Nada de novo no front. Bem verdade que as premiações de cinema, nos Estados Unidos, têm se multiplicado como coelhos no cio. Antigamente, havia o Oscar ou, pelo menos, as atenções do grande público se voltavam apenas para ele. Depois, o Globo de Ouro, láurea conferida pela Associação dos Correspondentes Estrangeiros em Hollywood, foi se firmando como um contraponto e chamando atenção. Bom, contraponto, no caso, é um eufemismo porque se usa este prêmio para elaborar teorias (algumas até conspiratórias) sobre quais serão as barbadas e quem acabará ficando fora do páreo no todo-poderoso Oscar. Mas, ainda assim, o segundo se tornou uma celebração de peso nos últimos anos, tanto para a sétima arte quanto para a telinha, por ser uma visão do cinema do ponto de vista da imprensa especializada.
E, claro, com o crescimento da televisão por assinatura se multiplicou a divulgação de tantas outras comemorações, a maioria sob o olhar atento (ou político) dos sindicatos de categoria, que laureiam os melhores em suas áreas e que podem, por serem mais específicos, conferir estatuetas a profissionais que só fazem sentido aqui ou ali. Nos últimos, todos esses prêmios ganharam os holofotes. Afinal, é preciso caprichar no conteúdo dos canais de tevê a cabo: a competição é grande, o público é escorregadio e montar sua programação é o mesmo que matar uma dúzia de leões por dia. E, óbvio, como cinema chama atenção dos telespectadores e, nas premiações, a legião de fãs pode ainda conferir um punhado de celebridades juntas, vestindo figurinos espetaculares, portando jóias nababescas, bebendo Don Pérignon e exalando charme, os programadores das emissoras se esmeram em divulgar essa dúzia de prêmios, a fim de aumentar a audiência e arrematar patrocinadores. Cinema dá mídia e exibição de celebração traz dinheiro para o caixa das redes de televisão! E, mesmo com o interesse puramente comercial de se divulgar essa overdose de premiações, não há como negar que o conjunto de cerimônias movimenta o mercado e ainda pode ajudar a equilibrar aquelas injustiças que ocorrem volta e meia no Oscar, não é mesmo?
Por exemplo, o SAG – Screen Actor Guild Awards, o crivo realizado pelo sindicato americano dos atores que aconteceu neste último final de semana – confere prêmio de melhor casting em filme, ou seja, ao conjunto de elenco que tomou parte em uma produção cinematográfica, algo que seria impensável em um Oscar, uma competição extremamente individualista. Naturalmente, estas premiações setorizadas são responsáveis por contemplar uma quantidade maior de profissionais que, sob o pente fino de seus pares, ganham o devido destaque. Isso, de certa forma, é louvável, pois permite que haja maior possibilidade de divulgação de trabalhos, formatada a partir de visões variadas do mercado vindas de diversas direções. Assim, o prêmio de “Melhor casting em filme”, no SAG – este ano dado a “Trapaça” (“American Hustle”, de David O. Russel) –, acaba dando ênfase também aos produtores de elenco, responsáveis por escalar os tais grupos de atores que farão sentido ou não em uma película e que não têm vez nem no Oscar, nem no Globo de Ouro.
Já o Producer Guild of America Award for Best Theatrical Motion Picture – a estatueta que começou a ser conferida em 1989 (“Conduzindo Miss Daisy”, “Driving Mrs Daisy”, produzido por Richard D. Zannuck) pela poderosa PGA, a Producers Guild of America, associação dos produtores de cinema –, acaba de premiar ontem “Gravidade” (Gravity, produzido por Alfonso Cuarón e David Heyman) e “12 Anos de Escravidão” (12 Years a Slave, produzido por Anthony Katagas, Brad Pitt, Steve McQueen, Jeremy Kleiner e Dede Gardner), dois filmes que prometem ser azarões no Oscar e que foram relegados a segundo plano no Globo de Ouro. Neste, “12 Anos de Escravidão” até ganhou como “Melhor Filme de Drama”, mas perdeu em outras seis categorias, assim como “Gravidade” deu a Alfonso Cuarón o prêmio de “Melhor Diretor”, mas não conseguiu levar para casa os de “Melhor Filme de Drama” e “Melhor Atriz” (concorria Sandra Bullock, fantástica).
