*Por Brunna Condini
Estamos às vésperas de um novo ano e é muito comum que façamos nossas revisões pessoais, elegendo o que desejamos deixar em nossas vidas e também o que já não nos serve mais. E por que não também refletirmos sobre o que consumimos com a classificação de entretenimento? Especialistas apontam que o tipo de conteúdo que recebemos pode afetar, tanto positivamente, quanto negativamente nossa saúde mental. Além das informações e mensagens que somos bombardeados diariamente, temos o poder de escolher o que vamos assistir. A realidade, é que quem tem acesso ao streaming possui um cardápio melhor de opções, sem dúvida. Na TV aberta, o mar é mais restrito e pelo que temos visto nos últimos anos, muitas vezes quem programa menospreza o espectador. Vemos algumas atrações ainda perdurarem sem reformulações mais profundas em seus formatos, na escalação de seus elencos, seus roteiros, propostas e sem acompanhar os novos tempos.
Neste contexto, mais do que falar de produções e atrações que se destacaram ou que desapontaram em 2023, gostaríamos de propor a reflexão: o que deveríamos ver mais no audiovisual brasileiro em 2024 e o que deveria ser repensado porque já deu?
O que gostaríamos de ver mais?
Protagonismo negro
Este ano, assistimos na maior emissora do país, a TV Globo, um momento histórico: o protagonismo negro em três horários de novela: em ‘Amor Perfeito’, trama das seis, com Diogo Almeida interpretando Orlando. Em ‘Vai na Fé’, sucesso das sete, com Sheron Menezzes brilhando como Sol. E no horário nobre, o protagonismo de Barbara Reis, em ‘Terra e Paixão’.
Além disso, também temos visto a representação de personagens negros nos folhetins e séries também em lugares que não reforçam esteriótipos, e isso dá alguma esperança. Vivemos em um país no qual a população negra corresponde a mais da metade (56%), e portanto, deve se ver representada de formas múltiplas e diversas, tal qual suas existências, também na dramaturgia.
Ainda sobre o tema e abrindo um parêntese para a sétima arte aqui, é preciso celebrar ‘Mussum, o Filmes’, a maior estreia do cinema nacional em 2023. Um longa que narra a história de um artista negro (Ailton Graça vive Mussum) e de pessoas relevantes na sua trajetória e na do país, representadas por um elenco essencialmente negro, e com a direção de Silvio Guindane. O sucesso da produção que arrecadou R$2 milhões apenas no primeiro final de semana de exibição, é um exemplo de transformação no mercado audiovisual que está mais focado em aumentar essa representatividade, e do público indo em busca de uma história que para além do interessante personagem central – sambista, humorista, integrante do icônico e extinto ‘Os Trapalhões’ – é também um recorte e uma síntese de Brasil. Por mais ‘Brasis’ e brasileiros em sua pluralidade no audiovisual em 2024!
Diversidade de crenças/culturas
Quase nove em cada dez brasileiros dizem acreditar em Deus, segundo a pesquisa Global Religion 2023, produzida pelo Instituto Ipsos. Isso mostra que a fé é importante na vida de boa parte da população. E isso não significa necessariamente seguir uma religião específica, já que segundo o mesmo estudo, 89% dos entrevistados disseram crer em Deus ou em um poder superior, e apenas 76% afirmaram seguir uma religião. Ainda assim, nos identificamos como um país feito de um mosaico de crenças, mas que paradoxalmente, ainda vibra na intolerância religiosa de muitas formas. De olho nisso, Rosane Svartman e um time de roteiristas sintonizados à um público diverso, criaram tramas relacionadas ao assunto em ‘Vai na fé’, que representaram religiões sem caricaturas ou preconceitos.
Na trama da protagonista Sol, a autora deu um contorno do que seriam os evangélicos naquele universo, colocando a religião como mais uma característica da personagem – lembrando que no ano anterior à novela, informações do Datafolha baseadas em pesquisas de opinião pública sugeriam que cerca de 26% da população seria evangélica. Em outro enredo, no mesmo folhetim, fomos espectadores do primeiro contato que o personagem Ben (Samuel de Assis) teve com o candomblé.
