“O humor tem missão de comunicar, trazer verdades e falar de política é necessário”, diz Késia Estácio


A atriz e cantora, conhecida do público depois da sua participação no The Voice Brasil, tem agradado em cheio com a repórter já considerada “Musa dos Absurdos”, do humorístico “Fora de Hora”, na Globo. Késia fala ao site sobre o reality, a relação com a música construída ainda na infância, e defende a fala política, em todos os segmentos, como meio de entendimento e transformação: “A política está em todos os lugares e muitos de nós não sabemos. Pagar passagem de ônibus, é política. Ter onde acordar, é política. Tudo é política. É uma ciência social que deveria ser melhor informada. É um direito que a população tem de entender minimamente, para não viver enganada”.

*Por Brunna Condini

A vida de Késia Estácio mudou totalmente após sua participação no The Voice Brasil em 2012. A atriz e cantora se tornou nacionalmente conhecida depois de ficar entre os finalistas da atração e ser “apadrinhada” por Lulu Santos, inclusive participando de discos do cantor. “Na época do The Voice, eu trabalhava em uma loja e estava bem infeliz. Vi no programa uma esperança de mudar, pelo menos naquele momento, minha caminhada”, lembra Késia, que atualmente faz parte do elenco do humorístico “Fora de Hora”, na Rede Globo. “Ainda não me fez realizar nem metade dos meus sonhos, mas foi um passo muito importante. Desde o programa, nunca mais trabalhei em nada que não fosse arte. Espero que permaneça assim”.

“Na época do The Voice, eu trabalhava em uma loja e estava infeliz. Vi no programa uma esperança de mudar, pelo menos naquele momento, minha caminhada” (foto: Globo/João Cotta)

Você chegou a participar de trabalhos do Lulu, que foi seu técnico. Como é sua relação com ele? “Lulu sempre foi muito querido comigo. Ele dizia que se eu seguisse meu coração, do jeito que eu já estava fazendo, seria uma candidata potente até a final, e de fato fui finalista dele. Quando acabou o programa, ele já estava no processo do disco “Lulu toca Roberto e Erasmo” e me chamou para fazer uma participação. Foi muito especial fazer parte da discografia de um dos maiores hitmakers do Brasil”, conta a cantora, que sonha agora em lançar um disco ainda este ano. “Me sinto honrada pelo reconhecimento do mestre. Minha relação com ele é bacana. Ele está ligado nos meus passos”.

Mas se engana quem pensa que o start musical de Késia veio através do reality. Ela respira música desde cedo. Neta de maestro e filha de musicistas, a artista começou a cantar com a influência gospel, estudou canto e logo foi para o teatro no grupo “Nós do Morro”, daí para os grandes musicais foi um pulo. E não foram poucos, entre eles “Beth Carvalho, O Musical”, “Soul Roberto”, e “Elza, O Musical”.

“Me sinto honrada pelo reconhecimento do mestre. Minha relação com Lulu é bacana. Ele está ligado nos meus passos” (Divulgação)

A atriz, que antes tinha feito apenas pequenas participações, chamou à atenção e conquistou um papel de destaque no humorístico em que faz Patrícia Evelyn, uma repórter comprometida com suas matérias e coberturas absurdas. Está sentindo muita diferença do teatro para a TV? “Total. Teatro tem a repetição, vai mudando as intenções, depende do dia, da troca com a plateia, é tudo muito vivo. TV é mais “frio”. Não comparo ao “Fora de Hora” porque é um programa de humor jornalístico que o tempo inteiro quebra a quarta parede, estou sempre olhando para a câmera. É um mecanismo que nunca usei fazendo TV. Achei difícil, desafiador. Trabalhamos com plano sequência, os textos são grandes, porque de fato, estamos trabalhando com notícias. Estou adorando porque acho que aproxima o público. É desafiador demais encarar e não ter medo da câmera. Talvez o teatro e o “Fora de Hora” tenham o mesmo calor do dinamismo, da velocidade”, analisa.

Késia com a repórter “Musa dos Absurdos” do humorístico ‘Fora de Hora”, na Globo (Foto: Camilla Maia/Globo)

Qual sua maior dificuldade na TV? “Meu maior desafio no programa é falar com a câmera muitas vezes e o texto ser sem corte, fluido. Não acho que televisão seja fácil”.

