicialmente cotada para o papel. Em razão do fracasso, tanto de público como de crítica, “Apocalipse” foi a menor audiência de todas as novelas bíblicas da Record, marcando apenas 7 pontos. A metade de “Os Dez Mandamentos”, maior sucesso da casa.

Giselle Batista foi a robô Melina em “Apocalipse”, da Record (Foto: Reprodução/RecordTV)

Transas e Caretas (1984)

Na novela de 1984, de Lauro Cesar Muniz, o robô Alcides (Quinzinho) [1935-1994], era interpretado por um ator que portava o nanismo. E, em plenos Anos 1980, a trama propunha-se a falar sobre os efeitos da modernidade naqueles idos, estabelecendo um comparativo entre os “transas” – expressão da época para designar uma pessoa descolada, avançada, “transada” – e os “caretas”, forma pela qual chamavam os antiquados, conservadores, reacionários. De forma semelhante a “Travessia”, Alcides era o mordomo de Thiago (José Wilker) [1944-2014], pessoa excessivamente ligada às facilidades da modernidade, diferente de seu irmão, Jordão (Reginaldo Faria), que de tão arraigado ao passado, tinha uma escrava, Dorinha (Zezé Motta). Além da possibilidade de haver saído da trama por estar grávida de sua filha Isadora, veículos de comunicação sinalizaram na época que Lídia Brondi pediu para sair da novela por não concordar com seus rumos. Numa gravação na praia, sob intenso sol e caracterizado como Alcides, o ator Quinzinho acabou desmaiando por conta da alta temperatura. “Transas” não teve uma boa audiência quando comparada às demais da mesma época, por mais que a Globo sobrasse no Ibope naquele momento.

Alcides (Quinzinho), foi o robô de “Transas e Caretas”. (Foto: reprodução/TV Globo)

Morde e Assopra (2011)

Morde e Assopra” demorou para conquistar o público. O confronto entre paleontologia e modernidade era definitivo na trama, que inicialmente era chamada de “Dinossauros e Robôs“, tanto que este é o nome da novela para o mercado estrangeiro. Inicialmente, eram dois os androides na trama de Walcyr Carrasco: Zariguim, um amigo e conselheiro do cientista Ícaro (Mateus Solano), além de Naomi (Flávia Alessandra), cuja versão androide foi criada pelo cientista para suprir a falta da sua esposa, que, teoricamente, estava falecida. Os robôs não deram liga junto ao telespectador, bem como também se tornaram públicas algumas indisposições entre o autor e o diretor Rogério Gomes. Coincidentemente ou não, após a diminuição da importância dos robôs e a mudança de foco, a trama se reergueu e atingiu seu objetivo em audiência.

Flavia Alessandra foi a Naomi em “Morde e Assopra” (Foto: Reprodução/TV Globo)