A música brega dos anos 70 e 80 é a verdadeira protagonista do filme Paraíso Perdido, funcionando como um personagem à parte, que ganhou pré-estreia concorrida nessa segunda-feira, no Shopping Leblon, no Rio. A trilha sonora é fundamental para o desenrolar da história e, na verdade, foi a primeira ideia que surgiu na cabeça da autora Monique Gardenberg quando decidiu escrever este roteiro. “Queria fazer um longa que valorizasse esta brasilidade e fui tendo as ideias ao escutar as canções. A minha ideia era criar um mundo onde o amor fosse abundante e, por isso, a tolerância, a liberdade, o amor ao próximo e a aceitação eram características latentes. É um universo possível que, neste caso, se passa dentro de uma boate”, explicou a diretora, que estava há oito anos sem fazer uma montagem cinematográfica. O resultado desta simbiose entre musicalidade e atuação são personagens tão intensos e apaixonados quanto as letras das canções. Sendo assim, a trama tem como pano de fundo uma família disfuncional, que mistura uma drag, um policial, uma mulher surda e um patriarca exigente, e consegue conviver de forma harmoniosa devido o amor pela música e também existente naquele núcleo. Não existe julgamento e recusa neste contexto. Para interpretar papéis tão complexo, Monique formou um elenco dos sonhos, como a própria determinou, já que tem a presença de Erasmo Carlos, Seu Jorge, Julio Andrade, Hermila Guedes, Marjorie Estiano, Jaloo, Malu Galli, Julia Konrad,Humberto Carrão, Lee Taylor e Felipe Abib. O filme estreia no dia 31 de maio nos cinemas.
Monique queria reverenciar a música brasileira e acabou escolhendo as canções românticas e bregas dos anos 70 e 80. O gênero foi deixado um pouco de lado na história brasileira e foi exatamente por isso que ela resolveu exaltar esta época. “Sou de Recife e cresci escutando estas músicas, meus pais e tios ouvem até hoje. É muito legal a gente recuperar este estilo musical, que é bem diferente das canções produzidas atualmente, mas tem uma poesia e conta histórias de amores perdidos. Não tem ninguém que escute uma música dessa e não se sinta identificado com a história. Temos que difundir um pouco mais, porque faz parte da cultura”, afirmou Julia Konrad. A atriz interpreta, em seu primeiro grande papel para o cinema, uma menina doce que sofre muito com o abandono da mãe. No entanto, no longa, esta trilha sonora sofre algumas alterações e adaptações curiosas. Sendo assim, o público irá conferir novas melodias. “A Monique é muito ousada e criativa e tem o dom de misturar elementos imprevisíveis. Ela tem uma liberdade de fazer um compilado de universos diferentes e, no final, dá certo, na minha opinião. É inspirador porque experimentamos timbres e sensações”, explicou Marjorie Estiano.
Já que o filme é um tributo à música brasileira, não poderia fica de fora grandes personalidades do ramo. Sendo assim, o elenco conta com Erasmo Carlos e Seu Jorge e ainda Zeca Baleiro na direção musical. Dentre eles, quem teve um desafio maior foi Erasmo, porque o cantor não está acostumado a atuar e precisou interpretar o patriarca da família, um dos protagonistas da trama. “Ele foi a última pessoa convidada para participar. O elenco já estava todo fechado, mas faltava o pai. Não conseguia achar um ator para este personagem, mas um dia pensei em procurar um cantor. Na mesma hora me veio um estalo que seria o Erasmo”, explicou Monique. O artista se inspirou no longa de Luchino Visconti, O Leopardo, para compor o seu personagem, um homem que largou tudo para cuidar dos seus filhos. O compositor teve muita dificuldade de decorar as falas e agir como uma pessoa diferente, mas para isso contou com muita ajuda e compreensão do elenco. No entanto, o processo foi muito mais tranquilo pela sensação que teve de estar em casa. “Talvez pela Jovem Guarda ter um pezinho no brega, me senti muito à vontade musicalmente. É um estilo que existe no nosso país, não adianta querer fechar os olhos para isto, porque o Brasil é assim. Estas canções são presentes e estão na cara de todo mundo”, completou Erasmo. Ele teve liberdade de opinar na musicalidade da montagem.
O longa-metragem não possui uma linha do tempo certa. Trata-se de um conteúdo atemporal, já que é possível perceber que se passa antigamente, porém sem precisar a época. Mesmo assim, a contemporaneidade ainda é muito latente, afinal, estamos falando de uma família disfuncional e personagens que sofreram diversos preconceitos existentes na sociedade moderna. “Tem muitas questões para serem discutidas neste filme o que é maravilhoso. Estamos falando de situações lamentáveis que as pessoas sofrem há muito tempo caladas. Não podemos mais tolerar este tipo de comportamento. Atualmente, cada vez que escuto alguém dizendo algo preconceituoso, mesmo sem perceber, eu questiono logo. É quase automático e não estou sendo radical, mas é que precisamos dar um basta. Chega! Não pode brincar com isso”, declarou Julio Andrade. O ator vive um personagem muito amoroso e que adora a música.
Um dos personagens mais importantes e protagonistas do filme é Imã. Logo no início, o papel, vivido pelo cantor Jaloo, sofre com a homofobia por ser uma drag queen, chegando a ser espancado. “Nós sabemos a importância destas cenas e como são muito fortes para diversas pessoas, inclusive, para mim. Tentei fazer o máximo para imprimir esta realidade, porque o preconceito existe mesmo. O filme tem uma pegada fantástica, mas também consegue trazer a gente, de uma forma bem tensa, para a realidade. Lutei muito para fugir de uma caricatura, busquei vivenciar este papel da forma mais natural”, informou. O artista confirmou que este filme foi muito desafiante para ele, mas foi enriquecedor poder representar as drags.
Além da homofobia, o machismo e o preconceito com deficientes está muito presente no papel de Malu Galli. A atriz interpretou uma mulher que ficou surda após sofrer uma violência domestica. “Quando soube do motivo que a levou a ter este problema pensei que o personagem seria muito pesado, mas a Monique queria exatamente o contrário. Pretendia que ela fosse uma luz no filme e isto foi a chave do sucesso. Realmente, os deficientes que conheci não se vitimizam, ao contrário, são super alegres e expressivos. Era uma visão preconceituosa minha”, afirmou. Durante a preparação, ela fez quatro aulas de língua de sinais para aprender a se comunicar. Precisou abrir mão de sua fala, parte importante na atuação, para criar este papel, o que tornou tudo mais difícil. “Para mim, este personagem foi uma descoberta. Nunca tinha entrado em contato com o universo dos surdos, que é uma cultura marginalizada. Foi muito enriquecedor entrar em contato com isto. Fiquei assustada como nós vivemos em um país que tem muitas pessoas com esta deficiência e nós sequer conhecemos a língua deles”, complementou.
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