A carioca, nascida em Nova Iguaçu, se mudou para o Vidigal, e por desejar ser uma artista completa, foi estudar teatro, descobrindo também o humor. Se considera engraçada? “As pessoas sempre me acharam muito engraçada. Eu me acho divertida, às vezes esquisita. O humor sempre esteve presente na minha caminhada. No teatro ,eu evitava o humor porque eu tinha uma visão deturpada de que mulher no humor não era legal, caí em todos esses mitos, evitava rir de mim mesma. Tinha problema comigo, com aceitação, baseado em racismo, preconceito social, me sentia inferior, então não podia ser a pessoa que ia me colocar exposta e rir de mim mesma”, desabafa.

“A partir do momento que eu quebrei isso através dos ensinos do professor Cico Caseira, do “Nós do Morro”, me assumi como alguém que também é engraçada e pode fazer as pessoas sorrirem, e isso virou uma ferramenta de cura. Porque sorrir cura e isso é muito legal. E espiritualmente, também acredito que existiu alguém que me ensinou a sorrir para que hoje eu pudesse trabalhar nesse lugar e fazer as pessoas serem mais felizes, pelo menos durante nosso programa”.

“Me assumi como alguém que também é engraçada e pode fazer as pessoas sorrirem, e isso virou uma ferramenta de cura” (Divulgação)

Divertida, Késia fala da sua personagem, já considerada uma espécie de “Musa dos Absurdos” do humorístico. “É uma repórter que cobre coisas absurdas e age com naturalidade porque está muito preocupada em entregar a notícia, ela é extremamente focada e profissional. Por mais absurdo que pareça para o mundo, para ela o importante é a comunicação e o trabalho bem feito. Ela tem muito de mim em relação a seriedade e foco”.

E curiosamente, revela que a intimidade com a música foi determinante na preparação para o papel. “Percebo que os repórteres falam de uma maneira mais melodiosa quando dão suas matérias. Ouvi muito a Maju (Coutinho) falando, ela tem essa melodia. Fátima Bernardes também tem. Glória Maria tem um outro caminho. Estudei mais as repórteres negras, de frentes diferentes”, divide a atriz. “Mas a Patrícia Evelyn foi o meu teste para passar no programa. Eu levei para eles mais ou menos o que eu achava dela. Me reuni com os diretores e eles foram ajustando, temperando, equalizando os caminhos que eu tinha proposto, e chegamos ao resultado que temos agora”.

“Quando o humor entende que tem a missão de comunicar e também trazer verdades, falar de política se faz algo necessário” (Divulgação)

No programa vocês tocam em temas em destaque no país, como foi o caso da letra de “Ô Ministra”. Falar de política em um humorístico pode facilitar o entendimento de alguns episódios para a população? “Acho extremamente necessário o humor tratar de política porque é uma maneira mais fácil de comunicar com quem está disperso do assunto. O humor desarma, a faz abrir os ouvidos, porque rir é realmente muito bom. Ter uma sacada, entender uma piada, é maravilhoso. Quando o humor entende que tem a missão de comunicar e também trazer verdades, falar de política se faz algo necessário”.

A atriz, que salienta sempre em suas redes a importância da representatividade, comenta sobre a relevância da arte abordar o tema hoje. “A política está em todos os lugares e muitos de nós não sabemos. Pagar passagem de ônibus, é política. Ter onde acordar, é política. Tudo é política. É uma ciência social que deveria ser melhor informada. É um direito que a população tem de entender minimamente, para não viver enganada. Eu tenho medo pelas lideranças que temos hoje que, para mim, como mulher negra, são muito nocivas, pensando em um país que não cuida do seu povo preto, do quilombo, do povo indígena, que são os príncipes dessa terra”, opina Késia. “Minha opinião é que se a gente não se unir como povo para se informar, se não criarmos estratégias de proteção, vamos morrer, falo pelo menos, pelo povo preto. Se o humor tem o alcance que tem, é importante falar, se o cantor tem esse alcance, é importante falar, se o vendedor de sacolé da praia entende o que está acontecendo e consegue se comunicar com as pessoas, faz parte dessa missão importante de comunicação. Todos têm que falar: eu, que sou uma cantora que não tem formação acadêmica, minha mãe que é diarista, o meu professor de inglês, o porteiro, o presidente da empresa de ônibus. Acho que todos têm que estar afinados com um mínimo de conhecimento e informação, ainda que as opiniões sejam divergentes, porque isso é política. Para chegarmos em um senso comum do que é melhor para o nosso país”.

‘Acho que todos têm que estar afinados com um mínimo de conhecimento e informação, ainda que as opiniões sejam divergentes, porque isso é política” (Divulgação)