Entretanto, as listas de candidatos aos prêmios costumam ser muito parecidas e, por vezes, as listagens dos felizardos premiados também. Assim, é possível afirmar que, a despeito do aumento do número de celebrações, reina a pasteurização geral. Cate Blanchett ganhou o prêmio de “Melhor Atriz em Drama” por “Blue Jasmine” (Idem, de Woody Allen) no Globo de Ouro e é melhor atriz este ano pelo SAG. Merecido? Sem dúvida, ela está genial! Mas quem pode afirmar que Bullock, sua concorrente às duas estatuetas e também ao Oscar, não também merece? Ou Emma Thompson, sábado, pela sua interpretação da escritora de livros infantis em “Saving Mr. Banks” (Idem, de John Lee Hancock), que conta o embate entre a autora e Walt Disney na ocasião pela compra dos direitos de filmagem de “Mary Poppins”?
Após se reinventar como ator de verdade, o sex symbol Mathew McConaughey foi eleito neste mesmo SAG como “Melhor Ator” pelo seu genial gostosão aidético em “Clube de Compras Dallas” (Dallas Buyers Club, de Jean-Marc Vallée). Bom, ele já tinha ganhado como “Melhor Ator em Drama” no Globo de Ouro, concorre ao Oscar e, agora, talvez possa se aposentar das campanhas fotográficas como modelo, tipo a que ele fez para a Noir, Le Lis aqui no Brasil, a menos que, nessas, passe a receber uma bolada maior que aquela que deve começar a ganhar agora pelos seus filmes. Da mesma forma, seu companheiro no tal clube de compras, o dublê de ator e rock star Jared Leto, abocanhou a láurea de “Melhor Ator Coadjuvante” nas duas cerimônias por sua inspiradíssima composição do travesti que tem um pai homofóbico. Na outra ponta, o excelente (e subestimado) veterano Bruce Dern perdeu como melhor ator em ambas, concorrendo por “Nebraska” (Idem, de Alexander Payne). Injustiça cometida em dobro com este baluarte hollywoodiano, que corre novamente ao risco de tal descaso no dia 2 de março, noite do Oscar, já que ele é candidato a “Melhor Ator” mais uma vez pelo mesmo filme. Maldade, já que o antigo astro tem presença magnética em clássicos como o último filme de Alfred Hitchcock, “Trama Macabra” (The Family Plot, 1976), e “O Grande Gatsby” (The Great Gatsby, de Jack Clayton, 1974). Aliás, a última versão deste livro de F.Scott Fitzgerald, sob a feérica batuta de Baz Luhrmann, foi esnobadíssima, concorrendo apenas ao Oscar de figurino. Miuccia Prada que, como todos sabem, colaborou na película com trocentos vestidos desenhados por ela, deve estar fazendo figa para a costume designer Catherine Martin ganhar este ano.
Com tudo isso resta algumas perguntas: até que ponto a super exposição dos talentos, neste excesso de premiações, não banaliza o conteúdo em si daquilo que está sendo premiado? Existe um esgotamento nesse exagero de prêmios? E, com tantas cerimônias anteriores capitalizando os olhares e sendo divulgadas na mídia, haverá um esvaziamento do Oscar, que acabará perdendo destaque absoluto? Bom, como tudo na vida, tudo que é demais tende a cansar. E, pelo visto, nunca houve tanto maneirismo barroco em tantas cerimônias esvaziadas, apesar da polvorosa que deve existir dentro das fundições que produzem as estatuetas. Possivelmente, nunca se fabricou tanto troféu como hoje, tipo padaria.
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