Vale também deixar registrado que o núcleo indígena de ‘Terra e Paixão’ poderia ter sido melhor aproveitado. Mostrando mais tanto da cultura, quanto da espiritualidade dos povos originários. Formado principalmente pelos atores Daniel Munduruku, Mapu Huni Kui, Suyane Moreira e Rafaela Cocal, o universo dos personagens ficou restrito à sabedoria ancestral, previsões e curandeirismo, como já retratado em outras produções. A representatividade como presença do núcleo deve ser celebrada, mas ficou devendo pelo desenvolvimento das tramas. Queremos mais da pluralidade de crenças e culturas na telinha!
Naturalização do amor
Boa parte da relação com nossos códigos culturais se propaga através da arte. Quando pensamos nisso, identificamos o extenso alcance da teledramaturgia em um país com dimensões continentais como o Brasil. Por isso, que mesmo após meses de um jogo baseado em uma fórmula conhecida nas novelas em um flerte gay – de um lado, um mais assumido, avança e investe; de outro, um mais bronco e enrustido, hesita, evidenciando o preconceito enraizado na sociedade – foi emblemática a cena do beijo entre Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo) em ‘Terra e Paixão’. Principalmente, por conta do envolvimento e da sensibilidade dos atores e da direção. Melhor ainda é ver, que mesmo mantida um tanto de comicidade na história do casal, eles estão vivendo os desdobramentos do seu amor a sério.
Na mesma novela, as atrizes Renata Gaspar (Mara) e Camila Damião (Menah) torceram muito fora de cena e nas redes junto aos fãs, pelo beijo das suas personagens, que nada mais é do que um símbolo da naturalização do amor entre elas. Com uma trama que pareceu ‘esquecida’ por um tempo, as duas ganharam seu momento no folhetim e vão se casar. Parece que a aceitação e torcida pelo casal Kelmiro iluminou o caminho para as duas. O casal feminino da novela das 21h é feito de algumas alegrias, muitas dificuldades e nenhum alivio cômico. Mas até aqui, venceu o amor.
Outra trama que se propôs a naturalizar o amor entre pessoas do mesmo gênero foi ‘Vai na fé’, através do romance entre Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman). Mas as coisas não saíram conforme o planejado, já que foi divulgado que o desenrolar de mais intimidade entre elas, através do sempre polêmico beijo, estava sendo censurado pela emissora. Com muita pressão da opinião pública, o beijo foi ar, mostrando que toda forma de amar vale a pena. O sonho é que daqui para frente isso seja mostrado sem tanto esforço.
Abaixo selecionamos dois formatos e suas mensagens para se repensar:
Baixaria nos realities
Chegou ao fim mais uma edição de ‘A Fazenda’, que foi ainda mais cheia de brigas, ofensas, demonstrações de preconceitos, desrespeito e descontrole, como já esperado (e projetado?) desde a escolha de seus participantes. A 15ª edição do reality show chegou ao fim com a pior audiência historicamente, o que já evidencia que o interesse do público por esse tipo de atração vem mixando. Ainda assim, a 16ª temporada já está confirmada para o segundo semestre de 2024. Será que reality vai se renovar ou vai continuar apostando na velha fórmula, baseada no caos entre os participantes? É preciso pensar que isso vai na contramão do que é entretenimento e do que faz bem à saúde mental, tanto de quem está confinado, quanto de quem assiste.
Sai o reality da Record, entra o Big Brother Brasil 24 a partir de 8 de janeiro, com promessas de ineditismo em suas dinâmicas. Bom, aguardemos cenas dos próximos capítulos.
Programas de fofocas
Nos últimos anos eles se multiplicaram. O formato costuma dar boa audiência, afinal as pessoas não parecem resistir a saber da vida de gente famosa ou pseudo-famosa. Se há consumidores para entreter-se com um programa que em grande parte é sobre o que estão fazendo as vidas alheias, muito bem. Mas como as fofocas têm se misturado às fake news, e muitas vezes se tornam responsáveis pelo ‘cancelamento’ de alguém (até porque esses programas bebem na internet, nos sites do gênero e vice-versa), é sempre importante o exercício de questionar: de que forma essas informações foram apuradas? Quem são os profissionais que se julgam habilitados para divulgar o conteúdo e opinar sobre ele? Sendo apreciador ou não do formato, é preciso repensar a questão da apuração de gossip hoje na TV e para além dela. Até mesmo para quem ama saber da vida dos outros.
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